Rio Grande do Sul

POLÍTICA DO MEDO

Vereador de Marau relata perseguição política após manifestação contra atos antidemocráticos

Laércio Zancan é o único vereador assumido LGBTQIA+; manifestação em plenário gerou abertura de processo disciplinar

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Vereador Laércio Zancan (PSB) teve aberto um processo disciplinar na Câmara de Marau, justamente após criticar, em plenário, atos antidemocráticos - Reprodução

A Câmara de Vereadores da cidade de Marau (RS) aprovou um relatório da Comissão de Ética do Legislativo que apontou pela abertura de processo disciplinar contra o vereador Laércio Zancan (PSB), também conhecido como Lalá.

Segundo afirma o vereador, em entrevista ao Brasil de Fato RS, o processo faz parte de uma prática de perseguição política, que se agravou após o vereador se manifestar criticando as manifestações e fechamentos de rodovias por parte de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, inconformados com o resultado eleitoral. O processo parlamentar pode resultar na cassação do mandato de Laércio.

Na segunda-feira após o segundo turno, o vereador foi ao plenário do Legislativo municipal e pediu respeito ao resultado das urnas. "Quando Bolsonaro ganhou, foi uma desgraça, mas foi uma vitória democrática e nós não fizemos birra nem fomos fechar estradas, como estão fazendo hoje. São atos antidemocráticos", afirmou o vereador na tribuna.

De acordo com veículos de imprensa regionais, foram realizados bloqueios em estradas que passam por Marau logo no dia seguinte ao segundo turno. Ainda, no início de novembro, os bloqueios seguiram, porém com liberações parciais a cada 15 min.

Conforme relata Laércio, aquelas declarações "foram o ápice para que se montasse uma barbárie". Na semana seguinte, a Câmara de Vereadores da cidade foi lotada por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, inconformados com o resultado das urnas e com as falas do vereador.

O risco para a segurança do vereador mobilizou a tropa de choque da Brigada Militar, que forneceu a escolta para que pudesse deixar o local, conforme demonstra vídeo que a reportagem do BdF RS teve acesso.


Captura de tela mostra o momento em que o vereador Laércio Zancan (de vermelho) sai da Câmara de Vereadores escoltado pela Tropa de Choque da Brigada Militar / Reprodução

"Tive que ser escoltado pela polícia, tinha muita gente, eles estavam querendo tirar o meu couro. Teve também uma sessão de linchamento moral, durante a sessão. O presidente abriu um espaço para as pessoas se manifestarem e eu tive que ficar ali, cercado, sem poder sair, ouvindo as barbaridades que falavam de mim."

A partir desse momento, Laércio passou a ser ameaçado e precisou notificar a Polícia Civil e o Ministério Público.

 

"Denúncias sem fundamentos"

Laércio relata que, a partir desse momento, foi dada a "oportunidade" para os vereadores da Casa o denunciassem na Comissão de Ética. Segundo afirma, as denúncias não têm fundamento.

"Se fores analisar as denúncias, não faz sentido. Eu não falei nada de errado, não ataquei ninguém da cidade nem da Câmara. Estão utilizando de uma ferramenta pra cassar o meu mandato", afirma.

Buscando saber exatamente qual era o teor das denúncias realizadas contra o parlamentar, a reportagem do Brasil de Fato RS entrou em contato com a presidência da Comissão de Ética, comandada pelo vereador Anderson Rodegheri (MDB). Também enviamos um e-mail para o gabinete da vereadora Elisabete Alban (PP), que consta como a denunciante do processo.

Até o fechamento dessa matéria, não havia resposta do gabinete da denunciante. Por sua vez, o vereador Anderson se comprometeu a disponibilizar o relatório da comissão, a fim de que pudéssemos tomar conhecimento das denúncias. Até o fechamento desta matéria, ainda não havíamos tido acesso ao relatório.

Perseguição política

Além de seu posicionamento político, Laércio afirma sofrer na pele o preconceito por fazer parte da população LGBTQIA+. Conta que passou a sentir essa dificuldade já na campanha quando se elegeu, em 2020. "Fazer campanha numa cidade conservadora não é fácil. Ser LGBT na política é complicado, teve uma campanha difamatória contra mim, por causa da minha orientação sexual."

Segundo afirma, em sua atuação parlamentar, ele apresenta "mais projetos de lei do que vereadores que estão na Câmara há 20 anos. Eu dialogo e recebo demandas de vários setores da sociedade, meu mandato é um espaço plural, muito além da pauta LGBTQIA+".

Ressalta também sentir que sua presença na Câmara não é bem aceita, mas que se impôs através do trabalho e da apresentação de projetos. "Eu sinto que estão sempre esperando uma manifestação minha para poder me atacar."

Nesse sentido, recorda que foi o único vereador da cidade que abriu o voto presidencial em favor do candidato que viria a sair vitorioso, o que acabou por acirrar ainda mais os ânimos contra a sua pessoa. Acredita que essa situação reforça a existência de preconceitos que são estruturais. "Quando uma voz se levanta, a estrutura tenta abafar", conclui.

 

Com seus posicionamentos sobre o cenário político atual do país, Laércio acredita que se manifesta em nome das pessoas que "não têm voz, que podem perder seu emprego se falarem algo contra o patrão, ou dos pequenos comércios, que têm medo de serem boicotados".

"Eu sigo coerente, certo de que não infringi nenhum direito constitucional, nem com o Legislativo nem com a comunidade. Acredito na responsabilidade da Câmara de Marau que deve ter consciência do precedente que está se abrindo."


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Edição: Katia Marko