Rio Grande do Sul

Coluna

Sobre a Copa do Mundo e nós, LGBTs

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"A própria escolha da realização da Copa do Mundo no Qatar desvela a homofobia estrutural em que o mundo está afogado" - Foto: Getty | Ben Hoskins
A luta é diária, nossa forma de ser e existir está em constante ameaça

Para muitos a luta LGBT terminou lá no Mês do Orgulho, em junho, mas é essencial uma conscientização social de que a forma com que vivemos é constantemente atacada dia após dia. Seja por religiosos, conservadores ou sujeitos que não aceitam sua própria orientação sexual fora da norma heterossexual e atacam os que tiveram a coragem de mostrar o rosto e assumir que não pertencem ao recorte normativo que a sociedade impõe, em resumo, os enrustidos. 

A própria escolha da realização da Copa do Mundo no Qatar desvela a homofobia estrutural em que o mundo está afogado. O país peninsular árabe proíbe relacionamentos homoafetivos e prevê, como pena máxima, até o apedrejamento. Mas para a Fifa, essa questão parece de pouca importância. 

Mesmo que no artigo 3 do estatuto da Federação Internacional de Futebol esteja prevista a punição de todo e qualquer preconceito, incluindo a orientação sexual, a entidade tem evitado se manifestar sobre a LGBTfobia do país sede. Inclusive proibindo o uso de braçadeiras em apoio a comunidade LGBT, o que por si só já é uma posição. 

Nós, LGBTs, mesmo em nossas singularidades, convergimos num mesmo ponto: fomos e continuamos sendo constantemente violentados em nossa existência. Vozes caladas, controles de corpos, constantes tentativas de silenciamento de desejos.

Vivemos numa sociedade heteronormativa. Tudo que não existir dentro dos padrões ideais do gênero feminino e masculino deve ser extirpado, removido, endireitado.

Crescemos deslocados. As famílias nos criaram em berços de intolerância. Fomos invadidos pelos críticos olhares dos nossos cuidadores. Intervenções corretivas: meninos não fazem isso, meninas não fazem aquilo. Fomos moldados a partir de vários nãos. Para nos sentirmos amados, muitas vezes apagamos nossa espontaneidade. Em nome do amor paternal fomos sufocados. “Era pra nos proteger”.

Para nós, a escola não era um espaço de desenvolvimento, mas de constrangimento. Agressões gratuitas, físicas ou psicológicas. Educadores despreparados, pais cobertos de razão, crianças reprodutoras de falas violentas.

O discurso religioso nunca nos prometeu o suposto paraíso. Sempre fomos apontados como representantes de todo o mal, aqueles que caíram na tentação de existir à margem do desejo de algum criador, somos os que destroem a existência do outro por apenas existir de outra maneira.

Em 2018 sofremos mais um golpe. A autoridade máxima do Executivo brasileiro foi eleita apesar de (ou a partir de) frases como “Seria incapaz de amar um filho homossexual”, “O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele” e “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”.

O Estado não nos protege, o Legislativo não legisla a nosso favor. As pequenas conquistas que tivemos vieram através de decisões do STF, e que muitos conservadores retrógrados ainda consideram autoritárias.

A luta é diária, nossa forma de ser e existir está em constante ameaça. Precisamos reafirmar nosso espaço, resistir, ocupar de forma legítima as diferentes estruturas sociais. Mesmo tão machucados, que juntos consigamos transformar luto em verbo, todos os meses, inclusive em época de Copa do Mundo. 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko