Suportar o não, tão dolorido e constantemente imposto nas nossas existências é amadurecer

O título dessa crônica pode remeter a um lindo momento de um casal apaixonado onde um deles está de joelhos e o outro, surpreso, de pé. Mediante a demora em escutar o sim, as pessoas ao redor emocionadas e um pouco angustiadas com o constrangimento que pode ocorrer frente à uma negativa, batem palma e começam a gritar: aceita, aceita, aceita! É aquele famoso clichê do amor romântico tão vendido como ideal nos filmes da sessão da tarde…

Mas não, o filme que me refiro é de outra classificação: terror. Desavisados, eu e algumas amigas pensamos em viver a tarde do feriado de finados imersos em atividades culturais no centro de Porto Alegre. Uma passada nas exposições da Bienal, uma bisbilhotada na Feira do Livro. Seria um dia incrível. 

Enquanto procurávamos um local pra estacionar, consideramos estranho o movimento de uma grande onda de homens brancos de meia idade vestidos com as cores da bandeira nacional. A maioria amarrando a bandeira em torno do pescoço como crianças que brincam de super-heróis e erguendo o “Pixuleco” - boneco de plástico inflável que faz referência ao presidente Lula vestido de presidiário - como se estivessem brincando de espadas com o coleguinha durante o recreio. Seria cômico se não fosse trágico. A situação era caótica.

Centenas de pessoas em frente aos quartéis, vazios devido ao feriado, pedindo intervenção militar. Raiva, oração e revolta com as injustiças ocorridas na eleição. E não falo sobre o indiscriminado uso da máquina pública para que o atual presidente se mantivesse no poder, escutei queixas sobre a manipulação de urnas eletrônicas, menos inserções de propagandas de rádios e de decisões judiciais que impediram a propagação de “verdades sobre o PT”. E claro, bastaram poucos minutos para concluir que a crise também é estética. As cores da bandeira são lindas, na bandeira. Sem falar dos adereços que seriam muito propícios se fossem utilizados, com moderação, nos jogos da Copa do Mundo. 

Mas o auge de todo esse engano foi um senhor de meia idade, munido de uma corneta. O mesmo atravessava a Feira do Livro, performando um militar e tocando de forma ensurdecedora. Ao caminhar, importunava aqueles que foram ao local com a legítima finalidade de comprar livros e não se candidatarem à banda marcial da 5ª série da escola. Ao ser chamada a sua atenção, o mesmo retorna enfurecido e esbraveja em alto e bom som: “quando a filha de vocês for estuprada, vocês vão ver!”. Estarrecidos ficamos com o absurdo dito. A partir de então formou-se uma pequena multidão que começa a gritar: aceita, aceita, aceita! 

Não foram gritos de ofensa, não foram contraposições as afirmações delirantes daquele pobre homem capturado por uma narrativa falha e brochável. Foi um pedido de aceitação. O mesmo que se faz à uma criança que deitada no chão do supermercado esperneia após ter escutado um não. 

Viver implica perder. Se deparar com a castração de que não podemos ter tudo o que queremos. Perder dói. Seja um emprego, um familiar por morte natural ou por uma terrível gestão da pandemia, um amor ou um ideal. Mas sabemos que a vida é um jogo com uma enxurrada de regras implícitas e explícitas. Suportar o não, tão dolorido e constantemente imposto nas nossas existências é amadurecer. O chão frio do supermercado é o local da pequena criança que ainda precisa aprender a viver em sociedade. Chegou a temida hora por muitos do “aceita que dói menos”.

Não é sobre um sim para um casamento com promessas de felicidade eterna, mas um sim frente ao comprimento das regras que sustentam o processo democrático, que amparam e organizam a vida em sociedade. Criar uma narrativa paranoica com o objetivo de afastar a angústia frente à derrota só atrasa o processo de elaboração do luto.

É hora de aceitar, pelo bem ou pela lei. Ou você se levanta sozinho do chão, limpa as calças sujas, respira fundo e lida com a frustração de não ter ganhado o brinquedo desejado, ou você será erguido pelo braço e a conversa se tornará mais séria e com consequências. Bem, parece que o caminho mais fácil é aceitar, não é?!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko