Rio Grande do Sul

Recursos do Estado

Artigo | A importância de se aprimorar a transparência sobre benefícios fiscais

Estudo aponta que, no período de 2012 a 2019, a renúncia de receita total do estado do RS alcançou R$ 87,9 bilhões

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Autores ressaltam a importância da transparência sobre benefícios fiscais para que a sociedade possa avaliar os seus resultados - Reprodução

A renúncia de receita tributária, também denominada de “gasto tributário”, é um instrumento por meio do qual o Estado abre mão de arrecadação, em favor do setor privado, para viabilizar projetos de desenvolvimento econômico. Dessa forma, a renúncia de receita caracteriza-se por uma política cujo gasto não passa pelas etapas obrigatórias de execução das despesas no orçamento público, como ocorre com os demais gastos públicos, como em educação, segurança, saúde e em demais áreas.  

O regramento para a concessão de renúncia de receita no Brasil está previsto em um conjunto de normas, dentre as quais a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Entre as regras previstas na CF/1988, para a concessão de renúncia de receita, encontram-se os artigos 150, § 6º, e 165, § 6º, os quais estabelecem que as renúncias somente podem ser concedidas por legislação específica, e que a lei orçamentária seja acompanhada pelo demonstrativo regionalizado do efeito das renúncias, respectivamente.

A LRF, ao dispor sobre medidas para o equilíbrio das contas públicas, estabelece exigências para a concessão, controle e transparência da renúncia de receita. Segundo o artigo 14 da LRF, sempre que ocorrer renúncia de receita, o ente federativo deverá apresentar a estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o ano que se refere e para os dois seguintes. Deve comprovar que o ato de renúncia foi considerado na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual (LOA) e evidenciar que metas fiscais previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não serão afetadas – ou adotar as medidas de compensação como elevação de alíquotas de impostos ou aumento da base de cálculo, dentre outras, para compensar e viabilizar aquela renúncia.  

Com base nos aspectos apresentados, foi desenvolvida a dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia com o título “A renúncia de receita e a Lei de Responsabilidade Fiscal: o caso do Estado do Rio Grande do  Sul”,  tendo como autor Maik Antonio Moraes da Silva, sob a orientação de Rosa Angela Chieza.

O estudo aponta que, no período de 2012 a 2019, a renúncia de receita total do estado do RS alcançou R$ 87,9 bilhões, representando 26,89% do total da arrecadação de tributos, ou seja, o equivalente 2,19% do PIB estadual. Além do reflexo nas contas públicas, os valores renunciados afetam diretamente o financiamento dos direitos fundamentais, como saúde e educação, cuja base de cálculo do gasto mínimo obrigatório é vinculada à receita tributária.

Considerando o total de renúncia do estado do RS, cujo montante foi subtraído da base de cálculo do gasto mínimo em educação, a educação pública gaúcha perdeu R$ 21,9 bilhões de 2012 a 2019.   

Outro fato relevante é o alto custo por emprego gerado através do FUNDOPEM/RS, que é o principal programa de atração de investimentos e utiliza como forma de financiamento a renúncia de receita de ICMS. A renúncia por emprego nos setores petroquímico, plásticos e borracha foi em média de R$ 4,3 milhões por emprego; nos setores de biocombustíveis, grãos e cereais, atingiu em média R$ 2,4 milhões – custos financiados pela renúncia de receita.

Entretanto, apesar de a renúncia fiscal representar quase 27% do total da arrecadação do Estado do RS, relevantes informações não são suficientemente disponibilizadas, como por exemplo, a divulgação dos beneficiários de forma que se possa monitorar e avaliar de forma efetiva os resultados da política de renúncia. Toda política pública, financiada com recursos públicos, deve ser avaliada, visando seu aprimoramento, ou até a extinção, quando não atinge os resultados esperados, ou seja, a qualidade do gasto deve estar presente também nos gastos tributários (renúncias). Esses aspectos, além de impossibilitar o controle social, impedem a avaliação e o monitoramento da política pública de gastos tributários (renúncias), em oposição ao que ocorre com os demais gastos públicos, os quais são divulgados de forma detalhada nos portais de transparência.

O argumento para a não divulgação decorre da interpretação do art. 198 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. Entretanto, essa alegação tende a ser pacificada com a aprovação da LC nº 187/2021, que modificou o CTN, com a inclusão do inciso IV, no § 3º do art. 198, e estabeleceu que não é vedada a divulgação de renúncia de receita cujo beneficiário seja pessoa jurídica.

Por fim, espera-se que LC nº 187/2021 represente avanço – inclusive com “olhar” criterioso dos órgãos de fiscalização e controle –, uma vez que a divulgação do beneficiário pessoa jurídica das renúncias fiscais possibilitará análises efetivas sobre entrega de resultados pelos beneficiários da renúncia e, ao mesmo tempo, possibilitará o uso de mecanismos apropriados de monitoramento, de controle e de fiscalização. Em última instância, isso permitirá a extinção de renúncias fiscais que não entregam resultados.

Sem essas informações, impede-se uma avaliação robusta dos resultados da política de renúncia e facilita-se a captura do Estado por grupos de poder. E, assim, recursos públicos são investidos em grupos privado sem que o coletivo tenha acesso aos dados necessários para mensurar os resultados daquela política, algo injustificável diante da escassez de recursos públicos, da não garantia plena de direitos fundamentais previstos no artigo 6º da Carta Magna de 1988 e da histórica desigualdade social.

* Rosa Angela Chieza é professora nos Programas de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social e Pós-Graduação Profissional em Economia da UFRGS.

* Maik Antonio Moraes da Silva é graduado em Ciências Contábeis pela FURG e mestre em Economia pelo Programa Pós-Graduação Profissional em Economia pela UFRGS.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora e do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko