Rio Grande do Sul

Coluna

O que resta dessa ditadura na educação brasileira pela Agenda da AMPD? (parte 1)

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Associação Mães e Pais pela Democracia, “novíssimo movimento social", nasceu em 2018 - Foto: Arquivo pessoal
Contestamos qualquer projeto de lei que tenha objetive calar educadores, professores e estudante

Vou falar hoje no evento V Marcas da Memória da Unisul sobre o ativismo de várias pessoas, inclusive o meu, sedentas de vontade de mudar o mundo e que carregam a força da maternidade e da paternidade para lutar na Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD). Grupo que eu sou fundadora e presidente, que nasce no Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, em 29 de outubro de 2018, pelas mãos dos nossos filhos e através das redes sociais nos reunimos e potencializamos o nosso ativismo em prol da educação gaúcha e porto-alegrense.

Nesta semana de comemoração do centenário do Paulo Freire, é um momento muito especial para quem resiste em tempos de silenciamento. Paulo Freire propôs uma pedagogia para romper com os silêncios e por isso é tão atacado desde o início da ditadura. Em 1964 foi preso, mas mesmo preso ele sempre soube que seu papel era escutar e propor inéditos viáveis. Houve uma situação na cadeia que traz a síntese que para mim do sentido que nos traz aqui também: Um dia, Paulo Freire conversava com um capitão do presídio em que ele foi preso por conta do seu “método subversivo de alfabetização”, que lhe fez um pedido para aplicar seu método para os recrutas. Havia muitos analfabetos entre eles e, para o capitão, seria um serviço que ele prestaria ao país enquanto estivesse preso. Prontamente Freire respondeu: “Mas, capitão, é exatamente por causa do método que eu estou aqui”.

Os nossos filhos, inicialmente estudantes de escolas particulares da capital gaúcha, combinaram entre eles, depois do resultado que elegeu Bolsonaro, naquele domingo fatídico, de irem à escola de roupa para preta e fazerem um ato na escola de mãos dadas, durante o recreio, com a bandeira LGBT no centro do pátio. A manifestação aconteceu na escola e eles gritavam: seremos resistência. Assim surgiu a AMPD, composta mães e pais democráticos que lutam pela garantia do direito à liberdade de aprender e ensinar. Desde que expuseram a imagem dos nossos filhos nas redes sociais, nós brigamos para que as pautas dos direitos humanos sejam debatidas na escola com respeito e zelo pela ciência e pelo senso crítico e por uma educação com compromisso com a transformação social e com a diversidade - a partir da valorização da vida e do fortalecimento da biodiversidade do pensamento.

Somos um grupo suprapartidário, grupo de pressão, prezamos o respeito a todas as formas de expressão e ideologias, desde que identificadas com valores democráticos, sem a agressão moral a minorias ou a violação de direitos humanos e das regras institucionais. Contestamos qualquer projeto de lei que tenha por objetivo calar educadores, professores e estudantes, como o Projeto Escola sem Partido, Escola Cívico-Militar, Homeschooling.

Reconhecemos que o Brasil é um país no qual prevalecem práticas racistas, machistas, misóginas, lgbtfóbicas e discriminatórias, que devem ser combatidas. E a sala de aula é um espaço privilegiado para a formação para a cidadania, a promoção dos valores plurais e o contraponto a todas as formas de preconceito.

Movimentar as instituições e enfrentar as discriminações e opressões em tempos de obscurantismo e fascismo, valorizar o professor e a voz do aluno, aluna e alune para o fortalecimento de uma educação democrática, de uma escola para todos e voltada ao século XXI, é que nos move.

Nossa agenda para enfrentar o que resta de ditadura na educação brasileira, construímos na defesa irrestrita às liberdades de manifestação e opinião dos estudantes nas escolas desde a primeira audiência pública que fizemos na Câmara Municipal de Porto Alegre, em 06/11/2018. Foi quando parlamentares do Escola Sem Partido (ESP) tentaram expor a imagem dos nossos filhos e nós impedimos, o que foi motivo para a nossa união inicial, desde a manifestação deles na escola. Esses políticos também expuseram os professores do Colégio Rosário e tiveram que retirar, com liminar judicial do Sinpro/RS, artigo com essas ofensas a eles na internet à época.

Começa nesse contexto a nossa luta que culmina na criação formal da nossa entidade, a Associação Mães e Pais pela Democracia, em fevereiro de 2019. Temos uma rede de 500 associados, com mais 20.000 seguidores, com atuação em mais de 200 escolas públicas e privadas do RS e com protagonismo nas principais agendas públicas da educação.

Nós temos acima de tudo paixão e vontade de transformar o mundo. Trago aqui uma pergunta da bell hooks no livro Ensinando a Transgredir, que dialoga com a nossa Agenda: “Que formas de paixão podem nos tornar íntegros? A quais paixões podemos nos entregar com a certeza que elas expandirão, e não diminuirão, a promessa de nossas vidas? A busca de um conhecimento que nos permita unir teoria e prática é uma dessas paixões.” (Hooks, 2013, p. 258). Essa é a paixão que reúne centenas de pessoas na Mães e Pais pela Democracia!

Somos um “novíssimo movimento social" e como diria  Boaventura (2017): “As lutas sociais nunca se reduziram à luta de classes. A meio do século passado, surgiu o termo ‘novos movimentos sociais’ para dar conta de atores políticos organizados em outras lutas, segundo outros critérios de agregação que não a classe e para objetivos muito diversificados. Esta ampliação não só alargava o conceito de luta social como dava mais complexidade à ideia de resistência, um conceito que passou a designar todos os grupos inconformados com o estatuto de vítima. É resistente todo aquele que se recusa a ser vítima”.

O sociólogo português Boaventura (2018), antes mesmo da eleição do Bolsonaro já dizia: “O Brasil é hoje um laboratório de significado mundial. Está a mostrar que a democracia liberal representativa não se sabe defender dos antidemocratas. Para se defender tem de se articular com a democracia participativa. Para isso o campo progressista tem de voltar aos territórios onde gente digna sobrevive em condições indignas. Tem de abandonar a obsessão das reuniões secretas e de linguagem altamente codificada que só converte os convertidos...”

Voltando-se ao enfrentamento do problema público da violência na escola e das desigualdades desde a educação percebemos que é necessário tanto o reconhecimento das especificidades das situações das violências quanto a gestão de dados e informações e a denúncia. No entanto, a ausência de denúncias e registros de violência, censura e intolerância, constituem-se como principais entraves à proposição de ações e medidas preventivas e repressivas em prol das políticas públicas de educação democrática e de prevenção das violências, sobretudo da autocensura.

Fazemos isso por meio de advocacy: defesa de uma causa e agenda através da articulação de decisores e formadores de opinião e de campanhas públicas. Tal como traz Secchi (2018), nós produzimos: “Engajamento na influência da opinião pública e das agendas da mídia, política e governamental de algum problema público ou proposta de intervenção.”

Por essa razão, a AMPD conseguiu e tem conseguido dar visibilidade e denunciar às dimensões do movimento “Escola Sem Partido”, bem como promover a capilaridade ou o aprimoramento de políticas públicas mais assertivas e afirmativas da educação, especialmente na pandemia.

Para enfrentar o que resta de ditadura na educação, temos uma Agenda democrática. Confira na coluna da próxima semana.

Clique aqui para assistir ao evento V Marcas da Memória da Unisul.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira