Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Carta aberta ao presidente Lula

A cultura deverá assumir um papel estratégico na emancipação da consciência popular

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"A cultura não pode ficar restrita somente às artes, pois ela está presente nas memórias, nas paisagens, nas línguas, nos alimentos etc., e o Brasil não pode perder a oportunidade de cumprir com o seu papel estratégico no continente" - Ricardo Stuckert

Somos uma rede de artistas, produtores, mestres populares, pesquisadores e coletivos culturais do Brasil e do exterior, organizada em núcleos autônomos para elaboração de políticas públicas municipais, estaduais e nacionais, e para promover a integração cultural entre os povos. Também realizamos as Movidas Culturales durante edições do Fórum Social Mundial junto com outras redes e coletivos que realizam atividades semelhantes às nossas em diferentes países, como: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e México, além de países africanos e europeus.

Considerando o que foi destacado durante a sua campanha eleitoral, entendemos que o novo governo terá um papel decisivo na conjuntura latino-americana e mundial, e que a cultura deverá assumir um papel estratégico na emancipação da consciência popular. No entanto, para isso ocorrer precisamos de um programa avançado, ousado, que resgate as nossas conquistas do passado e que, ao mesmo tempo, esteja sintonizado com a realidade (diversidade) cultural brasileira. Portanto, queremos um programa que dê conta de uma transformação radical de imaginário coletivo, que reconheça a nossa diversidade cultural e que esteja comprometido com o desenvolvimento regional sustentável, sintonizado com os desafios do século XXI, no Brasil, no continente e no mundo.

Entendemos que o Brasil é estratégico para o continente, pois, além de ser uma potência econômica, é o único país que faz fronteira com a maioria dos países da América do Sul. O fato é que o período de intensa globalização vem provocando o surgimento de novas manifestações culturais e de novas reflexões, tanto nas comunidades locais/regionais, como nas academias e nos governos municipais, estaduais e nacionais. Apesar das conquistas que tivemos, ainda precisamos de políticas públicas (de Estado) que sejam capazes de reconhecer as iniciativas regionais e promover o máximo de convergências possíveis, ao aproximar as “boas intenções” das práticas locais/regionais.

Acreditamos que os nossos desafios são muitos, e que o seu governo terá todas as condições para dar conta dessas velhas e novas adversidades, além daquelas impostas pela resiliência das mazelas históricas e pela atual destruição do Estado brasileiro, o ataque às culturas e às artes, a crise econômica e sanitária, e pela necropolítica. O mundo está passando por transformações radicais que são incontornáveis, e nós chamamos a atenção para as novas realidades que estão emergindo e modificando as relações sociais e praticamente todas as dimensões da vida social e individual, como a presença generalizada da internet e da própria globalização.

Nesse sentido, entendemos que o seu novo ministério da Cultura precisa reconhecer e valorizar a experiência de Juca Ferreira como gestor, antes de querer inventar a roda na área da cultura. Ou seja, precisamos valorizar a maturidade de quem já mostrou que sabe fazer e é reconhecido nacional e internacionalmente pelo que fez quando trabalhou nos seus dois governos. Por outro lado, não podemos desprezar a força da cultura bolsonarista neste próximo período… Por isso, queremos reconhecer os desafios e valorizar as questões que estamos apontando, antes de apostar em novas estratégias para este novo Brasil, em suas contradições, limitações e potencialidades. 

Enfim, queremos colaborar para os avanços culturais e artísticos transversais junto às diferentes áreas do governo e da sociedade, e contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros e brasileiras, assim como de los pueblos hermanos. Mas entendemos que a cultura não pode ficar restrita somente às artes, pois ela está presente nas memórias, nas paisagens, nas línguas, nos alimentos etc., e que o Brasil não pode perder a oportunidade de cumprir com o seu papel estratégico no continente, no sentido de unir forças com outras nações hermanas para romper com o colonialismo, o racismo, a dependência e o isolamento cultural.

Brasília, 08 de dezembro de 2022.

P.S. Já enviamos as nossas propostas prioritárias para a equipe de transição.

* Coordenação do movimento Fronteras Culturales

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko