Rio Grande do Sul

Vida das Mulheres

A menos de um mês para encerrar 2022, RS registra 100 feminicídios 

Na última quinta-feira (9), Levante Feminista promoveu uma roda de conversa para debater violência contra as mulheres

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Encontro contou com a participação de 70 mulheres e alguns homens no Auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre - Foto: Katia Marko

“Eu com oito, nove anos, já tive contato com caso de feminicídio na família. A minha tia foi assassinada pelo ex-namorado dela. Mexe bastante com a gente e nos faz pensar eventos como esse. Parabéns por ter tantas mulheres que lutam para que esse tipo de coisa pare de acontecer”, declarou uma das participantes do debate realizado pelo Levante Feminista contra o Feminicídio do RS, “Mortas, mas não esquecidas. Elas poderiam estar vivas?”, realizado na última quinta-feira (9).

O encontro que contou com a participação de 70 mulheres e alguns homens, trouxe depoimentos de familiares e amigas de vítimas de feminicídios, e de sobreviventes. Na ocasião foi divulgada a atualização do Dossiê: Feminicídios no Rio Grande do Sul. 

Com média de quatro mulheres mortas por dia no Brasil por feminicídio, o país bate recorde de casos no primeiro semestre de 2022, conforme demonstra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em relação ao mesmo período no ano passado teve um aumento de 3,2% dos casos. Outra violência que teve alta foi o estupro de meninas e mulheres, com aumento de 12,5% em relação ao primeiro semestre de 2021.

No Rio Grande do Sul, os casos de feminicídios registrados de janeiro a novembro deste ano, já superam os registrados em 2022. Enquanto no ano passado foram 97 totais, até o momento o estado registra 100 mulheres mortas, de acordo com o Observatório Estadual de Segurança Pública do RS. 

“Ao mesmo tempo que as violências contra as mulheres e meninas aumentam no país o recurso destinado as políticas de enfrentamento à violência contra mulheres sofreu um corte no mesmo período. É urgente retomar e ampliar os recursos para a proteção das mulheres e meninas brasileiras”, destacam as integrantes do Levante Feminista. As participantes trouxeram relatos do machismo encontrado em seus respectivos ambientes de trabalho. O governo Bolsonaro cortou verba de ações para mulheres em até 99% no Orçamento de 2023.

“Internamente esses quatro anos foram muito difíceis para as mulheres dentro da instituição. Nós perdemos o pouco espaço que nós tínhamos. Com relação ao combate da violência contra a mulher na esfera interna, eu tenho me empenhado bastante nessa área. Eu acho que como todas nós somos ou fomos vítimas de algum tipo de violência, seja institucional, doméstica, não escapamos, nenhuma de nós escapa”, afirmou Ana Cristina, policial rodoviária federal, formada em Letras, integrante do grupo de estudo em violência de gênero da OAB/Santa Maria e do Fórum Municipal de Enfrentamento a Violência contra a Mulher. 

Com mais de duas horas, o debate contou com a participação de diversas entidades do estado, e também relatos sobre violência de gênero em suas mais diversas formas. 

‘Nós aprendemos a contar os feminicídios que não são contabilizados”

Em sua intervenção, a jornalista e uma das coordenadoras do Levante Feminista no RS, Télia Negrão destacou a aproximação das 100 vidas perdidas (na ocasião a Secretaria de Segurança Pública não havia divulgado os números do mês de novembro) e do alerta que o movimento vinha fazendo para essa realidade. Destacou os dois anos de existência do Levante e seu trabalho no acompanhamento dos feminicídios. 

“Esse para nós era aquele fantasma que se apontava lá na frente. Ao longo dos últimos dois anos que nos dedicamos a acompanhar cada morte de mulher no RS para tentar entender a circunstância daquela morte, o tamanho da dor produzida, dar vida para aquela mulher. Nós também aprendemos a contar. Nós descobrimos que há outras formas de se contar os feminicídios, os feminicídios que não são contabilizados e que nós aprendemos a descobrir e colocar na estatística antes que eles sejam contatos pela própria polícia”, pontuou. De acordo com o registro da Lupa Feminista desde o início deste ano até o dia 9 de dezembro, foram registrados 101 feminicídios. 

“Temos mais mulheres que no ano passado, mais mulheres que no ano anterior, mais mulheres do que sempre tivemos. E porque nós estamos diante de um conjunto de questões e problemas que nós identificamos, sistematizamos e colocamos naquilo que a gente chama Lupa Feminista e no Dossiê”, expôs. 


Dados da violência contra as mulheres no RS, 2022 / Fonte: SIP/PROCERGS

Sobrevivente de feminicídio, Promotora Legal de Canoas e integrante do Levante Feminista, Fabiane Lara relatou que o seu caso aconteceu quando ainda não havia a classificação do mesmo, em 2003. “Não vou entrar em detalhes porque não quero reviver isso. Contar a minha história é reviver cada momento de agonia que a gente vive. Mas a partir dessa perspectiva da qual eu me levanto para lutar para além da minha vida, para aquilo que eu quero para minha filha, a minha vizinha, as minhas amigas, tias, não sofram. Tu percebe para além daquilo que tu vive um acomodamento estrutural e muito bem colocado principalmente quando tem um recorte da mulher negra”, pontuou. 

“Eu morava na João de Barros, lá no fim de Niterói, não tinha asfalto na época. Quando eu pedi ajuda, quando eu estava sangrando, a polícia disse que não achou meu endereço. Mas a minha mãe achou, foi ela quem me salvou, que me levou para o hospital. E quando eles vão no hospital colher o meu depoimento eles dizem assim: vai para casa da tua mãe, esfria a cabeça já que tu já levou os pontos, sobreviveu e se tu realmente for se separar, ai tu faz um boletim de ocorrência”, relatou, destacando a mudança que a Lei Maria da Penha trouxe para a questão da violência contra a mulher. 


Dados da violência contra as mulheres no RS, 2021 / Fonte: SIP/PROCERGS

Debate reafirma a necessidade urgente da implementação de políticas públicas efetivas

“Esse debate foi fortalecido pela presença de candidatas/os eleitas/os e não eleitas/os, bem como pelas suas representações, que aderiram a nossa Campanha Eu Assumo o enfrentamento ao feminicídio, transfeminicídio e lesbocidio. Uma parceria importantíssima e que abre portas para ações efetivas”, afirmou a psicóloga, mestre em Psicologia, coordenadora da Lupa Feminista contra o Feminicídio, Thaís Pereira Siqueira.
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Ao comentar o crescimento dos casos de feminicídio, Thais afirmou que infelizmente foi confirmado o que a Campanha do Levante já vinha dizendo desde o lançamento do Dossiê, em maio. “Devido a frequência dos feminicídios, falta de orçamento e de políticas públicas em rede articuladas, nós afirmamos e temos alertado que esse ano, devido a esses três fatores o número de casos iria se igualar ao de 2021 e mesmo ultrapassar. O RS chegou a 100 feminicídios no ano e as tentativas saíram de 199 casos em outubro, para 243 em novembro. É um descaso inaceitável com a vida das mulheres”, frisou.

“Quando falamos em políticas efetivas, estamos falando de prevenção e enfrentamento. A prevenção é fundamental para que a atuação não ocorra somente depois que a violência já acontece, promovendo uma mudança que precisa ser cultural”, concluiu


Participantes do debate do Levante Feminista no Auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre / Reprodução Facebook

No Dossiê atualizado o Levante destaca 10 pontos que compõe a pauta do movimento, que são: 

1) Um política efetiva de enfrentamento, com políticas públicas de prevenção e atendimento, em rede. Orçamentos para financiar as políticas públicas. Capacitação dos serviços.
2) Aplicação das Diretrizes para Investigar, Processar e Julgar os Crimes Violentos de Mulheres com a Perspectiva de Gênero.
3) Maior transparência e publicidade dos julgamentos dos feminicídios tentados e consumados.
4) Aplicação dos indicadores de deficiência, raça e etnia, identidade de gênero e outros em todos os atendimento.
5) Adoção de medidas para a acessibilidade universal a todos os serviços.
6) Restabelecimento da linha telefônica gratuita.
7) Capacitação com perspectiva de gênero e interseccional para profissionais da rede.
8) Campanhas de informação, comunicação e educativas.
9) Rechaço à tentativa de permanente mascaramento dos feminicídios.
10) Restituição do papel do Centro de Referência Vânia Araújo Machado.

Confira aqui o Dossiê atualizado


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Edição: Katia Marko