Rio Grande do Sul

ESTUDO IRREGULAR

Audiência debate denúncia de uso irregular de proxalutamida no Hospital da Brigada Militar

Responsáveis pelo estudo não compareceram à audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa do RS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre é investigado por uso irregular e experimental de medicamento em pacientes internados com covid-19 - Foto: Osmar Nólibus / BM

A denúncia de uso irregular e experimental de proxalutamida em pacientes com covid-19 no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre foi debatida na Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa do RS nesta segunda-feira (27). Os médicos envolvidos no estudo não compareceram à audiência pública, proposta pelo deputado Pepe Vargas (PT).

A notícia de que pacientes internados no Hospital da Brigada Militar receberam o remédio tratado por Bolsonaro como a “nova cloroquina” sem que houvesse liberação para testá-lo em seres humanos na capital gaúcha veio à tona em agosto através de reportagem do site Matinal Jornalismo. A partir disso, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquéritos para apurar a eventual denúncia. Em setembro, abriu inquérito para investigar também o uso irregular do medicamento no Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado (RS).

No início da audiência, o deputado reforçou que é dever do Legislativo cumprir seu papel de fiscalizador dos órgãos da administração pública direta e indireta e buscar o esclarecimento de um tema de interesse público. A seguir, leu as justificativas para a ausência encaminhadas pelo Comando-Geral da Brigada Militar e pelo endocrinologista Flavio Cadegiani, que junto com o infectologista Ricardo Ariel Zimerman, conduziu o estudo no Hospital da Brigada.

Comunicado dos envolvidos

O Comando-Geral da Brigada Militar afirmou que informações preliminares do Departamento de Saúde davam conta de que “o estudo obedeceu às exigências dos órgãos competentes e às normas legais aplicáveis aos procedimentos em questão”. Ainda assim, prossegue o documento, “em nome da transparência, da qualidade e da lisura sempre mantidas e exigidas em todos os procedimentos realizados no Hospital da Brigada Militar, o Comando-Geral determinou a instauração de procedimento para ampla e rigorosa apuração sobre a realização do estudo”.

Flávio Cadegiani comunicou, por meio de ofício, que não poderia comparecer por estar fora do Brasil em razão de compromissos assumidos anteriormente. Disse que era um pesquisador independente, sem vínculo com indústria farmacêutica, nem beneficiário de qualquer verba governamental, e atribuiu as denúncias à politização do tema e ao fato de a pesquisa ter agradado a alguns políticos.

Segundo ele, cabia esclarecer que se tratava de “pesquisa cientifica e não regulatória”, o que implicaria, segundo ele, uma série de diferenças daquilo que havia sido divulgado pela mídia. Disse que a pesquisa científica necessitava de autorização somente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), e não da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), à qual caberia apenas autorização para importação do medicamento.

Ainda segundo ele, o protocolo adotado havia sido aprovado pela Conep em 27 de janeiro de 2021, tendo sido emitido parecer de aprovação de nº 4513.425. Além disso, os participantes da pesquisa, conforme afirmou, teriam assinado termo de consentimento livre e esclarecido, devidamente aprovado pela Conep.

Representando o Ministério Público Federal, a procuradora da República Suzete Bragagnolo disse terem, inicialmente, oficiado a Anvisa e a Conep a prestarem esclarecimentos sobre os fatos, assim como o Hospital de Brigada Militar e os médicos responsáveis pelo estudo. Pelo que se verificou, segundo ela, a autorização da Conep havia sido, de fato, solicitada, mas não para o Rio Grande do Sul, e para um número de pacientes bastante inferior ao verificado, o que teria levado à representação da Conep na Procuradoria-Geral da República.

Diversos questionamentos

A médica intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Ana Carolina Peçanha Antonio, doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS e co-autora do artigo "Integridade em pesquisa clínica: o caso da proxalutamida", lamentou a ausência dos condutores do estudo, porque teria sido “uma excelente oportunidade para esclarecer alguns pontos”. O primeiro era o fato de não ter identificado “qualquer autorização para pesquisa em Porto Alegre”, somente em Brasília.

“Se, de fato, o Dr. Cadegiani acreditava que a aprovação concedida pela Conep se estendia a todo o país, por que, então, os dados referentes ao estudo conduzido no Hospital da Brigada Militar não estão publicados até o momento?”, perguntou.

Outro ponto que causava preocupação, segundo ela, “levantado pelo jornalista Pedro Nakamura (na matéria do Matinal)”, era que a paciente que concedeu a entrevista, e que teve sua identidade preservada, não teria sido acompanhada até o fim. “Não sei a idade, mas gostaria de saber se é uma mulher em idade reprodutiva, se foi descartada gravidez, porque, afinal, ela foi exposta a uma medicação anti-androgênica”, ponderou. “Gostaria de saber que procedimento se tomou para descartar gravidez e por que não foi acompanhada após a alta hospitalar”, disse.

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), Jorge Venâncio, explicou as razões pelas quais o órgão havia aprovado por unanimidade a representação no Ministério Público Federal, após ter se dado amplo direito de defesa ao Dr. Cadegiani, que teria se recusado a fornecer as informações solicitadas. “Primeiro, é uma coisa inédita na nossa experiência (na Conep) uma pesquisa em que morrem 200 participantes”, disse. Além disso, “o pesquisador parece não ter segurança do que ocorreu na pesquisa, porque deu várias versões”.

Para Venâncio, na hipótese de que “a afirmação (do pesquisador) fosse verdadeira e que 90% dos óbitos tivessem se dado no grupo placebo”, o correto seria suspender o estudo e realizar o chamado cross-over, dado o número elevado de mortes. A outra hipótese, segundo ele, era de erro de metodologia, o que parecia possível, uma vez que o médico se negava a fornecer as informações solicitadas. “Tanto numa hipótese como na outra existem erros graves que precisam ser apurados pelas instâncias responsáveis”, disse. “Nunca vimos nada parecido no tempo em que estamos lá (na Conep)”, frisou.

A diretora-adjunta da 5ª Diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniela Marreco Cerqueira, ratificou que no caso de pesquisa científica o órgão apenas autorizava a importação do produto. Explicou que, no caso em questão, verificaram, após acareação, que o quantitativo importado havia sido muito superior ao número de pacientes aprovados pela Conep, o que os levou a decidir pela suspensão, de forma cautelar, da importação da proxalutamida para pesquisas científicas.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Carlos Isaia Filho, o órgão abriu uma sindicância após a denúncia do Ministério Público e dos fatos noticiados a respeito da pesquisa.

Marcela Donini, editora-chefe do jornal Matinal, assegurou terem sido omitidas dos pacientes informações essenciais, diferentemente do que havia sido dito por Flávio Cadegiani. Também teria sido omitida, segundo ela, a informação de que o médico possuía ligação com a indústria farmacêutica por ter realizado pesquisas pela Applied Biology. Disse que as irregularidades foram conhecidas do público pelo trabalho incansável do jornalista Pedro Nakamura e que, antes mesmo da publicação do material, receberam inúmeras ameaças.

A audiência foi transmitida ao vivo pelo canal do YouTube da TVAL e está disponível aqui.

* Com informações da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do RS


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Edição: Marcelo Ferreira