Rio Grande do Sul

Coluna

Bloqueio e sanções: o ataque contra a economia venezuelana

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Petróleo da Venezuela S.A. (PDVSA) - Foto: IkerAlex10/Wikimedia
A repetição do modus operandi imperial no caso da guerra econômica só vai se atualizando

Algumas situações na América Latina são emblemáticas. Por vezes, governos criticáveis acabam tendo de ser defendidos, diante de uma oposição pior ainda e o constante ataque do imperialismo estadunidense. Na escala de valores, lamenta-se a Nicarágua (com o péssimo modelo orteguista), o declínio da política doméstica na Venezuela de Maduro (o chavismo com Chávez era infinitamente melhor) e a falta de debate interno em Cuba. Sendo mais que franco. Cabem críticas aos modelos mais repressivos, é um absurdo não poder ter liberdade de organização e manifestação em alguns países, mas é indefensável qualquer postura colonialista ou de traição a soberania nacional.

Estamos acompanhando a escalada inflacionária após o início da guerra russo-ucraniana. Os contratos de comércio exterior são em parte baseados em índices especulativos, as cadeias produtivas de commodities são dolarizadas e poucos países podem prescindir do sistema trocas internacionais. O Brasil seria um destes, caso tivéssemos uma unidade interna capaz de produzir um planejamento econômico em setores estratégicos. Os três países citados acima e não convidados pelo presidente imperial Joe Biden para a Cúpula das Américas 2022, não têm. A lógica das medidas de guerra econômica contra soberanias nacionais é prejudicar a existência das maiorias. No caso da terra de Simón Bolívar, será que as condições materiais de vida na Venezuela seriam tão árduas caso não sofresse um absurdo bloqueio econômico e uma criminosa espoliação de seus ativos internacionais?

A pilhagem da CITGO

A CITGO Petroleum fabrica os produtos que alimentam a vida cotidiana. Refinamos, transportamos e comercializamos combustíveis, lubrificantes, petroquímicos e outros produtos industriais”. Isso consta no site oficial da empresa venezuelana que foi roubada pela justiça dos EUA. Trata-se de uma empresa gigante da distribuição de petróleo e derivados, incluindo uma ampla rede de postos de gasolina em todo o território expandido através das treze colônias.

Em janeiro de 2021 uma corte federal do estado de Delaware simplesmente autorizou a venda de ações da maior subsidiária da PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo. O país de Simón Rodríguez está sob sanções internacionais, não podendo quitar uma suposta dívida (judicializada) de I,4 bilhão de dólares para com a então empresa canadense Crystallex. Como a CITGO não poderia ser vendida, os gringos simplesmente a roubaram através do controle acionário.

O enredo é mais complicado do que parece. Os Estados Unidos estão punindo o governo venezuelano por haver nacionalizado o complexo mineiro estrangeiro em seu próprio território, e cuja atividade foi campeã de crimes ambientais. E a mineradora não é mais canadense, foi incorporada pelo fundo especulativo Tenor Capital, que opera na Bolsa de Nova York. A CITGO é um ativo estratégico do Estado da Venezuela (maior controlador até a pilhagem) e abriu precedentes para alegadas dívidas do Palacio Miraflores para com demais fundos e acionistas. O total desta “dívida” seria de 36 bilhões de dólares acumuladas por mais de “vinte anos”. Ou seja, o período do governo bolivariano.

Quando Cuba nacionalizou engenhos e refinarias de açúcar dos EUA, fizeram manobras semelhantes, além de incontáveis operações de sabotagem. Na Nicarágua após a derrota do tirano Anastasio Somoza em 19 de julho de 1979, Washington promoveu uma guerra terrorista em duas fronteiras (Costa Rica e Honduras) e também bloqueios e congelamentos de bens e ativos. Em 1990, com a vitória eleitoral de Violeta Chamorro (UNO), o governo Bush Pai impôs a execução da dívida externa nicaragüense, cobrando os “custos da guerra” – financiada pelo narcotráfico e a CIA – contra seu próprio país.

A repetição do modus operandi imperial no caso da guerra econômica só vai se atualizando.

As sanções impostas e o roubo do ouro da Venezuela 

Em dezembro de 2021, a Suprema Corte do Reino Unido derrubou a decisão da corte de apelações britânicas, recusando a devolução do ouro venezuelano para seu governo legítimo. O espantalho do Departamento de Estado dos EUA, Juan Guaidó, foi reconhecido por mais de 50 países, mesmo jamais sendo eleito para o Poder Executivo da terra de Antonio José de Sucre. Diante deste “reconhecimento”, Londres travou os depósitos (31 toneladas de ouro, à época valendo USD 1,95 bilhão de dólares).

Um ato de evidente provocação e cerco econômico, tal como no caso CITGO.  As agressões mais antigas vêm dos EUA, se trata de um conjunto de sanções promovidas por governos republicanos (Bush Jr e Trump), assim como democratas (Obama e Biden). A lista completa é bem grande e podem ser verificadas tanto no Departamento de Estado como no Departamento do Tesouro.

A título de exemplo, empresas dos EUA precisam de uma licença especial para investir ou abrir negócios na Venezuela; há proibição de empresas venezuelanas de operarem no mercado de capitais estadunidense, assim como sanções específicas contra mais de mil cidadãos do país de Ezequiel Zamora. Ao não assinar “acordos de cooperação contra narcotráfico e antiterrorismo”, o Império proíbe a venda de material bélico para Caracas, impedindo também a comercialização de componentes patenteados pelos Estados Unidos, como os aviônicos e tecnologia embarcada em aeronaves da Embraer.

Como se não bastasse impor sua vontade contra um país soberano, ainda defendem o lobby sionista de forma direta. Vejamos:

“Em 2008, o Tesouro impôs sanções financeiras a dois particulares e duas agências de viagens na Venezuela por estarem apoiando financeiramente a organização islâmica radical baseada no Líbano, o grupo xiita Hezbollah. De acordo com a Ordem Executiva (E.O.) 13224, essas sanções referem-se ao financiamento do terrorismo.”

Deste modo, ao classificar como terrorista as forças político-militares que lideram a resistência às agressões do Apartheid Colonial contra seus territórios, a exemplo do Hezbollah libanês e o Hamas palestino, o Império quer que as populações árabes sejam simplesmente massacradas sem o direito a defesa. Enquanto sanciona a Venezuela, envia sem exigência de contrapartida mais de USD 5 bilhões de dólares anuais para Tel Aviv!

Como se não bastasse, as sanções operam com pirataria contra a maior riqueza do país e seus aliados:

“Em 2020, o Tesouro passou a punir pessoas físicas, empresas, e companhias de navegação pelo transporte de petróleo venezuelano em violação de sanções. O Tesouro impôs sanções a duas subsidiárias da estatal de petróleo e gás da Rússia empresa, Rosneft, e sancionou quatro navios estrangeiros de empresas de transporte de petróleo venezuelano. Em junho de 2020 e janeiro de 2021, pessoas físicas foram sancionadas pelo Tesouro, empresas e embarcações por evadirem as sanções.”

Qualquer semelhança com o roubo de um petroleiro iraniano em porto da Grécia, sendo a carga composta por barris de petróleo confiscados pelos EUA, não é nenhuma coincidência. A diferença é que a resposta veio, sendo dois navios tanque gregos apreendidos pela força naval persa. “Surpreendentemente” uma corte helênica reverteu decisão anterior que “autorizava” a pirataria do Império. Ou seja, a resposta plausível diante de um ato de agressão é um gesto de resistência, e para tal, os países soberanos precisam realmente estar preparados.

É importante manter a solidariedade com todos os países que sofrem atos de sanções e sabotagem econômica. Precisamos buscar, a partir da América Latina, saídas de arquitetura financeira que possam viabilizar operar o comércio entre nossos países, ou de nosso Continente para outras regiões do planeta.

A guerra contra a economia da Venezuela, independente das necessárias críticas ao governo Maduro, é um ato permanente de agressão imperialista e como tal deve ser combatida.

* Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira