Rio Grande do Sul

Especial Religiões 

"Onde que está a vontade de Deus quando houve recusa da vacina?", questiona evangélica

Coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Nilza Zacarias fala da fé evangélica no Brasil atual

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Evangélicos não votam em bloco, evangélicos tem uma diversidade de pensamentos e de posições", afirma Nilza - Midia Ninja

Qual o papel da religião em meio a uma pandemia com a dimensão da covid-19? O que líderes religiosos pensam destes tempos que estamos vivendo? Estas e outras respostas buscamos neste Especial Religiões, onde entrevistamos lideranças religiosas dos mais diferentes matizes, do espiritismo à matriz africana, da igreja luterana ao budismo.

Apesar do Brasil ser um país de maioria católica (64,6%, de acordo com o Censo de 2010), vem crescendo o número de pessoas que se declaram evangélicas, que passaram de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010, contabilizando 42.275.440 pessoas. Em 2020, segundo pesquisa Datafolha, o percentual de evangélicos foi de 31%, sendo 58% de mulheres, a maioria negra. Já o percentual de católicos no país, de acordo com a mesma pesquisa, é de 50%, sendo 51% mulheres. 

Tal crescimento se encontra tanto na linha mais conservadora, como na mais progressista dentro do segmento evangélico. Situação que ao cruzar com o universo político institucional também tem suas particularidades. Tida como uma das bases mais “fieis” ao governo de Jair Bolsonaro, vem apresentando queda no apoio ao presidente, conforme pesquisa da Datafolha, que mostra uma reprovação de 41%. No parlamento, segundo site do Congresso em Foco, a bancada evangélica vem crescendo a cada eleição. Em 1994, eram 21 deputados federais evangélicos, hoje já são 105 deputados e 15 senadores, o que equivale a 20% do Congresso.

Em julho deste ano, evangélicos de todo o Brasil lançaram um manifesto contra a “política de morte” do presidente Jair Bolsonaro. O documento é assinado por 37 entidades religiosas. Em conversa com o Brasil de Fato RS, Nilza Valeria Zacarias, jornalista e coordenadora Nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma das entidades que assinaram o manifesto, fala sobre a religião evangélica e o contexto atual. “O fundamentalismo cresce no mundo todo. O fundamentalismo não é uma prerrogativa somente evangélica (...) Eu diria que esse é um segmento que faz barulho, porque soube, e sabe usar muito bem o rádio e a TV, ainda que sejam pra fins ruins”, assegura. 

Nilza é casada com um pastor batista, mãe de um jovem negro de 25 anos que é médico e de uma menina de 23 anos que está quase se formando em direito. Conta que vem de uma família que muito cedo entendeu, através da fé, que oportunidades mudam a vida da pessoa e defende que todo mundo tenha oportunidade de transformar as suas realidades e ver isso nas suas gerações futuras.

É torcedora do fluminense e não pode ouvir a batida de um bom samba que seu “sangue ferve”, mesmo que a igreja ensine que isso é errado. "A igreja ensinou errado para a gente o tempo todo, porque a igreja não ensinou a olhar para nossa história, para nossa ancestralidade, olhar de onde viemos e como nos tornamos povo desse país”, afirma, destacando que isso não é impedimento para sua fé.

Abaixo, a entrevista completa:

Brasil de Fato RS - A partir da experiência que você tem com sua comunidade religiosa, qual a avaliação da situação pela qual passa o país, no contexto social e político?

Nilza - Eu sou membro de uma igreja Batista chamada Nossa Igreja Brasileira, que é uma proposta de uma igreja, aqui no Rio de Janeiro, que dialogue com a cultura brasileira atravessando, inclusive a questão de raça. É uma igreja que entende que esse elemento cultural foi suprimido da nossa religiosidade evangélica, da nossa religiosidade protestante, que absorveu todos os elementos da fé americana, que foi enlatada para gente. Essa é essa minha experiência com minha igreja local, mas eu digo que seria muito bom se tivesse pelo país mais igrejas preocupadas em dialogar com a cultura. 

O país passa por um momento difícil, a gente não consegue explicar porque o ódio tem prevalecido dentro das relações, como se construiu essa política baseada no ódio, na mentira e na desinformação. Essa é minha análise e isso atravessa em cheio todos os segmentos sociais do país, sobretudo os mais pobres que são muito vulneráveis na análise dessas informações e muito mais vulneráveis dentro dessa polarização em que vivemos. 

E aí nós temos a igreja como um grupo social que cresce, como o evangélico que é um segmento em crescimento, e cresce dentro de uma maioria negra, pobre, feminina e periférica.  

BdFRS - Costuma-se dizer que viver é um ato político, a religião também seria? 

Nilza - Eu costumo brincar que tudo é político, tudo na nossa vida é político. Se eu escolho comer um pão integral ou se eu escolho comer um pão francês normal, eu estou fazendo uma escolha que é política. A religiosidade também é política. 

Você pensa, por exemplo, no jogador de futebol que sabe que se tiver o joelho estourado, a vida profissional dele está acabada, na relação que esse jogador tem com o sagrado, da proteção. Esse jogador entende que a proteção do divino, do sagrado é extremamente importante para ele porque um chute mal dado no joelho dele arruína uma carreira. 

Então a espiritualidade vai atravessar em todos os segmentos da nossa vida também se constituindo em um ato político. Eu acredito no que eu idealizo, na minha utopia, eu carrego os elementos da minha fé. Eu luto e a minha militância se faz porque eu quero ver o mundo cada vez mais parecido com os valores do reino de Deus onde predominam a justiça, igualdade, bondade, amor, e sobretudo a paz. 

BdfRS - Qual o papel da religião e da fé diante do que estamos vivendo?

Nilza - O papel da religião e da fé deve ser, sobretudo, o papel de consolo e de conforto. Ainda mais nesse momento que estamos vivendo, com 600 mil mortes por covid, com número absurdo de desempregados, com a eminência da volta da fome, onde mais de 20 milhões de brasileiros já se encontram numa situação de insegurança alimentar. 

Ela (a fé) também deve ser um elemento de luta, também deve me motivar a construir algo diferente da minha realidade. E aí eu vou para o texto bíblico, e todas as vezes, nos tempos antigos, estou falando da comunidade judaica, inclusive antes do advento da vinda de Cristo, em todo caos social os profetas se levantavam, e o grito dos profetas sempre era por justiça. 

Então, consolo, abrigo e justiça, essa é uma trilogia que não se desassocia, porque eu não posso consolar, confortar e deixar na mesma situação. Eu tenho que dar consolo, dar abrigo, mas eu tenho que construir uma alternativa pra que a pessoa saia do não-lugar da existência dele, pra que ela saia da falta de dignidade, saia da fome, do desemprego. Em um país, em que isso afeta milhões, essas ações individuais são muito bem-vindas. Óbvio, temos que pensar pra além de ações individuais, temos que incidir sobre políticas e sobre formas de beneficiar toda uma nação impulsionada pelo que há de melhor na nossa fé. 

A bancada de evangélicos, ainda que barulhenta, não tem a mesma proporção do número de evangélicos da sociedade.

BdFRS - Qual a importância da espiritualidade na vida das pessoas?

Nilza - Sobre isso acho que eu acabei falando na segunda resposta, quando falei do jogador de futebol. Eu também posso falar da mãe negra, e sendo eu uma delas, que se o filho está na rua, não tem outra atitude a não ser a de ficar em uma atitude de oração pedindo, implorando que o seu filho volte pra casa são e vivo, num país onde jovens negros de 16 a 23 anos são mortos como baratas. 

Então o conforto e o consolo, como eu falei anteriormente, são resultantes dessa espiritualidade. É ela que faz o desempregado acordar todo dia e ter alguma força pra procurar emprego em um mercado de trabalho cada vez mais restrito, cada vez mais precarizado, com relações trabalhistas que não favorecem o mais fraco. Mas a pessoa sabe que ela precisa se submeter, suportar isso, para conseguir um mínimo de dignidade na vida pagando as suas próprias contas. A espiritualidade vai atravessando nossas relações, nossas amizades, nossas posições, como eu tentei diluir isso nas respostas acima. 

BdFRS -  Nesse mais de um ano de pandemia, o Brasil é o segundo país com o maior número de vítimas fatais. Apesar da  morte ser algo inerente a vida humana, como sua tradição religiosa lida com ela, em especial nesse momento? Há lições para tirar desta pandemia?

Nilza - Falar de morte é algo bem interessante. Não sou teóloga, sou crente, sou jornalista e militante em um movimento de defesa de direitos evangélico, talvez o maior movimento de defesa de direitos na história da igreja recente. Um movimento que surge a partir do golpe contra a presidente Dilma, e desde então vem se estabelecido como um lugar de acolhimento pra aqueles que sofreram muito dentro de suas igrejas. Porque suas igrejas não conseguiram compreender o princípio da liberdade que deve mover todas as pessoas, inclusive o da liberdade de consciência. 

