Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Outras Vozes da Consciência Negra: a potência que vem do afro-indígena

Este artigo compõe a Ocupação da Rede de HistoriadorXs NegrXs em veículos de comunicação neste 20 de novembro de 2021

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola reuniu cerca de 700 estudantes de todo o país - Foto: Cimi

Em outubro de 2021, Brasília foi ocupada por estudantes indígenas e quilombolas. No formato de acampamento, o I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola reuniu cerca de 700 estudantes de todo o país. Mobilizados pelas ruas da capital, reivindicaram a manutenção de políticas de acesso e permanência no ensino superior e o respeito aos direitos conquistados. Ao mesmo tempo, denunciaram os retrocessos impostos pelo governo federal.

As articulações que envolvem populações negras e indígenas são, atualmente, tema de acalorada discussão na academia e entre os movimentos sociais. Paulino Montejo, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), expressou durante o Fórum: “Há mais de 30 anos, temos dito, índios e negros são irmãos de mesma história, de mesma luta”. De fato, essas mobilizações por liberdade, terra, trabalho e cidadania atravessam séculos.

Africanos escravizados, compulsoriamente trazidos para as Américas, entraram em contato com diversos povos já existentes desse lado do Atlântico. Daí em diante, sucessivas formas de relação entre esses agentes sociais se processaram nas diferentes partes do continente, sobretudo no Brasil. Nas antigas povoações ou nos engenhos coloniais, nos quilombos e mocambos do período escravista, ou mesmo em outros espaços que se firmaram no pós-abolição, negros e indígenas seguiram interagindo, ora em alianças, ora em disputas.

Esse convívio, geralmente, foi negligenciado nos discursos científicos sobre a Amazônia, região cindida por perspectivas de desenvolvimento que desqualificavam suas populações. Essas dimensões complexas do afro-indígena eram lidas na chave embranquecedora da mestiçagem. Pardo, tapuia, caboclo, ribeirinho e tantas outras categorias trazem não apenas diferenciações entre o regional e o nacional. Muitas vezes foram operadas para apontar aquele que não seria mais nem índio, nem negro, e, assim, relegar ao esquecimento as conexões e resistências afro-indígenas.

A mestiçagem não dava conta do ato insurgente que elas representavam e representam. Assim, mobilizamos o conceito de “cruzo” (articulador de caminhos e fronteiras), de Luiz Rufino, como forma contra-hegemônica e anticolonial de entender diferenças e processar alteridades, para além de essencialismos e outros vícios enraizados pela branquitude.

Por que isso é importante? Condicionar experiências afro-indígenas a uma visão estática de identidade ou cultura, como contêiner de uma pureza romantizada pelo olhar branco, é invisibilizar formas de existência autônomas construídas por tais grupos (negros e indígenas) e arrancar de nós nossas ancestralidades. “Pois quem não sabe de onde vem / Não cobra justiça à história”, diz a indígena Katú Mirim na música A Busca.

Então, ao agenciar o “cruzo”, no sentido de encruzilhada, resgatamos partes de nossas histórias invadidas pelo branqueamento. Damos vida novamente a esses sujeitos que estão no centro do enfrentamento aos projetos colonialistas de exclusão e apagamento.

Histórias afro-indígenas pluralizam legados socioculturais articuladamente construídos e restabelecem dignidades e potências a nosso passado, sem cair na cilada do esquecimento via mestiçagem. Afinal, trajetórias negras e indígenas não precisam estar apartadas no tempo e espaço para existir, como muitas vezes aprendemos na escola. Ledo engano da História oficial. Inclusive, tais experiências têm sido reposicionadas na agenda historiográfica, numa renovação provocativa desde os movimentos sociais.

Neste 20 de Novembro, nossas reflexões buscam reconectar histórias comuns, de luta por liberdade, autonomia e cidadania. Que este dia seja também momento de relembrar e pautar essas expressões, históricas e contemporâneas, da dinâmica afro-indígena e do que elas nos ensinam sobre modos não excludentes de viver, se relacionar e se irmanar.


Benedito Emílio da Silva Ribeiro - mestrando em Diversidade Sociocultural (MPEG) / Divulgação


Maria Roseane Corrêa Pinto Lima - doutora em História (UFF), professora adjunta da UFPA - Campus de Bragança / Divulgação

* Este artigo compõe a Ocupação da Rede de HistoriadorXs NegrXs em veículos de comunicação de todo o Brasil neste 20 de novembro de 2021.

** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko