Rio Grande do Sul

Coluna

Dissenso e consenso forçado nas Forças Armadas

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"Pautas que pavimentam o caminho para o bolsonarismo e o fascismo cooptarem grande apoio entre os militares, incluindo a base das Forças Armadas e polícias militares" - Reprodução
Não há unanimidade no alinhamento com o bolsonarismo nas Forças Armadas brasileiras

A jornalista Miriam Leitão publicou em sua coluna no jornal O Globo a informação de que o Contra-Almirante da Marinha do Brasil, reformado, Antonio Nigro foi vítima de um Processo Disciplinar Militar. As razões da investigação de cunho repressivo são as opiniões que o Almirante expos em seu programa na Globo News.

Segundo a jornalista as declarações que motivaram o processo foram “os militares sabem que não entraram nas escolas navais, ou nas academias militares, para serem fiscais de eleições ou exercerem qualquer outra atividade policial” e “ocorreu a partidarização das Forças Armadas, e essa partidarização se expressa por quem foi convidado para exercer cargo político na chefia do Ministério da Defesa”.

A comparação com outros episódios onde militares do alto oficialato, inclusive da ativa, não deixa dúvida da seletividade política do processo e de sua motivação. Qual seja, exatamente constranger, censurar e reprimir qualquer eventual manifestação, de oficiais generais em especial, que demonstre não haver unanimidade no alinhamento com o bolsonarismo nas Forças Armadas brasileiras.

A própria Miriam Leitão nos lembra do caso do General de Exército, da ativa, Eduardo Pazzuello que teve participação pública em defesa da candidatura de Bolsonaro. O ex-ministro da Saúde, ao contrário de ser investigado e punido pelo flagrante desrespeito às regras de conduta dos militares, foi agraciado com 100 anos de sigilo sobre suas atividades políticas, inclusive no Ministério da Saúde durante o desastre sanitário da Covid-19. Notoriamente dois pesos e duas medidas.

As ideias de extrema direita se tornaram majoritárias entre os oficiais generais das Forças Armadas que se pronunciam publicamente. Através da prerrogativa de que oficiais reformados não estão sujeitos às mesmas regras dos militares da ativa e da reserva - o que exatamente chama a atenção no caso do Almirante Nigro – vários desses oficiais de alta patente se movimentam em círculos públicos produzindo conteúdo revisionista sobre a ditadura militar e o golpe de 1964, revitalizando obscuras e abstratas teses contrárias ao comunismo e ao perigo comunista.

Pautas que pavimentam o caminho para o bolsonarismo e o fascismo cooptarem grande apoio entre os militares, incluindo a base das Forças Armadas e polícias militares. O resultado é que podemos identificar uma importante adesão desses setores às pautas bolsonaristas, inclusive com militares assumindo posições políticas de peso no governo de Jair Bolsonaro. Sugiro a leitura do artigo de Paulo Flores, em Democracia e Direitos Fundamentais, que demonstra o circuito desta adesão.

O episódio da censura ao Almirante Nigro evidencia dois aspectos que precisam ser observados de um ponto de vista da restauração democrática plena no país. As declarações durante a entrevista, sinalizam que há dissenso nas Forças Armadas no que diz respeito as visões antidemocráticas. Demonstram também a que ponto de impunidade chegaram os membros da cúpula bolsonarista entre os militares.

Em um sólido artigo publicado na revista eletrônica Democracia e Direitos Fundamentais Juliano Cortinhas e Lucas P. Rezende demonstram que a dura realidade imposta pela política de Bolsonaro e a participação dos militares em seu governo “contribuiu para desconstruir a ideia de que os militares brasileiros haviam se afastado da política nacional e passado a respeitar os cidadãos e as instituições democráticas”.

Será preciso estabelecer um pacto com os setores constitucionalistas e democráticos do alto oficialato das Forças Armadas para reestabelecer uma política de reconstrução do papel dos militares na sociedade brasileira. As Forças Armadas demonstraram, a despeito de muito das posições de seus generais e da frequência com que isto se revela, que podem contribuir para o desenvolvimento econômico e a soberania nacional. Seja na inovação tecnológica, na reindustrialização pesada ou mesmo nas funções próprias e singulares de defesa. Contudo, os conceitos e a visão de mundo que ainda sobrevivem nas academias militares, sob muitos aspectos fantasiosa e anacrônica, precisa ser revista e modernizada.

As Forças Armadas são importantes agências de socialização política da sociedade e da juventude trabalhadora brasileira. Esta socialização precisa se dar sob bases democráticas, iluministas e nacionais.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko