Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | O enfrentamento da crise e as distorções na cobrança do IPTU em Porto Alegre

Estudo sobre IPTU da Capital aponta a existência de uma “vantagem” aos proprietários de imóveis de maior valor

Porto Alegre | BdF RS |
Estudo mostra que no bairro Três Figueiras (área de maior valor por metro quadrado da cidade), o IPTU era menos tributado proporcionalmente a bairros populares - Divulgação

O município de Porto Alegre, apesar de diversos apontamentos realizados pelo Tribunal de Contas do Estado do RS, permaneceu por quase 30 anos, de 1991 a 2019, sem atualizar a base de cálculo da Planta de Valores de IPTU. Neste período ocorreram diversas transformações na cidade, com valorizações imobiliárias muito superiores ao restante da cidade em bairros como Três Figueiras, Jardim Europa e Tristeza. Estas transformações urbanas, que valorizaram determinadas regiões da cidade, somadas a não atualização da Planta de Valores de IPTU até 2019, dentre outras, provocaram distorções na cobrança do IPTU. Distorções que, em teoria, teriam sido corrigidas com a aprovação da Lei nº 859/2019, em vigor, desde 1 de janeiro de 2020, que atualizou o nível de avaliação dos imóveis de IPTU em Porto Alegre.

Estudo de Samuel Poeta (2019) sobre o IPTU de Porto Alegre aponta várias distorções na cobrança de IPTU, antes da atualização da Planta que ocorreu em 2019. Dentre estas distorções destaca-se a existência de uma “vantagem” aos proprietários de imóveis de maior valor, pois o nível de avaliação tributado em relação ao valor de mercado decresce de 32,19% (para imóveis com valor acima de 1 milhão de reais) até 13,08% (para imóveis com valor superior a 12 milhões). Ou seja, a medida que aumenta o valor de mercado do imóvel, menor é a taxa efetiva de IPTU cobrado sobre estes imóveis.

Além disso, o estudo mostra que no bairro Três Figueiras (área de maior valor por metro quadrado da cidade), o IPTU era menos tributado proporcionalmente ao valor dos imóveis em relação a bairros como Mário Quintana, localizado numa das regiões mais pobres da cidade. Na mesma esteira, bairros mais humildes como Lomba do Pinheiro, Floresta e Mário Quintana eram proporcionalmente mais tributados em IPTU do que no Jardim Europa, um dos locais mais nobres da cidade.

A atualização da Planta de IPTU realizada através da Lei nº 859/2019, previa que a partir de 2020, estas distorções seriam corrigidas de maneira escalonada. O valor do IPTU para os imóveis com a cobrança mais defasada seria ajustado de maneira gradual, fazendo com que até 2026 fossem eliminadas as distorções herdadas da antiga planta de 1991.

A suspensão desta atualização, ocorrida pela Lei Complementar nº 912/2021, no último dia 10 de setembro, traz como principal consequência que 32% dos proprietários de imóveis em Porto Alegre, que já vinham sendo beneficiados pela desatualização da planta de IPTU, continuarão a pagar um valor de IPTU mais baixo em relação aos demais contribuintes.

Com base nas conclusões do estudo de Poeta (2019), não é surpresa que a maior concentração destes imóveis está nos bairros Três Figueiras e Jardim Europa, onde, respectivamente, 74% e 76% dos imóveis serão beneficiados com a medida de suspensão, e não terão o seu IPTU atualizado aos níveis dos demais imóveis da cidade. Por outro lado, em bairros como Pitinga, Farroupilha e Restinga, apenas 2% dos imóveis foram beneficiados com a referida suspensão da atualização do IPTU.

Salienta-se que num momento de crise, o qual exige a ampliação de políticas públicas, em especial, nas áreas de saúde, educação e assistência social, é necessário fortalecer o Ente Municipal, e neste momento, não é razoável, que a “melhor” opção de Porto Alegre, seja, seguir cobrando mais IPTU de quem historicamente já vinha pagando proporcionalmente mais.

Por que o enfrentamento da crise deve ser financiado pelos contribuintes mais pobres? Mesmo que estes já vinham contribuindo proporcionalmente mais em IPTU, na cidade de POA, há 28 anos? Ou, por que o enfrentamento da crise em Porto Alegre passa por privilegiar um grupo de proprietários de imóveis mais valorizados, os quais já vinham sendo beneficiados até 2019?

Eventuais alterações do IPTU, deveriam ser realizadas de forma equânime sobre todos os imóveis, e não da maneira como foi aprovada através da LC nº 912/2021, a qual suspendeu atualizações dos valores de IPTU para um grupo composto majoritariamente por imóveis de maior valor agregado e situado em regiões nobres da cidade.

Além disso, uma política de redução de impostos ou desonerações tributárias como forma de enfrentamento da crise precisa ser analisada de forma criteriosa. A literatura econômica aponta que a redução de tributos pode não resultar em aumento dos investimentos privados, conforme aponta Kalecki, autor clássico da história do pensamento econômico. Além disso, pesquisa de Orair et al (2016) sobre o Brasil, apontam que a redução de tributos em substituição aos investimentos públicos, não resultaram em aumento dos investimentos privados.

Por fim, a decisão do Parlamento municipal parece representar um retrocesso, dado o risco de reinserção das injustiças tributárias do IPTU existentes até 2019. Além disso, a LC nº 912/2021, aprovada neste mês de setembro, não prevê a retomada da vigência da Lei nº 859/2019, significando assim, que o debate para a correção das injustiças tributárias contidas no IPTU de POA volte a “estaca zero”, ou até com distorções mais profundas, cujos custos econômicos, sociais e políticos a serem incorridos para a retomada deste debate, recai sobre a coletividade porto-alegrense. No entanto, em proporções maiores aos cidadãos contribuintes que pagam proporcionalmente mais tributos, afetando assim, duplamente a desigualdade de tratamento aos contribuintes de Porto Alegre.

Referências Bibliográficas

KALECKI, Michal. Três caminhos para o pleno emprego. In: MIGLIOLI, J. (Org.), São Paulo, Ática, 1980.

POETA, Samuel. “Consequências da defasagem da Planta de Valores Imobiliários de IPTU da cidade de Porto Alegre/RS”. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Economia - FCE/UFRGS. 2019. Disponível aqui.

ORAIR, Rodrigo Octávio; GOBETTI, S. Wulff; SIQUEIRA, Fernando de Faria. Política Fiscal e Ciclo Econômico: Uma análise baseada em  multiplicadores do gasto público.  2ª lugar do prêmio STN, 2016.

* Samuel Poeta, Engenheiro civil, especialista em avaliações de imóveis e mestre em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - FCE/UFRGS. Autor da Dissertação de Mestrado “Consequências da defasagem da Planta de Valores Imobiliários de IPTU da cidade de Porto Alegre/RS (2019)”.

* Rosa Angela Chieza, Professora da FCE/UFRGS, orientadora de Samuel Poeta na referida pesquisa sobre o IPTU de POA/RS e membro do Instituto Justiça Fiscal (IJF).

* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko