Rio Grande do Sul

Violência

Deputado bolsonarista diz que estudantes merecem ser "queimados vivos"

Fala brutal de Bibo Nunes (PL/RS) sobre morte de alunos na cidade da tragédia da boate Kiss causa revolta geral

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Procuradores do MPF abriram investigação sobre as declarações do deputado federal do PL/RS - Bruno Peres

A declaração do deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PL/RS) nas redes sociais contra os estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) afirmando que eles mereceriam ser “queimados vivos” está provocando indignação generalizada e deve lhe render também processos.

A fala foi postada no dia 9 deste mês mas somente denunciada agora. A punição seria “merecida”, segundo ele, por conta dos protestos estudantis contra os cortes promovidos pelo governo Bolsonaro nas verbas destinadas ao funcionamento das universidades federais. Os ataques também visaram os alunos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Uma denúncia foi encaminhada hoje (21) ao Ministério Público Federal, em Porto Alegre. Também em Santa Maria, procuradores do MPF abriram investigação sobre as declarações

No vídeo, Alcíbio Nunes – que usa o apelido Bibo – cita o filme Tropa de Elite: "Pegaram aqueles coitadinhos, aqueles riquinhos... queimaram vivos dentro de pneus. É isso que esses estudantes alienados, filhos de papai que tem grana, merecem”.

     

“Vocês têm que viver no lixo, no esgoto”

Ainda classifica os alunos como “inúteis”, dizendo que “trabalhar, ir à luta, estudar pra vencer na vida, isso esses estudantes da Universidade Federal de Santa Maria nunca fizeram e nunca farão”. Acusa-os de serem “alienados” e dependentes “do papai e da mamãe”. Afirma que se o Brasil dependesse “desse tipo de jovem, seria um caos, seria o país mais fracassado do mundo”. Acha que os estudantes que protestaram são usuários de drogas. “Vai lá comprar maconha, cocaína do traficante que trafica armas para dar para bandidos, esses são os alunos de Santa Maria que foram protestar”. E prossegue: “Vocês são a vergonha, a escória do mundo, vocês têm que viver no lixo, no esgoto, porque vocês produzem nada, vocês são uns coitados, uns miseráveis. Vocês são parasitas”.

A agressão à UFSM e aos seus estudantes conflita com a posição da universidade no ranking da Times Higher Education (THE). Na listagem, a UFSM aparece como a 13ª melhor instituição de ensino superior do Brasil. Entre outras pesquisas, seus alunos trabalham atualmente em quatro estudos de testes de imunizantes. São dois contra a covid-19, um para o vírus sincicial respiratório e um quarto contra a dengue, que atualmente não possui vacina. Também agredida, a UFPel ocupa a 18ª posição entre as universidades brasileiras e a 29ª de toda a América Latina.

A violência da declaração remeteu imediatamente ao incêndio da boate Kiss, no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. Lá, morreram 242 pessoas, grande parte das quais estudantes da UFSM. 

“Fracasso subiu à cabeça”

A declaração chocou o Rio Grande do Sul.

A reitoria da UFSM reagiu dizendo que “repudia todo e qualquer discurso de ódio, de falta de civilidade”. Agrega que “nossos estudantes são nosso maior patrimônio”. Registra que “toda vez que um estudante ou um servidor público da área da educação for atacado e/ou desqualificado, nos ergueremos em defesa da nossa comunidade e da nossa instituição, que é de Estado e não de um governo”. 

No jornal Zero Hora, a colunista Rosane de Oliveira, habitualmente comedida em suas ponderações, foi irônica ao escrever que “o fracasso nas eleições subiu à cabeça do deputado”. Bibo Nunes não foi reeleito.

“Ameaça com morte e tortura”

O ex-reitor da UFSM, Paulo Burmann, mostrou-se indignado. “Triste ver esse injusto e covarde ataque”, postou. “Ofendeu e desqualificou estudantes e suas famílias que se manifestaram pacificamente contra os cortes que vêm sendo feitos na educação, na saúde e na ciência para alimentar o Orçamento Secreto que, entre outras coisas, impossibilita que eles continuem seus estudos e que a ciência avance", acentuou. Ele (o deputado) “é agressivo o tempo todo, mas chega ao absurdo de intimidar jovens estudantes, inclusive ameaçando-os com morte e tortura".

Nota da gestão da UFPel afirma que o vídeo evidencia “uma pessoa rancorosa, desequilibrada, desconhecedora do que é uma universidade pública”. Afirma que “desejar que estudantes morram queimados é algo torpe e vil. Tivesse o parlamentar a mínima sensibilidade, recordaria da trágica passagem que até hoje marca o povo santamariense e a comunidade acadêmica da UFSM”. 

“Perverso, cruel, torpe”

A deputada Fernanda Melchiona (PSOL) descreveu Bibo como “o quase ex-deputado”, definindo-o como “a expressão caricata e fracassada da extrema direita”. Criticou a fala por sugerir que “os estudantes de Santa Maria, que lutam em defesa da educação pública, morram queimados vivos”. E “na cidade da tragédia da boate Kiss!”, acrescentou. “Merece ser responsabilizado civil e criminalmente!”

“É perverso, cruel, torpe”, apontou sua colega Maria do Rosário (PT/RS). “Ele fala isso inclusive numa cidade onde uma tragédia (da boate Kiss), das maiores que o Brasil já viveu, vitimou estudantes. Mais da metade das pessoas naquela tragédia que morreram eram estudantes da UFSM”, escreveu a deputada.

A vereadora de Porto Alegre e deputada federal eleita Daiana Santos (PCdoB) declarou que o deputado “aproveita os seus últimos momentos de imunidade parlamentar para realizar ataques criminosos contra estudantes das universidades públicas”.

“Querem sensacionalismo”

Em nota, a bancada federal do PSOL adianta que também denunciará o bolsonarista ao MPF e ainda ao Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. “É inadmissível fazer uma ameaça sórdida de que os estudantes da UFSM deveriam ser queimados vivos, ainda mais na cidade que sofreu a tragédia da boate Kiss”, salientou a líder da bancada, Sâmia Bomfim (PSOL/SP).
      
Correndo atrás do prejuízo, Bibo disse ser “impressionante como deturpam e querem sensacionalismo”. Alegou que misturaram o que ele falou do filme Tropa de Elite e disse não estar louco “para desejar algo assim”. Mesmo assim, pediu desculpas.

É o segundo fato negativo nos últimos dias para o Rio Grande do Sul, cuja imagem já havia sofrido grande desgaste devido aos ataques racistas da plateia branca do Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, ao cantor, compositor e ator negro Seu Jorge, chamando-o de “negro vagabundo” e humilhando-o com imitações do som gutural “Uh Uh Uh” de macacos.


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Edição: Marcelo Ferreira