Rio Grande do Sul

SEGURANÇA ALIMENTAR

Retorno do Consea é comemorado com um 'Banquetaço' no centro de Porto Alegre

Pelo menos quatro cidades do estado registraram ações de solidariedade que marcam o retorno do Conselho Nacional

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Banquetaço celebrou, em Porto Alegre, o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - Foto: Pedro Neves

O Banquetaço 2023 foi uma ação política realizada em forma de uma refeição pública e gratuita servida à população para comemorar e demarcar o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Em Porto Alegre, a atividade aconteceu ao meio dia desta segunda-feira (27), no Largo Glênio Peres. Também houveram manifestações em Pelotas, Santa Maria e Caxias do Sul.

A reportagem do Brasil de Fato RS esteve presente para conferir a atividade organizada por diversas entidades que atuam no combate à fome e que fazem o debate da segurança alimentar e nutricional no estado. Foram distribuídas refeições gratuitas para a população que passava pelo centro da Capital.


Dezenas de refeições foram servidas para a população de Porto Alegre como um ato político que demarcasse o retorno do Consea / Foto: Carolina Lima

Durante cerca de 1h, dezenas de refeições foram servidas para trabalhadores em seu horário de intervalo, funcionários da limpeza urbana, moradores em situação de rua, pessoas que vieram ao Centro buscar trabalho, feirantes do entorno, etc.

Segundo a organização do evento, a partilha de refeições visa dialogar com a sociedade sobre a importância do direito à alimentação adequada e saudável, bem como chamar atenção para o retorno do Consea e das políticas públicas de segurança e soberania alimentar e nutricional.


Banquetaço buscou dialogar com a sociedade sobre a importância do direito à alimentação adequada e saudável, bem como chamar atenção para o retorno do Consea / Foto: Pedro Neves

Estiveram presentes, além dos representantes das organizações que realizaram o Banquetaço, diversos parlamentares, como o vereador Pedro Ruas (PSOL), os deputados estaduais Matheus Gomes (PSOL), Laura Sito (PT) e Adão Pretto Filho (PT), além das deputadas federais Reginete Bispo (PT) e Daiana Santos (PCdoB).

O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, comemorou a volta do conselho e pontuou que é um órgão importante para a construção de políticas públicas de combate à fome. “O alimento no prato é também pôr o mínimo de dignidade, o mínimo de direito para os trabalhadores e as trabalhadoras. Precisamos de trabalho digno, uma escola de qualidade, saúde, moradia. Tantos direitos que hoje são sonegados e que não fazem parte da mesa do povo brasileiro”, citou. A organização também saudou a presença e a parceria do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) e do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários).

João Padilha, representando a Retomada Gãh Ré do Morro Santana, e um representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), conhecido como "Português", também se manifestaram.

Organizações combatendo a fome

Para a nutricionista Bruna Crioula, uma das responsáveis pela organização do evento, a presença das cozinhas comunitárias e solidárias traz o simbolismo da resistência que essas entidades protagonizaram durante os últimos anos. Segundo explica, o Banquetaço celebra o retorno do Consea, simbolizando, ao mesmo tempo, o "retorno do povo ao orçamento" do ponto de vista da alimentação.

"Quando uma pessoa tem esse direito violado é por que ele não teve direito ao emprego ou ao deslocamento por exemplo, ou até mesmo não teve acesso a espaços de comercialização ou doação", afirma.

Afirmou que a atuação das cozinhas comunitárias e demais organizações serviu para amenizar os efeitos de uma "agenda de necropolítica" que se viu instaurada. Acredita que o restabelecimento do Consea representa o retorno de uma série de políticas públicas que devem voltar, entre outras novas, para fazer frente à esse cenário.

O sentimento de esperança foi ecoado por Iya Itanajara de Oxum, coordenadora executiva do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais e Matriz Africana (Fonsanpotma) em Porto Alegre.

Ela afirma que, para os povos de matriz africana, a vivência em torno do alimento e das ações de solidariedade fazem parte do cotidiano, de forma que o retorno do Consea renova as esperanças para enfrentar uma realidade em que o "alimento na mesa todos os dias virou um privilégio".

Da mesma forma, Pai Zeca, representando do Fórum de Usuários do SUAS em Porto Alegre, afirmou que a população da cidade que acessa os serviços de assistência social precisa do funcionamento do Conselho Nacional e das redes de parceiras, para evitar a "fome que nós vemos cada dia mais próxima de todos nós".

Esperança de novas políticas

Também se manifestou o atual presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea/RS), Juliano Sá. Afirmou que a extinção do Consea pelo governo anterior foi o primeiro de uma série de "atos genocidas" e que a ausência da referência nacional ajudou a consolidar o cenário atual de aproximadamente 65 milhões de pessoas em insegurança alimentar.

"A situação só não piorou graças ao trabalho das cozinhas solidárias, coletivos, organizações e dos Conselhos estaduais e municipais que pautaram o debate e atuaram nas ações de solidariedade", relatou.


Presidente do Consea/RS explica que levará a demanda do reconhecimento das cozinhas comunitárias como parte oficial das políticas de segurança alimentar e nutricional / Foto: Pedro Neves

Agora com o retorno, afirma que estará em Brasília na posse da nova gestão do Consea, que será comandada pela professora e nutricionista Elisabetta Recine. Informa que o Consea deve convocar em breve a realização da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Nesse sentido, afirma que, enquanto representante do Conselho Estadual, fará o esforço de pautar o reconhecimento das cozinhas comunitárias e solidárias como "Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar", enquanto entidades que integrem uma política oficial do governo federal de combate à fome.


Parlamentares envolvidos com a causa da segurança alimentar estiveram presentes no Banquetaço. / Foto: Pedro Neves

"A maioria das cozinhas estão na informalidade. O reconhecimento do governo deve fazer com que a política pública chegue nas nossas cozinhas, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos e outras políticas que possam fazer a comida saudável sair da agricultura familiar, por um valor justo, e chegar na nossa cozinha", relatou Sá.

Também disse que estão sendo pensadas propostas de editais para estruturação das cozinhas, de forma que essas organizações possam adquirir melhores equipamentos, bem como garantir a remuneração dos voluntários que atuam nesses locais.

Cozinhas precisam de apoio para continuar o trabalho

A fala do conselheiro foi ecoada pela voluntária Ângela, integrante da Associação de Mulheres Maria da Glória, uma das entidades que se organizou durante a pandemia para a preparação de refeições. Segundo informa, são cerca de 100 mulheres que atualmente integram a Associação.


Voluntária na Associação de Mulheres Maria da Glória, Ângela afirmou que as cozinhas comunitárias precisam de apoio para continuar o trabalho / Foto: Carolina Lima

Algumas delas estavam no Banquetaço servindo as refeições. Ângela relatou que o preparo das refeições começou no dia anterior, inclusive com a colheita de hortaliças e temperos oriundos da horta comunitária mantida pela Associação.

"Nós reunimos as mulheres para falar sobre a importância do evento, planejar a ação e decidir o cardápio. O alimento não é só a hora de servir, é também pensar desde o momento que a gente conversa com a terra para que ela dê os frutos", relatou.

Porém, relata que esse esforço é atravessado por muitas dificuldades. Afirma que muitos dos vizinhos das mulheres da Associação passam fome, mesmo com todo o esforço.

"As cozinhas passam necessidade, muitas vezes não temos dinheiro para comprar o gás. É muito importante ser debatido que as cozinhas precisam de assessoramento. Todas as iniciativas, desde as pequenas até as maiores, precisam de políticas públicas para poder continuar."


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Edição: Katia Marko