Rio Grande do Sul

Coluna

Victor Jara e o ideal de paz, igualdade e humanidade

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"Tentaram silenciar Victor Jara, mas sua voz continua a ecoar através do canto de todos (as)" - Divulgação
Victor Jara cantou seu povo e acima de tudo, conseguiu comunicar a mensagem que trazia em sua alma

San Ignacio, localizada na região de Bíobio no Chile, foi o palco de nascimento do artista que transformou, não só a música chilena como também, influenciou toda a nova canção latinoamericana. Além de cantor, compositor, violonista, também se consolidou como poeta, diretor de teatro e professor universitário. Esse era Victor Jara que, estampa muitas bandeiras que continuam a sair às ruas dos países da América Latina, clamando por direitos humanos, sociais e liberdade.

O mês de setembro, coincidentemente, marca dois aniversários de Victor: O de nascimento e morte. O cantor nasceu no dia 28 de setembro de 1932, ano em que o Brasil passava pela Revolução Constitucional que buscava por um fim no governo provisório com ares ditatoriais, liderado por Getúlio Vargas. Enquanto isso, no Chile, a camponesa Amanda Martinez dava a luz a um menino que se tornaria a voz mais forte de combate a uma das ditaduras militares mais sangrentas do mundo.

Ah Amanda, o belo nome de uma mãe camponesa de origem mapuche que ao se libertar de um casamento abusivo com Manuel Jara que se tornaria alcoólatra e violento, acabaria por cuidar e criar seus cinco filhos (as) sozinha. Victor e os (as) irmãos (ãs), mudariam-se para Santiago, capital chilena, em busca de melhores condições econômicas. Através da sua mãe Amanda que, além de tocar piano e violão, adorava as canções do folclore chileno as quais vivia a cantar, Victor desperta para um novo mundo cheio de melodias, harmonias, sentimentos e emoções que seriam cantados por ele na linda canção Te Recuerdo Amanda.

A canção é uma das mais marcantes da carreira do cantor e faz justa homenagem à mãe que, além de dar nome à canção, também foi homenageada quando Victor deu o nome a uma de suas filhas, Amanda Jara, promovendo o encontro de tempos distintos, onde passado e presente se encontravam por meio do amor.

Victor Jara sempre esteve à frente de seu tempo, sonhando com um mundo de amor e liberdade, onde o ser humano tivesse a dignidade e o Direito de Viver em Paz. Adquiriu conhecimento e experiência, passou um tempo se dedicando ao seminário, foi diretor e escritor teatral e realizou diversos espetáculos. Conheceu a fundo as desigualdades sociais de um mundo capitalista e foi a fundo nos estudos, deparando-se com a tão conhecida luta de classe. Despertou e se indignou cada vez mais.

O artista se tornou o cantor do povo, o artista dos direitos humanos, aquele que falava com propriedade do campo e da cidade. Em Plegaria a un Labrador que leva ao trabalhador do campo o sentimento de irmandade, onde são vítimas do mesmo sistema que os oprime. O trecho da letra que deixo, já traduzida em português, nos mostra todo um turbilhão de sentimentos, além de convocar todos (as) para a luta por igualdade.

Levanta e olha a montanha

De onde vem o vento, o sol e a água

Tu que conduz o curso dos rios

Tu que semeaste o voo da tua alma

Levanta e olha tuas mãos

Para crescer, estenda à teu irmão

Juntos iremos unidos no sangue

Hoje é o tempo que pode ser o amanhã

Libertemo-nos de aquele que nos domina

Na miséria traga-nos o teu reino de justiça

E igualdade sopra como o vento a flor do precipício

Jara cantou seu povo e acima de tudo, conseguiu comunicar a mensagem que trazia em sua alma que, por diversos momentos, transcendia seu corpo físico. Impossível não lembrar neste artigo do nosso genial Paulo Freire que, no último dia 19 completaria seu centenário. Aquele que revolucionou o sentido da educação, buscando não apenas expor sua capacidade intelectual de conhecimento adquirido, mas tornando essa ferramenta  acessível a todos (as) como instrumento de empoderamento da população, dialoga com a obra de Victor, gerando diversos pontos de intersecção onde se torna possível o encontro que não aconteceu em vida, mas em ideal revolucionário.

Victor foi morto pela ditadura militar que golpeou o Chile, roubando o poder do povo chileno e arrancando o seu representante Salvador Allende da presidência. Paulo Freire, mesmo depois de sua morte, sofre atentados de tempos em tempos por tentativas dos grupos autoritários e imperialistas que tentam desempoderar e emburrecer o povo brasileiro.

Tentaram silenciar Victor Jara, mas sua voz continua a ecoar através do canto de todos (as), assim como o ideal Freireano que continua cada vez mais vivo para combater o sistema que tenta nos oprimir. O ex-presidente do Brasil Getúlio Vargas deixou uma carta antes de sua morte que terminava com uma frase de efeito, bela, poética e inspiradora: Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo da eternidade e saio da vida para entrar na história.

Victor Jara e Paulo Freire não entraram para a história, eles foram a história e continuam vivos escrevendo cada página e cada capítulo da luta por uma sociedade mais justa e inclusiva. Seus sonhos foram, são e sempre serão os nossos sonhos! Terra, Trabalho, Liberdade e a Educação que nos empodera para que possamos compreender nossas identidades e Cultura.

Por vezes podem roubar o poder institucional, mas jamais nossa luta, pois nossos sonhos sempre estarão lá, nossa ancestralidade sempre estará pulsando nos corações e nossos exemplos como Victor Jara e Paulo Freire sempre estarão estampados em nossas bandeiras. Vocês têm em suas mãos fascistas o sangue mortal de Victor Jara, nós carregamos suas ideias imortais e sempre estaremos aqui. Hasta Siempre Victor!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko