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Artigo | A economia está bombando?

No primeiro debate presidencial, entre mentiras, desvios de assuntos e ofensas, o embate de ideias ficou de lado

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Primeiro debate entre candidatos à Presidência de 2022 foi realizado no último domingo (28) - Foto: Miguel Schincariol/AFP

Não devo ter sido o único surpreso com o baixo nível do primeiro debate presidencial. O embate de ideias ficou de lado. Claro que não é nenhuma novidade que os discursos iriam adquirir uma característica de lavagem de roupa suja.

Sejamos honestos, dificilmente há confrontos de ideias embasadas ideologicamente. O candidato que fala, fala para uma massa. Uma multidão que responderá mais facilmente há um discurso que capture a emoção do que um que traga um excelente embasamento que convencerá o sujeito a depositar o seu voto naquele que vos fala.

Bem, entre mentiras, desvios de assuntos, privatizações, falas machistas e infelizmente uma jornalista ofendida, a frase “a economia está bombando” é uma das que mais me chocou.

A economia está bombando? Para quem?

Há anos que vivo na capital do estado. Lembro das primeiras impressões de guri vindo do interior. Prédios gigantes, vários pontos turísticos, um trânsito infindável, ausência do silêncio, mas meu olhar sempre foi capturado por aquelas pessoas que moravam na rua. Como era estranho caminhar e me deparar com alguém deitado. Constrangido eu cumprimentava, sem saber muito o que fazer.

Hoje, 12 anos depois, sinto que passei por um processo de desumanização. Quase como a necessidade de criar uma crosta, uma barreira para suportar olhar para a miséria sem vê-la.

São inúmeras as pessoas que desvio quando vou ao supermercado. Crianças, jovens e idosos. “Tio, compra algo pra mim?” Como suportar escutar isso sempre que saio de casa. Sim, sempre! Não existe um dia que não sou confrontado com o olhar de um pedinte. Alguém que passa fome, que pede reconhecimento e legitimidade de existir e suprir suas necessidades básicas.

São esses que vivem desamparados por uma pátria administrada por sujeitos gananciosos, filiados a diferentes partidos políticos, que têm em seu discurso uma promessa de um país justo e igualitário.

Estamos exaustos de conviver com a miséria. No Brasil ninguém passa fome? Em que Brasil o sujeito que proclama esse absurdo vive? Um discurso eleitoreiro, que desconsidera a realidade.

Nós, pessoas de sorte, perambulamos pela rua tentando suportar a culpa de uma fome saciada, que sejamos voz aos que estão sem força para lutar. Enquanto muitos, neste momento, dormirão famintos sob um chão frio, outros estarão criando narrativas de um Brasil que nunca existiu.

* Graduado em Psicologia Clínica e Ciências Biológicas, mestre em Genética e Biologia Molecular. Atualmente realiza atendimento clínico embasado no referencial teórico e ético de Jacques Lacan.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira