Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Política: entre vícios e virtudes

"A política ‘latu sensu’ é uma criação da capacidade de socialização do humano, e, portanto, ela é uma atitude"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"O que nós acreditamos é que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser reformulados para a ampliação da capacidade de decisão do povo sobre os seus rumos" - Walter Campanato/Agência Brasil

Chega a ser surpreendente a paradoxal contradição que a Política exerce nas nossas vidas e por nós mesmos, cidadãos e cidadãs políticos. O ser humano é eminentemente político. A política ‘latu sensu’ é uma criação da capacidade de socialização do humano, e, portanto, ela é uma atitude, uma prática quase que “natural” da ação humana. Isso pode ser considerado desde que uma pessoa escolha morar no meio da floresta, sozinha e isolada da sociedade, até outra pessoa em um apartamento na maior megalópole do mundo. Isolar-se tem como pano de fundo uma decisão ideológica, assim como conviver com tudo de mais atual que o ser humano produz também. Isso porque a política também se constitui, por ser uma produção da sociedade, em uma constante comparação entre o ente indivíduo e o ente coletivo.

Nesse sentido que se aprofunda a discussão, trata-se também sobre ética, moral e cultura social, pois como nos comportamos em sociedade demonstra qual nosso entendimento sobre essas questões e como mudá-las (ou mantê-las). Podemos dizer então que tudo o que fazemos é uma ação política, portanto não podemos – e nem devemos – negar algo tão umbilicalmente ligado a nós. Isso não significa aceitar qualquer tipo de prática política, de decisão política e muito menos qualquer instituição política criada por nós, seres humanos, só porque quando viemos ao mundo “já era assim”. Na Política nada nunca está dado, vivemos em uma constante mutação social, por mais que essas transformações demorem décadas ou séculos para serem percebidas.

Nota-se que a contradição da Política então é que ela é produzida e praticada inerentemente por nós e ao mesmo tempo somos nós, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, que produzimos os próprios vícios do que questionamos, criticamos e queremos combater na política. Isso quer dizer que se eu me abster do que tá sendo discutido na política, como direitos trabalhistas, previdenciários, habitacionais, educacionais, econômicos, ou se eu votar em um candidato que não sei o que defende e depois nem lembrar em quem eu votei, eu estou contribuindo para a expansão e manutenção dos vícios da política? A grosso modo é isso.

Quando não participamos dos processos de decisão dos nossos rumos, damos ao outro o direito de tomar a decisão por nós, porque necessariamente para que não fiquemos parados no percurso da história, algo terá que ser decidido. Por exemplo, quando tu podes escolher entre o professor e um fascista e tu preferes “se abster”, anular o teu voto – um direito político duramente conquistado e chamado de Sufrágio Universal – de qualquer forma um dos dois será o vencedor, porque o país neste sistema político não pode ficar sem presidente, então quem votou em um dos dois definiu a eleição, quem não votou em um dos dois, delegou para outro esse direito de decidir.

O que queremos dizer com isso é que esses instrumentos constituídos por nós humanos na prática política como os Poderes, as instituições políticas e jurídicas, devem ser constantemente repensadas, questionadas e reprojetadas, na perspectiva de suas aprimorações. Porém a própria visão do significado de “aprimoração” está permanentemente em disputa, em conflito. Uns acreditam que aprimorá-las é torná-las extensões pessoais dos seus interesses mais particulares, ou também pode ser dos seus interesses econômicos, distanciando cada vez mais do interesse público, do crivo social. O que nós acreditamos é que essas instituições e práticas da política “formal/institucional” ou ‘stricto sensu’, vamos colocar assim, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, devem ser reformulados para a ampliação da capacidade de decisão do povo sobre os seus rumos. Isso significa entre várias coisas o próprio incentivo ao debate político, de assembleias, plenárias, reuniões da comunidade para apresentar desejos, vontades, necessidades e encontrar caminhos em comum na busca de situações melhores para se viver.

Para alcançar esse horizonte, as cidades se tornam ambientes propícios para a materialização dessa idealização e da possibilidade de experimentar novas práticas e inovar na forma de se fazer política para e com o povo. Fóruns de participação popular orientada, temas, projetos e discussões urgentes e necessárias para o desenvolvimento dos territórios sendo produzidos pelo conjunto da comunidade, assim como o fortalecimento de ferramentas como o Plebiscito e o Referendo que trazem a ideia da vinculação da soberania popular para as responsabilidades do Estado e não apenas a ideia abstrata de consulta. Questões assim devem começar a vir mais para a mesa de discussão da boa política, daqueles e daquelas que querem avançar sobre um projeto de transformação e emancipação social.

Dessa forma, não podemos perder de vista as virtudes da Política, que é, no trilho da história, o desenvolvimento da humanidade. Nesse percurso passamos por retrocessos e avanços, por derrotas e conquistas, mas a grande disputa é para o que a política será utilizada, se para buscar justiça, igualdade, liberdade, solidariedade, felicidade (que deveria começar a ser trabalhado para se tornar um direito), o que caracterizamos como as virtudes da política, quando é praticada e buscada para todos e todas. Ou se a política será utilizada para interesses egoístas, injustos e desiguais, perpetuando o poder para poucos que buscam o melhor apenas para si e seus iguais.

Em meio as instituições liberais do sistema capitalista, pode-se notar uma hegemonia da lógica viciada dessas formas e práticas, em discursos, leis, arranjos institucionais e projetos políticos que, sustentados pelo poder econômico, político e de status, trabalham pela manutenção dos que detêm esses poderes em um ciclo vicioso do corporativismo burguês, ao invés de trabalharem pelos injustiçados e desfavorecidos.

Portanto consideramos importante ressaltar que a política permite essas duas formas diametralmente opostas, mas que por fatores de interesses/objetivos políticos ou mesmo contradições humanas, por vezes existem simultaneamente nas ações e visões políticas, mas especialmente em disputas políticas de projetos antagônicos, tornando externamente para o povo uma confusão de narrativas, pois existem os que dizem realmente o que buscam na política e existem os que escondem através de mentiras e demagogia seus objetivos pessoais e políticos. Os vícios que alimentam as desigualdades econômicas, sociais, jurídicas e políticas, e as virtudes que, originando-se do senso de justiça, combatem essas desigualdades, buscando formal e materialmente que esses direitos sejam adquiridos, fortalecidos e garantidos.

David Almansa é vereador de Cachoeirinha, Cientista Social (PUCRS) e mestrando em Ciência Política (UFRGS)

Frederico Lemos é bacharel em Administração Pública e Social (UFRGS) e servidor público de Porto Alegre

* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko