Rio Grande do Sul

Memória

Diógenes Carvalho de Oliveira, parte um lutador do povo

Ex-guerrilheiro faleceu na madrugada desta sexta-feira (28), aos 79 anos, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em 21 de novembro de 2021, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania transmitiram o programa "Memórias do Exílio" - Reprodução

O dia amanheceu mais triste nesta sexta-feira (28). Às 5h, partiu Diógenes Carvalho de Oliveira, com broncopneumonia consequência de neoplasia maligna do olho e anexos. Deixa dois filhos, Rodrigo e Guilherme Oliveira, jornalista da TVT. O velório será neste sábado (29), no Salão Nobre do Jardim da Paz, a partir das 10h até as 16h30, e o sepultamento às 17h.

Autor do prefácio da sua biografia, “Diógenes, o guerrilheiro”, Frei Sérgio Görgen ainda esteve com o amigo na noite de ontem. “Um lutador de três continentes, um ser humano admirável, um gigante nas lutas do povo. Preservemos sua memória”, saudou.


Trecho do prefácio da biografia de Diógenes escrito por Frei Sérgio Görgen / Reprodução

João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também se manifestou em seu Twitter: “Hoje, eu e o Movimento perdemos um grande camarada, o companheiro Diógenes de Oliveira. Nossa solidariedade aos amigos e familiares”.

Em 21 de novembro de 2021, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania transmitiram o programa "Memórias do Exílio", onde Diógenes de Oliveira e Ubiratan de Souza compartilham suas memórias, intercalando histórias sobre os países em que viveram enquanto exilados.

 

Quem foi Diógenes José Carvalho De Oliveira

Diógenes nasceu em 1942 em Júlio Castilhos, interior do Rio Grande do Sul, em um distrito chamado Cerrito. Neste local existiu uma Redução Jesuítica chamada Nossa Senhora da Natividade, onde indígenas tentavam resistir a escravatura dos bandeirantes paulistas. Filho e neto de maragatos, Diógenes aprendeu a ler soletrando o jornal Estado do Rio Grande editado pelo Partido Libertador.

Aos 17 anos vai para Porto Alegre, onde conhece a poetiza Lila Ripoll e se engaja no Partido Comunista Brasileiro. Em 1961, participa ativamente do Movimento da Legalidade onde ajudou na distribuição de armas para o povo no histórico Prédio do Mata Borrão. Sua primeira profissão foi a de bancário no Sul Banco, onde se tornou um ativista do sindicato da categoria.

Participou da greve de 1963 e representou o sindicato em um congresso de bancários em Salvador, na Bahia, para onde viajou com outros sindicalistas de ônibus. Em 1964, passa no concurso para o Banco do Brasil e para a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), onde vai trabalhar como escriturário.

Na condição de eletricitário, participou como sindicalista da resistência ao golpe civil-militar que acabou por se efetuar no dia 1º de abril. Perseguido, Diógenes foi para o exílio em Montevidéu, onde militou, dirigido por Leonel Brizola, no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR).

Suas principais tarefas eram entrar clandestino no Brasil para distribuir o jornal da organização O Panfleto. Em 1966, é enviado por Brizola para Cuba para fazer treinamento militar de guerrilha. Participa de reuniões de criação OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), organização fundada pelo então senador Salvador Allende.

Participação na luta armada contra a ditadura

Durante o treinamento em Sierra Maestra, Diógenes escalou o Pico Turquino e conheceu Ernesto Che Guevara. Com a morte de Che, Brizola abandona a linha do foco guerrilheiro e Diógenes vai para São Paulo, onde junto com Onofre Pinto e outros militares e operários remanescentes do MNR fundam a Vanguarda Popular Revolucionária. Adotou o codinome Luís, também Leandro, e, após experiência no campo frustrada pela falta de recursos, é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da luta armada urbana, com assaltos a bancos para angariar fundos para a revolução.

Na VPR, além de dar cursos sobre explosivos na clandestinidade para estudantes que participavam da luta armada, como exímio atirador ele participava das ações armadas como comandante militar da organização. Participou da expropriação de armas do Hospital Militar do Cambuci, em 1968, substituindo o sentinela que havia sido rendido pelos guerrilheiros. Também participou do grupo de execução do capitão do Exército dos EUA Charles Chandler, que ensinava técnicas de tortura às forças de repressão paulistas, em 12 de outubro do mesmo ano.

Comandou o grupo que assaltou a loja de armas Diana, a maior do ramo em São Paulo na época. Participou de treinamentos de tiro com o então capitão Carlos Lamarca, no quartel de Quitaúna, em São Paulo, sendo um dos responsáveis pela adesão do capitão à luta armada.

Diógenes também comandou o bombardeamento do quartel-general do II Exército em 26 de junho de 1968, após uma provocação do comandante, general Manoel Rodrigues Carvalho de Lisboa, sobre o ataque anterior ao Hospital do Cambuci, onde um caminhão carregado de explosivos foi lançado contra a entrada do quartel, matando o soldado Mário Kozel Filho e ferindo diversos militares. Participou da explosão ao jornal o Estado de São Paulo. Os explosivos eram oriundos de expropriações realizadas nas pedreiras da periferia de São Paulo, como a Cajamar. Comandou e participou na linha de frente de diversos assaltos a bancos.

Prisão e tortura no DOPS em São Paulo

Foi preso em 10 de fevereiro de 1969 na Praça da Árvore, no Bairro Santo Amaro, em São Paulo. Levado inicialmente para o quartel da Polícia do Exército em São Paulo, foi torturado barbaramente durante uma semana, pois sabia onde estava Lamarca. Nunca entregou ninguém. Daí foi transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no Largo General Osório, no centro de São Paulo, onde ficou preso durante alguns meses. Sua cela, hoje, faz parte do museu da Resistência.


Diógenes foi preso em 10 de fevereiro de 1969 na Praça da Árvore, no Bairro Santo Amaro, em São Paulo / Arquivo pessoal

Após o DOPS, continuou preso no Presídio Tiradentes, junto com Frei Betto, Frei Fernando e Frei Tito e vários outros presos políticos. Daí foi transferido para a penitenciária do Carandiru, onde ficou numa solitária durante seis meses. Do corredor da morte, foi chamado de volta ao DOPS, onde foi comunicado que seria enviado para o México em troca do cônsul japonês de São Paulo que havia sido sequestrado pela VPR.

O exílio e o encontro com a mãe de seus filhos

Diógenes deixou a prisão no começo de 1970, pouco antes da Copa do Mundo do México, banido do país com mais quatro presos políticos em troca da libertação do cônsul do Japão. No exílio, com sua companheira, também banida, Dulce de Souza Maia, primeiramente para o México, Diógenes passou por Cuba, Coréia do Norte, Chile, Bélgica e Portugal, durante a Revolução dos Cravos, em 1974.

Seu último refúgio como expatriado foi em Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa na África, onde residiu durante oito anos e foi responsável pelo primeiro recenseamento desse país e sendo membro ativo do governo revolucionário.  Lá conheceu a portuguesa Marilinda Marques Fernandes, mãe de seus dois filhos Rodrigo e Guilherme.


Mesmo aos 79 anos, Diógenes se mantinha ativo na militância / Arquivo pessoal

Retorno ao Brasil e a construção do PT

Ao retornar ao Brasil, recomeçou sua vida sempre ligado à política. Trabalhou no mandato do vereador Valneri Antunes. Se engajou na construção do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, onde chegou a ser candidato a vereador. Em 1990, foi secretário dos Transportes em uma das primeiras prefeituras de capital do PT, com Olívio Dutra à frente.

Logo depois do governo Olívio visitou a Líbia, na companhia de dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde foi recebido pelo coronel Mhuamar Kadafi.

Em 2001, foi vítima de um processo político, que visava destituir Olívio Dutra do governo do estado, muito similar ao que a presidenta Dilma sofreu alguns anos depois, quando a direita, por vias institucionais, tentou derrubar um governo popular. Após ser acusado de diversos delitos, Diógenes foi absolvido em todas as instâncias jurídicas. Em 2014, lançou sua biografia “Diógenes, O Guerrilheiro”.


"Tão imprevisto quanto Ubiratan de Souza e Diógenes de Oliveira estarem vivos, é os dois assistirem hoje no cinema o filme Marighella", registrou seu filho Guilherme / Arquivo pessoal


Diógenes e seu filho Guilherme Oliveira, no dia dos pais deste ano / Arquivo pessoal


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Edição: Marcelo Ferreira