No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal
Vivemos uma grave situação de saúde pública, agravada pela pandemia. Além da covid-19, tivemos o aumento dos casos de violências domésticas contra mulheres e meninas. O abuso sexual é uma dessas violências e tem como uma de suas consequências, a gravidez forçada. Como cuidar das mulheres e meninas em meio a este quadro de sobrecarga do sistema de saúde?
Diferentes países nesse período de pandemia implantaram o atendimento ao abortamento legal por telemedicina, com acompanhamento de equipe multidisciplinar e o fornecimento de medicação para uso domiciliar. Este modelo está presente em países da Europa desde 2006, passando a ser utilizado no Reino Unido e nos Estados Unidos em 2020. No Brasil, a pandemia já ceifou muitas vidas de homens, mulheres e crianças e sobrecarregou o sistema de saúde, o que dificultou o acesso aos serviços de aborto legal.
Visando melhorar essa situação, o NUAVIDAS (Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual) que faz parte da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) tornou-se o pioneiro no atendimento ao abortamento por telemedicina no país. Este procedimento representa diminuição dos gastos do sistema público, pois os maiores gastos ocorrem das complicações geradas pelo abortamento clandestino. O uso de medicamentos, feitos sob orientação médica, têm se provado extremamente seguro e eficaz, reduzindo a necessidade de outros procedimentos. Além disso, as mulheres, muitas vezes, preferem realizar o procedimento sem necessidade de hospitalização e na segurança de suas casas.
Neste modelo, a primeira consulta com a gestante é presencial, em atendimento feito por uma equipe multidisciplinar para explicar sobre o procedimento. A paciente recebe três doses de medicamento que induz ao aborto, as orientações de como e quando usá-lo e as informações sobre possíveis efeitos colaterais. Além disso, a usuária do serviço recebe uma lista com os contatos da equipe médica, que fica disponível 24 horas para qualquer emergência e para tirar dúvidas, segundo a médica Helena Paro, que aprovou a telemedicina no atendimento ao abortamento previsto em lei para impedir que o serviço fosse interrompido durante a pandemia.
No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal. O procedimento deveria ser feito em qualquer hospital, mas costuma ficar restrito aos centros especializados, como o NUAVIDAS, em Minas Gerais. Atualmente, no país existem menos de 50 serviços de aborto legal, sendo a maioria em capitais, o que dificulta o acesso de muitas pessoas. A telemedicina se apresenta como um caminho importante para garantir o acesso aos serviços de aborto legal, principalmente para aquelas que mais vem sendo negligenciadas pelo Estado. Em Porto Alegre existem cinco serviços de referência para atendimento ao aborto legal, nenhum deles até o momento atende por telemedicina. Não podemos esquecer que o aborto é uma questão de saúde pública. Precisamos lutar pela garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de meninas, mulheres e pessoas com útero.
Agora, a médica mineira responsável pelo NUAVIDAS e um grupo de profissionais de diferentes estados brasileiros têm articulado para replicar a iniciativa em outros centros de saúde do país. Além de estender o projeto, o objetivo é que esse tipo de serviço continue sendo oferecido mesmo após a pandemia.
Apesar das evidências científicas da eficácia e da confiança das mulheres nesse tipo de atendimento para abortamento legal, muitas têm sido as tentativas de impedi-lo. Nós feministas, vemos o atendimento para aborto previsto em lei por telemedicina como uma tecnologia que pode salvar a vida das mulheres e defendemos sua ampliação a todos os serviços de referência do país e manutenção após a pandemia.
* Frente pela Legalização do Aborto do Rio Grande do Sul/FrePLA RS
* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko