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De quem é esta festa?

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"A festa de Navegantes de Porto Alegre é exemplo do resultado da mistura de crenças" - Reprodução Facebook
Objeto de culto da Umbanda, Nação e do catolicismo a festa do dia 2 é divulgada só como católica

No Brasil, o aniversário da maioria das cidades é feriado, não em Porto Alegre. A Capital e algumas cidades gaúchas, porém, têm um feriado religioso único no país, 2 de fevereiro. Data de Nossa Senhora dos Navegantes, é dia de procissão em terra e água, celebrado tanto por católicos quanto por alguns praticantes das religiões afro-brasileiras como a Umbanda e a Nação. Para estes, é dia de Yemonjá.

No país, a maioria dos negros escravizados foi oriunda do Oeste da África e tinha, em suas práticas religiosas, divindades comuns. Proibidos de seguir suas crenças e forçados a aceitar o catolicismo como religião, descobriram na associação entre Orixás e santos católicos uma forma eficiente de burlar a imposição. Resultante deste processo, o sincretismo religioso foi ainda reforçado a partir da criação da Umbanda. A festa de Navegantes de Porto Alegre é exemplo do resultado da mistura de crenças.

A Umbanda foi criada no Rio de Janeiro em 1908, trazendo elementos do espiritismo, catolicismo, candomblé e pajelanças indígenas. Mesmo trazendo elementos das religiões afro-indígenas, a forte carga moral e racista do cristianismo cria uma Iemanjá de pele alva, longos cabelos levemente ondulados, pairando sobre a água. Esbelta e sensual, em nada lembra a Yemonjá iorubá, seios fartos e barriga proeminente, aparência adequada a uma deusa símbolo da maternidade. E os iorubás não utilizavam imagens ou gravuras, os orixás eram cultuados em pequenas pedras, que recebiam tratamentos ritualísticos tornando-as habitáveis pelas divindades. É o embranquecimento da religiosidade afro-brasileira.

O culto a Nossa Senhora dos Navegantes tem origem na Escola de Sagres, e logo espalhou-se entre marinheiros portugueses e espanhóis, superando o culto a Bom Jesus dos Navegantes nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Aqui no RS, berço da prática religiosa de Nação (religiosidade surgida em Pelotas a partir de elementos trazidos pelos escravizados que conheciam as técnicas de charquear a carne) incorporou ainda outros elementos, como o uso de vestes rituais inspirados na moda do período imperial e incorporou outras associações com santos católicos, reforçando a similaridade da santa com o orixá-mãe de todo o Orumalé, o panteão africano.

Objeto de culto da Umbanda, Nação e do catolicismo a festa, porém, é divulgada apenas com o nome da Santa católica. Para a vereadora Fran Rodrigues, do PSOL, o racismo estrutural impede que a festa da padroeira de Porto Alegre leve também o nome das outras deidades celebradas no dia. Primeira suplente do Partido na Câmara de Porto Alegre, aguarda a aprovação de projeto de lei de sua autoria que altera a designação do feriado, incluindo Iemanjá o que, de fato, já acontece. Para ela, mudança no nome do feriado será mais uma ferramenta de luta contra o racismo e a intolerância religiosa.

E nesta quinta-feira, dia 2 de fevereiro, o Coletivo Pão com Ovo trará os religiosos ÌYá Sandrali e o Babalorixá Clóvis Júnior para conversar sobre o culto e comemorações desta festa popular.

Em Porto Alegre a Lei nº 3.033, de 30 de junho de 1967 torna feriado municipal a data de 02 de fevereiro como dia de Nossa Senhora dos Navegantes.

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** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko