Rio Grande do Sul

Alerta de Dengue

Quase 90% dos municípios gaúchos têm confirmação de infestação de Aedes aegypti

Primeira morte em decorrência da dengue no RS foi confirmada na última semana, uma idosa de 76 anos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Com uma população de 5.868 habitantes, Rodeio Bonito tem até o momento 581 casos confirmados
Com uma população de 5.868 habitantes, Rodeio Bonito tem até o momento 581 casos confirmados - Ag. Pará

“Foram 11 dias, com certeza os piores da nossa vida em termos de saúde. É bem complicado. Os primeiros sintomas começaram a aparecer com muitas dores nos ossos, nos músculos, logo após febre e vômitos, isso nas primeiras 24 horas”, relata o representante comercial aposentado, Moacir Alves, 62 anos, sobre sua experiência com a dengue.

A doença, que vitimou 11 gaúchos ano passado, em março deste ano fez sua primeira vítima. Até o momento, dos 497 municípios, 433 são considerados infestados pelo Aedes aegypti, representando 87% do território gaúcho. É o maior número de cidades nessa situação na série histórica do monitoramento, realizado desde 2000. 

De acordo com dados que constam no Informativo Epidemiológico de Arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos) da Secretaria da Saúde (SES), divulgado esta semana por meio por meio do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS/RS), o RS registra até o momento 3.058 casos suspeitos de dengue, sendo 840 casos confirmados. Destes, 753 casos são autóctones (que se origina da região onde é encontrado, onde se manifesta). 

O relatório ainda aponta que 143 municípios de 17 Coordenadorias Regionais de Saúde (Tabela 1) notificaram casos suspeitos de dengue e 43 municípios de 12 Coordenadorias Regionais de Saúde confirmaram casos autóctones no estado. Os casos autóctones de 2022 estão concentrados nos municípios de Rodeio Bonito (35%), de Porto Alegre (16%) e de Dois Irmãos (10%). 

Sintomas físicos e psicológicos

Morador de Rodeio Bonito, cidade com o maior percentual de casos de autóctones, Moacir conta que ele e sua esposa, Inês, foram contaminados, sendo que ela teve que ir três vezes ao hospital, ficando três dias internada na última vez.

“Com 62 anos nunca pensei em passar tais momentos complicados. Na última vez que minha esposa foi ao hospital ficou três dias internada, com desmaios porque se desidratava demais. Eu passei mais leve porque conseguia tomar bastante líquido e um hidratante que existe nas farmácias. Tem gente que não consegue tomar porque ele tem um cheiro e um gosto muito ruim, mas eu consegui, então sofri menos”, relembra. 

Em conversa com a médica que os atendeu, o aposentado foi informado que a duração dos sintomas teriam duração de três a 15 dias. No caso deles, foram 11. Contudo, segundo afirma, a recuperação ainda não é total. Além do físico, há também impactos psicológicos.

“A gente não se recuperou ainda 100%, tem muita canseira, o fígado não é mais o mesmo. E já faz mais de 30 dias. Estamos bem, mas com um trauma muito grande. Quando enxergamos uma mosca, já é o mosquito, enxerga um besouro, parece que é um mosquito. Eu disse, só falta ver um elefante e achar que é o mosquito também. Um trauma muito grande pela situação que dá”, desabafa.

Ao ser indagado sobre onde teria sido infectado, Moacir diz que não tem como saber, uma vez que todo o município está em situação de risco. Ele comenta que teve várias conversas com o prefeito que não deram resultados.

“A prova está aí, cada vez tem mais gente se contaminando. É uma doença nova aqui na nossa região. A gente pensava que só existia lá no norte, e tal. E pelo que a gente sabe o problema vai ser sério todos os anos porque o mosquito desova e vai ficar para o ano que vem para se reproduzir novamente. A preocupação é muito grande porque é muito sofrido. As pessoas só acreditam depois que elas são contaminadas e o sofrimento que passam”, afirma. 

Quase 10% da cidade contaminada

Com uma população de 5.868 habitantes, Rodeio Bonito tem até o momento 581 casos confirmados, sendo 257 casos ativos. Diante do contexto preocupante, a prefeitura da cidade publicou no dia 16 de março um decreto de situação de emergência, com prazo de 90 dias, prorrogado por igual período. Segundo o texto o executivo municipal, agentes farão visitas as residências. Além disso, no último final de semana foi realizado um mutirão de combate à dengue.  

"A cidade vem passando por uma pandemia", avalia Moacir. No decreto, a prefeitura de Rodeio Bonito diz que "uma epidemia de dengue coloca em risco a capacidade assistencial das unidades de saúde, pronto-atendimentos e hospitais".

O aposentado diz não entender a falta de responsabilidade com a grave situação. "No município, no mês de dezembro e janeiro, já tinha casos e a gente não conseguiu fazer com que se eliminasse as larvas e os mosquitos”, destaca.


Municípios Infestados por Aedes aegypti, RS, 2000-2021 / Foto: Reprodução

Estado de alerta para a dengue em São Leopoldo

Localizada na segunda região com mais casos autóctones, a cidade de São Leopoldo, região Metropolitana de Porto Alegre, anunciou nesta semana estado de alerta no município. De acordo com a prefeitura, mais de 50% do território da cidade já possui casos confirmados, nos bairros Santo André, Santos Dumont, Feitoria, Santa Teresa, Rio Branco, Vila Brás e Campina.

Agentes têm visitado residências para orientar a população. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, já são 22 casos confirmados e outros 23 aguardam resultado de exames. 

“O grande avanço no número de casos exige um maior cuidado e atenção de toda a população. Cuidados no pátio das casas devem ser redobrados para evitar a disseminação do mosquito transmissor da Dengue, Zika e febre chikungunya. Devido à proliferação do vírus, deve-se ficar atento aos sintomas que são: dor de cabeça e febre alta, dor atrás dos olhos, dor muscular, dor nas articulações, apresentar manchas vermelhas na pele, erupções na pele, náuseas, vômitos. Neste caso, a orientação é que a pessoa procure a unidade básica de saúde mais próxima de sua casa”, destaca em nota a prefeitura. 

A cidade vizinha, Novo Hamburgo, contabiliza 43 casos confirmados até o momento e outros 99 suspeitos, que aguardam confirmação pelo Laboratório Central do Estado (Lacen). A cidade, há alguns anos, em parceria com a Universidade Feevale, desenvolve o Projeto de Prevenção e Combate à Dengue, onde são feitas visitas à residências. 

Explode casos de Dengue em Porto Alegre 

Na capital gaúcha, de 2 de janeiro a 19 de março, foram notificados 441 casos suspeitos de dengue, dos quais 303 foram confirmados, sendo 296 contraídos na cidade. De acordo com a prefeitura, os casos são registrados em todas as regiões da cidade, com prevalência nos Distritos Sanitários Leste e Centro Sul, com 171 e 48 casos, respectivamente. Os dados podem ser conferidos em tempo real neste link.

Conforme informa o último Boletim Epidemiológico Semanal Arboviroses, entre os dias 12 e 19 de março foram registradas as maiores altas de casos confirmados da doença. Eram 26 na semana do dia 5, passando para 98 e 303 casos nas duas semanas seguintes.

“O aumento precoce no número de casos acende um alerta quanto ao manejo ambiental e de atendimentos em saúde necessários atualmente e também nas próximas semanas”, destaca o executivo municipal. Diante disso a prefeitura criou uma força-tarefa para enfrentar o problema. 

Em 2021 foram notificados 200 casos, sendo 86 confirmados e, destes, 66 autóctones. 

Primeiro óbito de dengue serve como alerta 

A morte de uma senhora de 76 anos, residente de Chapada, município do Norte do estado, na última semana, fez soar o alerta no estado sobre a situação da dengue. O óbito da idosa ocorreu em 9 de março, seis dias após ela apresentar sintomas de febre, cefaleia (dor de cabeça), dor retro-orbital (dor atrás dos olhos), mialgia (dor muscular), artralgia (dor nas articulações) e náuseas. A paciente tinha como comorbidades hipertensão arterial sistêmica e doença pulmonar obstrutiva. 

De acordo com a SES, o fato serve de alerta para a necessidade de medidas de prevenção contra o mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti. “O expressivo número de casos e a larga distribuição do inseto pelo Rio Grande do Sul levam a SES a reforçar junto a população as medidas de prevenção. A principal ação é a eliminação de locais com água parada, que servem de pontos para o desenvolvimento das larvas do mosquito. Essa proliferação acontece em maior volume nesta época do ano, que alia temperaturas altas com chuvas mais recorrentes”, destaca. 

Segundo o informativo da SES, os sintomas da Dengue no estado se comportam como no restante do Brasil. “Apresentaram sintomatologia clássica, com prevalência de mialgia, cefaleia, e febre na maioria dos casos”.

Estado registra outras doenças transmitidas pelo Aedes

O Boletim ainda traz informações sobre Chikungunya , Zika Vírus e febre amarela, também causadas pelo mosquito Aedes. Até o momento o RS tem 69 casos suspeitos de Febre de Chikungunya, com quatro casos confirmados, sendo três autóctones, um no município de São Borja e dois em Água Santa. Foram descartados 23 casos e seguem aguardando investigação outros 42.

Nove casos suspeitos de Zika Vírus foram notificados, sendo um caso confirmado importado no município de Encantado, enquanto sete casos foram descartados e um segue aguardando investigação. O estado registrou três notificações de febre amarela, dois casos foram descartados e um aguarda investigação. 

Lucia Maria Guedes Diefenbach , especialista em Saúde e integrante do CEVS, tem se esforçado nos últimos dias em uma luta árdua contra o mosquito. Ela conta, por exemplo, que durante esta quinta-feira (24), passou o dia todo tratando da dispensação de inseticidas que são utilizados na tentativa de deter a circulação viral pela eliminação das fêmeas adultas de Aedes, que é quem transmite os vírus ao picar uma pessoa contaminada e a seguir picar outra pessoa. 

“Muito embora o uso de inseticida seja a medida talvez menos eficaz para o controle, é o último recurso que temos para tentar conter a epidemia”, destaca. Conforme ressalta, o controle larvário, que é o efetivamente eficaz, tem falhado por inúmeras razões, o que levou à situação atual. “Obviamente, o uso de inseticidas é mais 'espalhafatoso' e angaria votos aos gestores municipais. Ao passo que o controle larvário, preventivo, e bem mais eficaz não tem o apelo devido”, frisa.


Mapa dos municípios infestados e com casos notificados, confirmados e autóctones de dengue, RS, até a SE 10/2022 / Fonte: Sinan Online - (dados preliminares até 15/03/2022).

Dados estaduais refletem realidade nacional 

Dados do Boletim Epidemiológico nº9, publicado pelo Ministério da Saúde, apontam um aumento de 35,4% nos casos de dengue nos dois primeiros meses deste ano na comparação com 2021. De acordo com o material, foram registrados 30 óbitos e 128.379 casos da arbovirose.

Entre os municípios que mais registraram casos prováveis de dengue, Goiânia (GO) é o que apresentou maior incidência, com 13.608 ocorrências, seguido por Brasília (DF), com 8.572 casos, Palmas (TO), com 6.497, Sinop (MT), 2.754 casos, e Aparecida de Goiânia (GO), com 2.199 casos.

Dengue pode evoluir para uma doença potencialmente letal em alguns pacientes

Em 2021, o Brasil de Fato RS conversou com o médico infectologista Keny Colares, consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), que chamou atenção para a gravidade da dengue. De acordo com ele a doença pode evoluir para uma doença potencialmente letal em alguns pacientes.

“A dengue está no nosso país como uma endemia e vez por outra aumentam muito os casos, se transformando numa ocorrência epidêmica. Regiões de clima mais temperado, como no Rio Grande do Sul, na Argentina, tinha pouco acometimento por dengue e estão passando a ter mais”, afirma.

Ele destaca que a doença está em tendência de crescimento em todo o mundo e requer atenção. “Aí tem toda uma discussão relacionada a mudanças climáticas, aquecimento global, o mosquito também tem a capacidade de se adaptar a climas mais frios."

Segundo ele, em meio à pandemia do novo coronavírus, é um risco negligenciar o combate a outras doenças.

Sobre o Aedes

O Aedes aegypti tem em média menos de 1 centímetro de tamanho, é escuro e com riscos brancos nas patas, cabeça e corpo. O mosquito costuma ter sua circulação intensificada no verão, em virtude da combinação da temperatura mais quente e chuvas. Para se reproduzir, ele precisa de locais com água parada. Por isso, o cuidado para evitar a sua proliferação busca eliminar esses possíveis criadouros, impedindo o nascimento do mosquito.

Cuidados com o mosquito 

Os depósitos preferenciais para os ovos são recipientes domiciliares com água parada ou até na parede destes, mesmo quando secos. Os principais exemplos são pneus, latas, vidros, cacos de garrafa, pratos de vasos, caixas d'água ou outros reservatórios mal tampados, entre outros.

Entre as medidas preventivas que em casa a pessoa pode fazer estão:

- Manter tampada a caixa d’água, assim como tonéis ou latões que estejam expostos à chuva

- Guardar pneus velhos sob abrigos

- Não acumular água em vasos de plantas ou nos pratos onde ficam (cobrir com areia)

- Manter desentupidos ralos, canos, calhas, toldos e marquises

- Colocar embalagens de vidro, plástico ou lata em lixeira fechada

- Manter a piscina tratada o ano inteiro. 

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Edição: Marcelo Ferreira