Mas vamos voltar pra morte, a morte é castigo, o ser humano não foi feito pra morte, essa é a compreensão da minha fé, é a compreensão da bíblia sagrada, do texto bíblico que nós seguimos. O ser humano não foi feito pra morte, a morte é um desvio, é resultado de um erro na conduta humana. Então morrer nunca é um bom negócio, queremos viver. 

E morrer de mortes que poderiam ser evitadas é algo que entendemos como muito dramático Mesmo porque não adianta batermos no peito e dizer: isso foi da vontade de Deus. Aonde que está a vontade de Deus quando houve recusa da vacina? Quer dizer, o mesmo Deus que capacita seres humanos pra darem uma resposta rápida a um vírus letal, não quer que isso seja divulgado e propagado o quanto antes? Aonde está a vontade de Deus quando deveríamos ter tomado medidas extremamente restritivas? 

Eu como cristã reafirmo que essas mortes não eram da vontade de Deus, porque Deus capacitou seres humanos a reagirem rápido a essa tragédia humanitária que solapou o mundo e o Brasil de forma extremamente profunda. Por conta da inconsequência dos nossos governantes que resolveram usurpar o nome de Deus, e brincar com Deus desde o slogan que adotaram na campanha de que Deus estaria acima de tudo ou acima de todos.

Essas mortes podiam ser evitadas se fôssemos governados por homens sérios, homens que não precisavam ser tementes a Deus, não. Longe de mim querer um governo evangélico, porque governos não têm religião, países não tem religião. O que queremos é sermos governado por seres humanos que amam, ou que nem precisem amar, porque talvez amar seja uma categoria pessoal, por seres humanos que respeitam outros seres humanos, porque somos todos iguais, porque somos constituídos da mesma matéria. 


Grupos como a “Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito”, “O Amor Vence o Ódio” e “Evangélicos Contra Bolsonaro” ganham força no país / Foto: John Moore/ Getty Images/AFP

BdFRS - Como a religião pode ser um caminho para a construção de uma sociedade mais justa e um planeta mais sustentável? 

Nilza - A religião pode ser uma construção para um caminho melhor, quando os princípios dessa religião são vividos pelos seus, pela sua membresia, quando é vivido por lideranças que têm um papel central dentro de uma religião eclesial, como é a fé cristã, ela é totalmente voltada pra igreja e a igreja tem as suas estruturas. É preciso que todos os segmentos dessa escritura de fato estejam comprometidos com o mesmo princípio, e não comprometidos com o poder, ou em levar vantagem em alguma coisa. 

Então a fé cristã, em especial a fé evangélica, a fé protestante deu uma contribuição inegável para mundo como conhecemos hoje. Não teríamos os direitos humanos na forma que nós temos se não fosse a tradição cristã estabelecendo esses marcos. Você lê a carta dos princípios gerais, a Declaração Universal de Direitos Humanos, e você vai perceber todo o texto bíblico permeando aquela declaração assinada pela ONU no pós-guerra. 

Temos a educação popular, a educação pública como uma conquista protestante. A educação era algo da elite, e aí vem um reformador, vem Martinho Lutero, e diz que todo mundo tem que ler a bíblia. Mas espera aí, se não tem escola, se não somos alfabetizados, como é que leremos a bíblia? Então vamos alfabetizar as pessoas para que elas leiam a bíblia. Assim surgem as escolas públicas e populares. Há uma série de elementos e de contribuições. 

O próprio papel da mulher hoje tão questionado, a igreja contribuiu de forma fundamental em alguns aspectos pra emancipação feminina. E aí eu vou fazer o recorte sim da minha fé, da fé protestante. É bom lembrar que a igreja católica é contra o controle de natalidade até hoje. Quem bancou o controle da natalidade foram mulheres que romperam com as suas religiosidades, ou as mulheres evangélicas que nunca tiveram problema com isso e que não tinham nenhuma dificuldade em fazer controle de natalidade. 

É lamentável que com o passar do tempo todas essas conquistas tenham sido jogadas no lixo por conta desses pastores midiáticos. Mas há conquistas inigualáveis dessa fé que só foram possíveis porque o protestantismo livrava os seus fieis de uma leitura amarrada pelo clero. Então o clero não tinha a última palavra, a última palavra é do fiel, e parece que estamos retrocedendo nisso, e precisamos recuperar a nossa história, e consertar esse desvio na rota que os evangélicos brasileiros entraram através de lideranças que, eu vou dizer, tornaram-se parasitas dessa vida política institucional, sugam disso, sem nenhum benefício pra ninguém. 

O fundamentalismo evangélico erra, e os movimentos que querem impor as suas pautas, sem considerar elementos da sociedade, e que processos de transformação são processos lentos, também erram.

BdFRS- Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro intitulada “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil” aponta que 77% dos evangélicos afirmam ter recebido notícias falsas em “grupos da igreja” no WhatsApp – o dobro que outras religiões. E que quase 30% não checam as informações. Como tu vê essa situação?

Nilza - Bem, essa pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, eu tenho acompanhado, eu conheço o Alexandre Brasil, conheço a luta dele contra a disseminação de informações falsas via WhatsApp.

Eu acho temos no povo evangélico algo que não pode ser encarado como um defeito, eu nem vou dizer manipulado, mas está sendo muito mal utilizado. A fé evangélica é a fé da confiança. Eu confio no outro porque eu entendo que o outro é meu irmão, eu respeito a liderança religiosa porque eu entendo que ela foi estabelecida pelo sagrado para cuidar, consolar, e confortar o povo. Então o que fazem com essa fé, que é uma fé da confiança, do pertencimento?

Temos os pobres e vulneráveis fazendo opção pela fé evangélica. Esses pobres e vulneráveis não têm outra coisa na vida a não ser o que eles creem. Eles sabem que a vida para eles é dura, reconhecem, sabem disso, todo mundo sabe quando está sofrendo. Mas é naquela igreja que ele é dono da sua própria história, é onde ele pode cantar, orar, é onde se ele ficar doente vai receber uma visita. Se os filhos estão em apuro e a mãe tem que trabalhar, ela sabe que pode contar com uma irmãzinha da igreja. Essa é a fé do pertencimento, que explica pra mim a confiança cega. Porque a gente, e aí independente de religião, não foi ensinado, dentro do nosso processo educacional, a ter um olhar crítico sobre as coisas.

Mas também há outras responsabilidades nisso, porque o nosso sistema educacional não foi feito pra nos ensinar a pensar. Então para alterar esse quadro, vamos precisar alterar muita coisa. E a única coisa que eu espero de verdade que não se altere, mas que seja revista, é essa confiabilidade.

Eu não estou defendendo de forma alguma a disseminação de notícias falsas. Eu estou defendendo uma característica que não pode ser tomada como ruim, porque na hora que o bicho aperta, essa pessoa ferrada encontra a dignidade dela dentro da igreja. Então temos que aprender a criar mecanismos para ensinar os nossos irmãos de fé a checarem as informações e só reterem o que é bom.


"Por que eu fazer opção por uma religiosidade como a religiosidade protestante, faz com que a minha escolha não seja legítima?" / Arquivo Pessoal

BdFRS- Ao falarmos das religiões evangélicas, encontramos diversos segmentos: metodista, tradicional, luterana. Vemos no país o crescimento de uma vertente de pregação mais conservadora e fundamentalista. Gostaria que tu nos falasse um pouco sobre essas várias vertentes e esse crescimento fundamentalista?

Nilza - O fundamentalismo cresce no mundo todo. O fundamentalismo não é uma prerrogativa somente evangélica, há grupos católicos fundamentalistas, e o que me choca muito, há grupos de matriz africana e religiões espíritas extremamente fundamentalistas.

Os evangélicos, da chamada bancada evangélica no congresso se posicionam contra a autonomia do corpo feminino, são contra o aborto, e seus principais pares nessa luta são os evangélicos espíritas. A gente muito pouco fala sobre as outras religiosidades, e escolhe um segmento pra ser o ponto, como se toda a crise demandasse desse segmento. A crise não demanda só desse segmento. Eu diria que esse é um segmento que faz barulho, porque soube, e sabe usar muito bem o rádio e a TV, ainda que sejam pra fins ruins. 

Talvez a gente tenha que ser, essa é a minha posição pessoal, eu acho que as mudanças são necessárias e são bem-vindas, mas elas não podem ser impostas de forma alguma. Eu tenho que respeitar da mesma forma que eu sou respeitada. E o que vemos muitas vezes é a imposição de determinadas pautas. E a imposição de determinadas pautas, numa sociedade que é conservadora por muitas características além da religiosidade, vai reagir, e isso vai resultando em fundamentalismos, que vai resultando em posições extremas.

Porque isso muitas vezes é posto como a luta do bem contra o mal, quando isso só deveria ser posto como o meu direito e o seu direito. Isso se transforma numa guerra, e acho que os dois lados erram. O fundamentalismo evangélico erra, e os movimentos que querem impor as suas pautas, sem considerar elementos da sociedade, e que processos de transformação são processos lentos, também erram. Então eu acho que ninguém nessa conta aí está respeitando ninguém.

BdFRS - Gostaria também que tu explicasse como se formou certa imagem estereotipada dos evangélicos pentecostais como pessoas pobres, conservadoras e ingênuas que são iludidas pelos seus pastores, muito deles milionário.

Nilza - Não há estereótipo de que os evangélicos são pobres, há dados, o IBGE comprova que a maioria dos evangélicos brasileiros são pobres, mas não são unicamente pobres. E eu adoro dar o exemplo da filha da Xuxa, da Sasha, que fez opção pela fé evangélica e se casou recentemente com um cantor gospel. Não é só uma religião que agrada aos pobres, ela tem crescimento em todas as classes sociais. 

A grande maioria é pobre, sim, a grande maioria é negra, a grande maioria é periférica. E esse imaginário da ingenuidade é o imaginário que eu gostaria de ajudar a quebrar. Porque quando a esquerda, ou quando qualquer grupo afirma que essas pessoas são manipuladas, que são manipuladas por lideranças religiosas, eu estou negando a autonomia dessas pessoas. Quando eu digo isso eu estou dizendo que pobres, sobretudo os pobres, são tutelados, e isso é horrível.

Por que que outras escolhas são legítimas e essa não é uma escolha legítima? Por que eu fazer opção por uma religiosidade como a religiosidade protestante, faz com que a minha escolha não seja legítima? Isso é algo que precisamos refletir. Os nossos movimentos precisam refletir, a nossa esquerda precisa refletir profundamente sobre isso. Inclusive nós, evangélicos progressistas, muitas vezes caímos também nessa conversa de que os nossos irmãos são manipulados. Isso é horrível, é horrível porque estamos sempre dizendo para pretos e para pobres que eles estão nos lugares errados. Temos que fazer aí uma autorreflexão profunda da nossa relação com o outro, seja quem esse outro for.

Quanto a pastores milionários, isso é uma outra questão, esses pastores milionários, esses são os maus. Isso não significa que eles estão se valendo da ingenuidade, não significa isso. Significa que eles são uns canalhas, porque ninguém deveria ganhar dinheiro além da conta em um país com tanta desigualdade, anunciando as boas novas do reino. 


Para Nilza, "há outros elementos, além da religiosidade que fazem aquela pessoa escolher um candidato" / Pixabay

BdFRS - Para terminar, comente a pesquisa que saiu recentemente, sobre o aumento da reprovação do presidente dentro do segmento evangélico, que muitos costumam apontar como sendo a base bolsonarista. 

Nilza - Eu sempre questionei isso. Houve uma leve vantagem sim, uma relação do voto católico versus o voto protestante, do voto de evangélicos, na eleição presidencial, mas não é esse o único fator que faz o Bolsonaro ser o presidente do país. Evangélicos não votam em bloco, evangélicos tem uma diversidade de pensamentos e de posições, não votam todos juntos na mesma pessoa. 

Há outros elementos além da religiosidade que fazem aquela pessoa escolher um candidato. Tem que lembrar que ele é um trabalhador, que ele faz parte de um sindicato, que está dentro de uma categoria profissional. Tem que lembrar a vivência dele, na comunidade dele. Há muitos elementos que fazem o evangélico dar um voto numa pessoa, e não é necessariamente o voto do segmento, não é um voto blocado. 

Se fosse assim, os evangélicos são cerca de 30% da nação, correto? Eu não tenho uma bancada de evangélicos que corresponda a esse número. A bancada de evangélicos, ainda que barulhenta, não tem a mesma proporção do número de evangélicos da sociedade. Então essa é uma conta matemática que precisamos fazer, e entender que nem todo o evangélico votou em candidato evangélico, e o Bolsonaro vai continuar derretendo dentro desse público, sobretudo dos mais pobres, por um motivo.

Eu sou dona de casa, eu frequento supermercado, e uma bandeja de filé de frango que três meses atrás eu comprava por R$10, R$11, agora eu compro por R$18. E é óbvio que esse voto não vai ser sustentado somente, de forma alguma, pelo discurso do pastor, não vai ser mesmo. 

Esse voto vai derreter, essa opção vai derreter, porque isso está doendo no bolso de quem está indo fazer a compra, isso está doendo no bolso. Enquanto estivermos falando dos mais pobres, ele vai continuar perdendo apoio, porque estamos pagando a bandeira vermelha de conta de luz, e as pessoas já estão com medo de usar os seus eletroeletrônicos dentro de casa, os mercados voltaram a vender ossos. Então esse voto que não se sustenta na religiosidade, a não ser desses comprometidos com o governo. Ele vai derreter porque essas pessoas estão vivendo sem alternativa. 


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Edição: Marcelo Ferreira