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Coluna

Antifascismo e antineoliberalismo: a luta por um projeto popular de educação

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Secundaristas em protesto contra a reforma do ensino médio no ano de 2016; mudanças foram aprovadas e começam a vigorar este ano - © Daniel Mello/Agência Brasil
É preciso denunciar o caráter privatistista do Novo Ensino Médio

A conjuntura brasileira do pós-golpe de 2016 combina, de forma inédita na história do país, dois fatores. De um lado, a aplicação de um amplo conjunto de contrarreformas neoliberais, cuja pedra de toque é a Emenda Constitucional (EC) 95 – que impõe um teto para os gastos públicos e serve como camisa de força, inclusive, para o financiamento da educação.

Também integram esse conjunto as contrarreformas trabalhista, da previdência, do ensino médio e da educação profissional, todas sendo apresentadas pelo discurso oficial como salvações nacionais. A rigor, o que temos visto como resultado, ao contrário dos argumentos utilizados para defender a aprovação dessas medidas, é aumento do desemprego, degradação do sistema de seguridade social e privatização dos sistemas de educação pública.

De outro lado, presenciamos o fortalecimento do que alguns cientistas políticos classificam como um movimento social reacionário de massas, composto por setores significativos da classe média e pequenos proprietários. Tal movimento, representado atualmente pelo bolsonarismo, porta uma ideologia de corte ultraconservador e autoritário, encrustada no executivo federal e em suas políticas públicas. Estamos, com isso, diante da luta por afirmação e, como programa máximo, tomada do poder de Estado por uma força política neofascista.

Essa situação repercute em praticamente todos os ramos da política social governamental, inclusive a política educacional. É nesse sentido, por exemplo, que caracterizo a atual contrarreforma do ensino médio a partir de sua natureza anticientífica. A dissolução das disciplinas clássicas do conhecimento em “grandes áreas” ou em componentes curriculares como “projeto de vida” e “empreendedorismo financeiro”, além de vincular a educação básica aos princípios neoliberais, favorece o obscurantismo das correntes fascistas. Sob termos como competências, habilidades socioemocionais e flexibilidade, se esconde o conteúdo negacionista do novo currículo. A escola pública passa a conviver com toda a sorte de mecanismos – inclusive o livro didático – que negam, por exemplo, o racismo como componente histórico da formação social brasileira, a ditadura militar e conquistas científicas básicas.

Qual deve ser, então, a posição daqueles que defendem um projeto popular para a educação brasileira, frente a esse peculiar momento histórico? Um ponto de partida, por vezes menosprezado por setores progressistas que investem na vitória eleitoral como única movimentação possível em 2022, é a construção de um programa que permita às classes populares enfrentar o atual cenário. Certamente, a natureza educacional desse programa deve prever a luta contra o negacionismo e a defesa da apropriação dos conhecimentos científicos por todos os trabalhadores, afirmando um direito historicamente adquirido. O que temos na atual contrarreforma é, na verdade, a instituição indireta da aqui denominada lei da mordaça, defendida recentemente por parlamentares e movimentos de ultradireita como antídoto contra uma pretensa doutrinação marxista que teria tomado conta das escolas e universidades.

Esses temas, é verdade, unificam a elaboração de um programa antifascista para a educação brasileira, refundando um projeto democrático de escolarização para a nação. No entanto, isso não é suficiente para os desafios apresentados. Sem combinar antifascismo e antineoliberalismo, é grande o risco de que os eixos gerais da atual contrarreforma educacional permaneçam, mesmo sob um governo popular. Não basta, por exemplo, lutar contra o anticientificismo. É necessário denunciar o caráter privatista e fragmentado do “Novo” Ensino Médio, apresentando uma alternativa coesa para essa etapa da educação básica. Nessa perspectiva, a valorização da escola pública, a ampliação do acesso e currículos que não reservem aos trabalhadores o aligeiramento de cursos instrucionais de curta duração – como já temos visto ser ofertado em diversas unidades federativas – devem se colocar no centro.

Não restam dúvidas de que setores da centro-direita e da direita, que se aproximam das forças populares no afã de compor um governo antibolsonarista, defendem projetos de educação de forte caráter neoliberal. Não à toa, já se fala em “reforma da reforma” educacional, sem alterar os princípios gerais e se restringindo a elementos ditos ideológicos. Não há armadilha maior para aqueles que defendem uma transformação profunda da sociedade brasileira em benefício dos trabalhadores.

Alguns pontos que o projeto popular de educação requerido para as lutas atuais poderia prever são a revogação da EC 95, favorecendo a gestão e o financiamento públicos da educação estatal (básica e superior); a revogação integral da contrarreforma do ensino médio e da educação profissional; o fortalecimento dos fundos públicos como o Fundeb, com ampla participação popular em sua administração; o fortalecimento e ampliação do acesso ao Ensino Superior, reafirmando as ações afirmativas e desvinculando os sistemas de avaliação (SAEB, ENEM, ENADE) de parâmetros impostos por agências internacionais; uma política de universalização da educação básica, incluindo o ensino médio, com garantia de acesso a todos os trabalhadores; uma política de Ensino Superior (graduação e pós-graduação) diretamente vinculada à produção de ciência e tecnologia que resolva os principais problemas do povo brasileiro, com ênfase na geração de empregos produtivos, direito à moradia, acesso à terra e a alimentos saudáveis. É possível que não haja espaço para negociação de alguns desses itens com a centro-direita. E, nessas situações, há que se calcular cuidadosamente a hierarquia e a subordinação dos interesses que compõem as alianças.

Edição: Pedro Carrano