Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

“Uma bomba de R$ 180 bi vai estourar no colo do próximo governador”, afirma Hermes Zaneti

Especialista na dívida gaúcha explica que o Rio Grande trocou um crédito de R$ 67 bilhões por apenas R$ 5 bilhões

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em seu livro O Complô, Zaneti esquadrinha a impagável dívida com a União que afunda o estado e amputa seu futuro - Foto: Carol Ferraz

A longa estrada do ex-deputado federal Hermes Zaneti,79 anos, inclui a presidência do CPERS nos anos 1970, da Conferência dos Professores do Brasil e da Organização Mundial dos Professores. Começou sua vida partidária no MDB no tempo em que o partido combatia a ditadura. Passou para o PSDB, retornou ao PMDB e há vários anos milita no PSB. Tentou ser candidato ao governo gaúcho em 2018 mas a cúpula partidária cortou-lhe as asas. Queria discutir aquela que considera a mãe de todas as questões que afligem o Rio Grande: a impagável dívida com a União que afunda o estado e amputa seu futuro.

Escreveu um livro O Complô. Nele esquadrinha as raízes da tragédia econômica gaúcha e aponta seus responsáveis. É um tema que o absorve há 35 anos, desde os tempos em que ajudou a escrever a Constituição de 1988. O Complô gerou um documentário de mesmo nome que tem pré-lançamento neste 15 de setembro, às 19h, no auditório José Fraga Fachel da ADUFRGS-Sindical, na Rua Barão do Amazonas, 1581, em Porto Alegre.

Neste diálogo, ele critica os governos Sartori e Leite, tacha de “absurda” a negociação do Rio Grande com a União e antecipa o sufoco que herdará o vencedor da disputa pelo Palácio Piratini.

Brasil de Fato RS – Que bomba vai estourar no colo do próximo governador do Rio Grande do Sul?

Hermes Zaneti – É uma bomba de R$ 180 bilhões. Em 2015, apresentamos um projeto de lei no Senado, o 561. Previa que o estado pagaria o IPCA (Imposto Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) sem juros e a dívida estaria quitada. Estamos falando daquele acordo de 1996 do Britto (Antonio) e do seu vice (Vicente Bogo). A União deve ao estado R$ 15 bilhões mas diz que o Rio Grande deve a ela R$ 80 bilhões. Numa noite, reunimos aqui em casa os três senadores gaúchos – Paim, Ana Amélia e Lasier – ficamos trabalhando até as 3h30 da madrugada e fizemos um projeto que foi assinado pelos três.

Leite e Sartori disseram pra União: 'Eu quero te pagar aquilo que eu não devo'

BdF RS – Mas existe outra questão...

Zaneti – A outra é que existe no Supremo Tribunal Federal uma ação proposta pela OAB. E o Sartori (José Ivo) e o Eduardo Leite abriram mão da liminar que suspendia os pagamentos da dívida à União. O que é um crime com a humanidade dos gaúchos, se é possível falar assim. É um crime contra gerações e gerações de gaúchos. O Leite e o Sartori propuseram o seguinte: “Olha, vocês (a União) não estão recebendo por decisão do Supremo mas eu quero te pagar aquilo que eu não devo... então, vamos assinar um acordo onde eu começo a pagar aquilo que não é mais dívida...” Ora, é absolutamente inviável.

A União nunca cumpriu o que prometeu. É caloteira diante dos estados

BdF RS – O estado não vai pagar...

Zaneti – Podes escrever: o estado não tem a menor condição de pagar o que eles assumiram. E tem a Lei Kandir que é um caso mais sério. É uma lei que foi proposta pela União onde diz o seguinte: os estados exportam os produtos primários ou semi-elaborados sem o ICMS. E a União se compromete a pagar aos estados a diferença causada pela ausência do ICMS que incidiria sobre as exportações. Com isso, a União deveria algo em torno dos R$ 70 bilhões ao Rio Grande. Isto porque ela nunca cumpriu de forma total o que assumiu. Foi propondo alterações na legislação que redundou num calote.

A União é caloteira diante dos estados. Foi mudando a legislação culminando com uma emenda constitucional elaborada pelo Senado, uma casa que diz representar os estados... É por isso que o meu livro se chama O Complô. É um complô das instituições federais contra os estados e o povo brasileiro. Com a aquiescência dos senadores.

Há um estudo, feito dentro da Secretaria da Fazenda/RS, atualizado em julho de 2019 quando o Leite era governador havia seis meses. No estudo, a União devia ao Rio Grande R$ 67 bilhões. Mas o Leite assinou um acordo com a União para receber R$ 5 bilhões ao longo de 17 anos! Abriu mão de R$ 67 bilhões. Abriu mão de receber R$ 5 bilhões por ano para receber R$ 5 bilhões em 17 anos...

Zero Hora disse “Rio Grande liquida a dívida”. Eu digo “Dívida liquida o Rio Grande

BdF RS – Quando há um crime, como disse, é preciso procurar os suspeitos ou culpados. Quem são, além dos já citados?

Zaneti – O Britto, por exemplo. Honestamente, não sei como o povo do Rio Grande está engolindo isso esse tempo todo. Se olhares a capa da Zero Hora do dia 21 de setembro de 1996 estão lá o Britto e o (ex-ministro Pedro) Malan sorridentes celebrando um acordo onde a manchete diz “Rio Grande liquida a dívida”. Hoje, nas minhas palestras, eu inverto as palavras. Digo “Dívida liquida o Rio Grande”.  Vistes a data do acordo?

BdF RS – No 20 de Setembro...

Zaneti – É no dia da Revolução Farroupilha... Pelo amor de Deus! Para comemorar a escravidão do Rio Grande do Sul à União... E quem são as vítimas? No Rio Grande, o povo gaúcho. No Brasil, o povo brasileiro. Até hoje o Brasil tem uma dívida pública de R$ 7,3 trilhões sem que ninguém explique de onde veio e para onde foi esse dinheiro. Estou lutando há 35 anos. Sou autor do artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que manda fazer auditoria (da dívida externa) que até hoje não foi feita.

As democracias morrem porque não entregam o que prometem

BdF RS – Esta questão da dívida não tinha que ser o eixo da campanha pelo governo gaúcho?

Zaneti – Tem um livro famoso chamado Como as democracias morrem. Escrevi um texto chamado Porque as democracias morrem. Elas morrem porque não entregam o que prometem. Faz (o candidato) um discurso de campanha e vai pro poder sem cumprir. Uns de boa fé e outros não.

A alegria deste cidadão aqui de 79 anos é que seis candidatos a governador se posicionaram a favor da ação (da dívida) que ainda tramita no STF e que não sei qual vai ser seu destino já que seu credor principal, o Rio Grande, abriu mão. Quando o Beto (Albuquerque) desistiu de ser candidato, quiseram que eu fosse. Disse não. Porque o PSB fez parte do governo Sartori, apoiou o Sartori e quando o Sartori perdeu a reeleição, no dia seguinte estava com o governo Leite.

BdF RS – Estamos em 2022. Quanto o estado pagará a cada ano até, por exemplo, 2030?

Zaneti – Não vai pagar. É inviável. O estado pagava R$ 280 milhões por mês! Se a dívida não tivesse sido suspensa, o Leite jamais poderia ter mantido as coisas em dia. O que ele vai fazer (caso eleito)? Vai vender o Banrisul e todo o resto. O estado vai ficar sem nenhum bem no seu ativo e com uma dívida cada vez maior. É uma tragédia. A União exigiu isso (que o estado abrisse mão da via judicial) porque ela sabe que pode perder a ação...

Somos uma república federativa mas a União cassou a autonomia dos estados. Esse Regime de Recuperação Fiscal (adotado pelo governo Leite) vai ser regido por três membros indicados pela União!

No Brasil, o sistema produtivo trabalha para o sistema financeiro

BdF RS – O subtítulo de O Complô é Como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira. De que modo a hegemonia do rentismo prejudica o Brasil, especialmente a grande maioria que depende exclusivamente de sua força de trabalho para sobreviver?

Zaneti – O que é o rentismo? É quando o dinheiro serve para render dinheiro e não para produzir bem estar para o povo.

BdF RS – Para render dinheiro para quem tem dinheiro...

Zaneti – Para 1% da população brasileira. O sistema produtivo brasileiro trabalha para o sistema financeiro. O Brasil conseguiu inverter a razão de ser do sistema financeiro. É razoável que o sistema financeiro – como discutimos da Constituição de 1988 - seja um veículo de estímulo, um motor de suporte para o produtivo. Aqui, o sistema produtivo trabalha para o financeiro.


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Edição: Marcelo Ferreira