Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Mais vale o que será: as eleições como ferramenta de mobilização

“Não estamos perdidos. Pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender”, Rosa Luxemburgo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Lula nos empresta sua credibilidade, sua referência e sua história, levando multidões às ruas por onde passa, porém cabe a nós (organizações, movimentos, partidos) receber o bastão ao fim da campanha, e não sair das ruas." Na foto, comício de Florianópolis (SC) - Ricardo Stuckert

Aos treze (13) dias da eleição presidencial mais importante desde a redemocratização, a militância das causas populares se encontra em um momento em que é difícil fazer grandes reflexões ou de conceber o futuro que nos aguarda. Porém, existem situações já colocadas desde muito tempo pelo conjunto dos movimentos sociais, que influenciam diretamente (e cada dia conta) para a situação que queremos construir a partir do dia 2 de Outubro.

Mais do que uma posição de condução de parte da estrutura jurídico-política do Estado, essa eleição constitui uma encruzilhada, no ponto nevrálgico de qualquer atuação estratégica junto ao povo, que é a possibilidade de incidir, também, na correlação de forças da sociedade: a tão sonhada virada de mesa, depois do golpe de 2016.

A correlação de forças é o termômetro da disputa entre os instrumentos de propagação e agitação das ideias das vanguardas de classe (trabalhadora e burguesa) na disputa da sociedade, inerente ao capitalismo.

Ainda que timidamente, a vanguarda da classe trabalhadora, representada pela coalizão que levou Lula à sua primeira vitória eleitoral em 2002, constituiu maioria suficiente na sociedade para conquistar um espaço de gestão na estrutura estatal/governamental. No entanto, não foi capaz de estabelecer uma hegemonia das ideias de esquerda na sociedade brasileira, mesmo porque esta não era a intenção majoritária do grupo que estabeleceu o programa de governo naquele momento.

Hegemonia para (Antonio) Gramsci é o conjunto dos mecanismos de coerção e fabricação de consensos de uma classe sobre outra, isto é, mais do que o aparato de coerção do Estado, a hegemonia se sustenta na medida em que faz com que pessoas defendam interesses conflitantes com seus interesses imediatos. Uma hegemonia da classe trabalhadora, porém, seria desenvolver as ferramentas de organização e comunicação a um ponto de tamanho profissionalismo que o programa revolucionário fosse amplamente discutido e referendado por uma determinada sociedade. Esse descompasso se dá porque após 15 anos (de 1980 a 1995) de adoção da “estratégia de pinça”, que dividia os esforços do Partido dos Trabalhadores entre a disputa dos aparelhos do Estado e a construção de força social através dos movimentos populares, o Partido se volta inteiramente às questões eleitorais, abandonando o que Gramsci chama de “Estado ampliado”.

Após quatro eleições vitoriosas, um ciclo de desenvolvimento social e econômico, e uma despreocupação com uma nova investida da classe dominante, que criou uma extrema-direita para ser sua tropa de choque, as organizações do campo social se viram em um cenário sem alternativas: os vínculos ideológicos com ferramentas e lideranças populares históricas havia se transformado em vínculo de fornecedor e usuários de políticas públicas, e o consequente descenso das lutas de massas nos isolou e dificultou nossa comunicação com os setores mais empobrecidos da classe, culminando na vitória de Bolsonaro em 2018.

Desde então: o aumento da violência política e o fortalecimento de uma política neoliberal ainda mais perversa que nos governos pré-Lula, que encurtou a vida de quase 700 mil compatriotas, e relegou mais de 30 milhões de pessoas à fome, recolocou a necessidade de articulação entre as pautas econômicas, políticas e ideológicas como fator de sobrevivência (física e das organizações). Isso, articulado com a soltura de Lula, sua liderança nas pesquisas e uma inundação de esperança nas ruas, nos trouxeram até aqui.

Com uma possível vitória em primeiro turno, capaz de frustrar aventuras golpistas, apresenta-se uma oportunidade e uma necessidade de retomada de mobilizações massivas. Nesta esteira, os comitês populares foram um importante movimento, de começar a retomar uma articulação de movimentos urbanos (comunitário, sindical e estudantil/educacional), tanto para eleger quanto para sustentar um provável terceiro governo Lula, e garantir a aplicação de um programa para a classe trabalhadora. Os comitês, que se espalharam pelo Brasil, serão as ferramentas que teremos para organizar e mobilizar os setores que estarão mais maduros e dispostos politicamente, oferecendo a política como alternativa à miséria da vida sob o capitalismo tardio.

A América Latina é o berço e deve ser o túmulo dessa nova fase do capitalismo. Aqui foi gestado não só o modelo de Estado neoliberal, mas também formas inovadoras de organização, articulação e combate a esse novo inimigo. O PSUV na Venezuela, o MAS na Bolívia, o MST no Brasil, a FSLN na Nicarágua são exemplos de organizações que conseguiram expandir seus canais de diálogo com a sociedade, através de um método experimentado de trabalho de base e uma leitura apurada da conjuntura. Em períodos eleitorais ou não, essas organizações se mantiveram presentes nos locais de estudo, trabalho e moradia, e também utilizaram as sínteses que as eleições proporcionam para tensionar as certezas de parcelas significativas da população. Apontar a contradição e pavimentar o caminho são as tarefas imediatas de qualquer militante em qualquer dado momento.

Não havendo espaço para hesitação: a organização, a formação e a luta serão as únicas armas que teremos para construir uma situação mais favorável aos nossos projetos. Lula nos empresta sua credibilidade, sua referência e sua história, levando multidões às ruas por onde passa, porém cabe a nós (organizações, movimentos, partidos) receber o bastão ao fim da campanha, e não sair das ruas, porque a extrema-direita não aceitará inerte o resultado da eleição, agora que colocaram suas garras de fora, e fará seu contra ataque mais cedo que tarde.

“Se muito vale o já feito, mais vale o que será

E o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir

Falo assim sem tristeza, falo por acreditar

Que é cobrando o que fomos que nós iremos crescer

Outros outubros virão

Outras manhãs, plenas de sol e de luz”

* Estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, militante do Levante Popular da Juventude e do Movimento Brasil Popular no RS.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko