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Fórum Local da Reforma Urbana estabelece ponte entre a academia e os movimentos sociais

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Nos dias 18 e 19 de agosto de 2022 aconteceu em Porto Alegre o Fórum Local da Reforma Urbana e Direito à Cidade, no auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS - Divulgação
Momento de emulação das nossas energias intelectuais a presença e participação da sociedade

Nos dias 18 e 19 de agosto de 2022 aconteceu em Porto Alegre o Fórum Local da Reforma Urbana e Direito à Cidade, no auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS e também pelo YouTube do Observatório das Metrópoles.

O evento, que contou com apoio financeiro da FAPERGS e de programas de pós-graduação da UFRGS, ocorreu como uma das atividades previstas no projeto Reforma Urbana e o Direito à Cidade do Observatório das Metrópoles Nacional (INCT), ao mesmo tempo em que se anunciam novos rumos para o projeto dos próximos quatro anos. O resultado, além do Fórum, será a publicação de um livro sobre a temática da reforma urbana, a exemplo do que está ocorrendo em outros 16 núcleos da rede nacional.

Foram dias revigorantes, cheios de trocas de experiências, seja na interação com outros núcleos do Observatório, seja com as contribuições dos nossos colegas latino-americanos (Chile e Uruguai). Também pela forte presença de movimentos e organizações sociais da nossa metrópole, compartilhando suas vivências, violências e conflitos contra os quais resistem cotidianamente e suas expectativas sobre o futuro da cidade de Porto Alegre nesta investida ultraliberal.

O evento iniciou com a fala do coordenador nacional do OM, Luiz Cesar Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ), junto com a coordenadora do Núcleo Porto Alegre, Vanessa Marx e Luciano Fedozzi, ambos do PPGS/UFRGS. Luiz Cesar situou a importância de discutirmos a realidade das metrópoles no atual contexto político e econômico do país, com forte orientação neoliberal e, principalmente, após 2016, com os recorrentes ataques à democracia, aprofundados pela necropolítica de Bolsonaro e pela pandemia da covid-19. Redes de pesquisa, como o OM, tornam-se fundamentais para descortinar ações e ameaças à sobrevivência da população que habita (quando habita) em péssimas condições nas grandes cidades, negligenciando a vida no seu sentido mais básico.


O evento contou com a participação do coordenador nacional do OM, Luiz Cesar Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ) / Divulgação

A primeira mesa foi intitulada “Porto Alegre e a Implementação do Projeto Neoliberal”, e contou com a participação de Betânia Alfonsin (IBDU), Karla Moroso (Fórum do IV Distrito); Jacqueline Custódio (Cais Mauá Para Todos); Felisberto Seabra Luisi (ATUAPOA e Conselheiro da RP-1 do CMDUA); e José Renato Barcelos (Movimento de Justiça e Direitos Humanos e AGAPAN).

O conjunto de integrantes da mesa revelou o potencial de resistência das propostas do campo da reforma urbana que constituem as principais lutas urbanas em Porto Alegre em resposta às propostas pró-mercado, muitas vezes encampadas pela Prefeitura Municipal, sobretudo no atual governo de Sebastião Melo (MDB). Karla Moroso lembrou que não se trata apenas de acesso à moradia, mas de sobrevivência à dura realidade de fome e sede pela qual passam os pobres na capital gaúcha.

A segunda mesa abordou “Como estão as desigualdades e o bem-estar urbano?” sob coordenação de Judite de Bem (PPG-MSBC/UNILASSALE) e Daiane Boelhouwer Menezes (DEE/RS). Foram convidadas pesquisadoras dos núcleos São Paulo (Camila D’Ottaviano – FAU/USP) e Paraíba (Livia Miranda - UFCG). Enxergamo-nos em outras realidades e vimos também experiências distintas em escalas muito diferentes da que vivemos.

A terceira mesa, coordenada por Luciano Fedozzi e André Augustin (DEE/RS), com o título “Como e para quem se governa: coalizão dominante do regime urbano, financiamento eleitoral, participação social e a democracia local”, contou com as participações de Jupira Mendonça (UFMG), do núcleo BH, e Charles Voos (UNIVALI-Joinville). Destacou-se a discussão sobre formação da atual coalizão de tipo empreendedorista no desenvolvimento urbano e seus principais atores. André Augustin apresentou dados do financiamento eleitoral privado dos atores políticos que governam a cidade. Abordou-se também o processo de diminuição e esvaziamento da participação social dos atores populares nas instâncias institucionais da gestão pública como parte correlata da implementação do modelo neoliberal da gestão urbana.

À noite, foi a vez de nos conectarmos com as lutas urbanas da América Latina na roda de conversa intitulada “Experiências latino-americanas contemporâneas em reforma urbana” e coordenada por Paulo Soares e Vanessa Marx. Os convidados, Marcelo Pérez Sánchez (UDELAR, Uruguai) e Álex Paulsen Espinoza (Fundación Feman-Ukamau e Universidad Bernardo O´Higgins, Santiago de Chile), trataram de temas importantes, sobretudo quanto à extensão universitária como instrumento de aproximação das universidades aos espaços precarizados da cidade e no trabalho com atores sociais a partir da pesquisa-ação e sobre o processo de disputas e conflitos existentes nas cidades latino-americanas.

Movimentos sociais apresentam dificuldades

O segundo dia foi marcado pela presença de vários movimentos sociais, que, com a parceria dos/as pesquisadores/as Lucimar Siqueira, Karla Moroso e Maurício Polidoro, refletiram e apontaram as principais dificuldades que encontram na luta pela permanência de seus territórios e as estratégias de resistência às tentativas frequentes, muitas vezes com violência física, de silenciamento de suas vozes e imobilização de suas ações pelo poder público. Esclarecedor e didático para o meio acadêmico, que, logo no início da manhã foi envolvido pelos odores das ervas aromáticas trazidas por Dona Lurdes, moradora da Lomba do Pinheiro e uma das principais militantes das hortas urbanas em Porto Alegre.


No segundo dia, foram apresentadas as ervas aromáticas trazidas por Dona Lurdes, moradora da Lomba do Pinheiro e uma das principais militantes das hortas urbanas em Porto Alegre / Divulgação

Foi uma manhã emocionante, com relatos de representantes das seguintes organizações e movimentos sociais, a quem somos imensamente gratos: Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea-RS), Conselho Municipal de Segurança, Periferia Viva – Porto Alegre; Fórum de Agricultura Urbana e Periurbana de Porto Alegre (Fórum das Hortas); Univens; MTST - Cozinha Solidária da Azenha; Grupo Cuidado Que Mancha; Preserva Arado e Mulheres Mirabal.

O encerramento do Fórum Local possibilitou ainda a manifestação de outros participantes do evento e da comunidade universitária, que reforçaram a relevância em manter a discussão sempre aberta sobre a forma de planejar e governar as grandes cidades. Tal como afirmou nosso coordenador nacional, Luiz Cesar Queiroz Ribeiro, o evento foi um “momento de emulação das nossas energias intelectuais a presença e participação de lideranças e entidades da sociedade”. Como afirmou a colega Betânia Alfonsin, foi um “momento instituinte do Direito à Cidade como experiência de criatividade, insurgências e renovação da nossa crença na cidade como obra emancipatória dos nossos desejos”.

Foi um virtuoso momento de discussões, reflexões, denúncias, mas também de trocas, afetos e esperança. Uma importante ponte entre a academia e os movimentos sociais. Tão relevante neste momento em que ambos se encontram sob ataque de setores conservadores e reacionários. Um fórum de reflexões sobre o papel de metrópoles e cidades, e daqueles que as constroem e habitam, na reconstrução de um projeto de nação de todas e todos.

* Heleniza Ávila Campos e Vanessa Marx, Núcleo Porto Alegre

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko