Rio Grande do Sul

LUTA SOCIAL

MAB promove debate sobre políticas de direitos humanos na Assembleia gaúcha

Movimento também se reuniu com Secretaria de Desenvolvimento Rural do estado para apresentar reivindicações de atingidos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Conferência Livre realizada na Assembleia Legislativa do RS reuniu atingidas e atingidos de diversos territórios do estado - Foto: Divulgação MAB RS

Consolidado há 32 anos na articulação das populações afetadas por construções de hidrelétricas no Brasil – aniversário celebrado nesta terça-feira (14) – o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) segue nas lutas em espaços institucionais. Com foco nas reivindicações e na realidade estadual, o movimento realizou, na sexta-feira (10), na Assembleia Legislativa do RS, a Conferência Livre: Atingidos por Barragens e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul. Já na segunda-feira (13), ao lado de outros movimentos sociais, reuniu-se com a Secretaria de Desenvolvimento Rural.

Resultado da luta das mulheres realizada no dia 8 de março e da reunião com o governador Eduardo Leite (PSDB) no dia seguinte, a reunião com o secretário de Desenvolvimento Rural, Ronaldo Santini serviu para a apresentação de reivindicações de pontos estruturantes e emergenciais elencados pelos atingidos do estado. Entre as pautas emergenciais estão as questões relacionadas a produção de alimentos, energia, terra, água e moradia, entre outros.

Já entre os pontos estruturantes, o MAB solicitou a criação de um Grupo de Trabalho para diagnosticar a real situação das populações atingidas por barragens do estado e a realização dos Planos de Segurança e de Desenvolvimento para as regiões atingidas. Também solicitou a revisão das leis de acesso ao lago das grandes barragens, para que as famílias atingidas possam ter acesso ao uso da água dos lagos das usinas hidrelétricas, melhorias na distribuição de eletricidade para famílias da agricultura familiar e retorno do Programa Camponês.

Segundo o MAB, o secretário e seus assessores se comprometeram em seguir no diálogo com os movimentos e avançando nas pautas apresentadas. Da parte dos movimentos, ficou acordado de seguir acompanhando o andamento das demandas e manter contato com as assessorias presentes na reunião para subsidiá-las com mais informações.

Preparação para a Conferência Estadual de Direitos Humanos

A Conferência Livre: Atingidos por Barragens e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul aconteceu na Sala Adão Pretto da Assembleia gaúcha. Trazendo como eixos centrais a luta histórica por direitos e a pauta de reivindicações estadual, a atividade teve caráter preparatório para a VI Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, que acontecerá nos dias 28 e 29 de abril deste ano, e tem como tema orientador “Desafios para a promoção e garantia dos direitos humanos no Rio Grande do Sul”.

A conferência contou com duas mesas de debate: “Os direitos humanos e a luta pelos direitos dos atingidos por barragens” e “Quais são as pautas do MAB para resgate e valorização dos Direitos Humanos?”. A abertura e coordenação da atividade foi feita por Júlio Alt, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) e por Alexania Rossato, da Coordenação Estadual do MAB.

Nas palavras de Alt, “a militância do MAB expressa a luta por direitos humanos no cotidiano. Queremos saber qual bandeira o MAB pode levar para a Conferência Estadual como boas práticas”.

Direitos violados e ações necessárias

Na primeira mesa, o advogado popular e membro da Rede Nacional de Advogados/as Populares (Renap), Emiliano Maldonado, trouxe um panorama das violações de direitos humanos ocorridas em grandes obras de barragens no Brasil, conforme apontado pelo relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), atual Conselho Nacional de Direitos Humanos. Além das lutas contra as privatizações e por um marco legal que assegure direitos aos atingidos e atingidas, materializado na proposta da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB e na Política Nacional de Segurança dos Atingidos por Barragens.

Segundo Emiliano, no Rio Grande do Sul a violação é sistêmica. “O estado possui a maior quantidade de barragens no Brasil. Na Bacia do Rio Uruguai temos mais de 100 mil pessoas atingidas, em 300 comunidades, de 50 municípios atingidos e uma área alagada de 58 mil hectares. Neste cenário, ainda querem construir mais barragens”, denunciou.


A deputada Maria do Rosário (PT/RS) defendeu um modelo energético mais justo e participativo no estado / Foto: Divulgação MAB RS

Também estiveram presentes na mesa a deputada estadual Laura Sito (PT), atual presidenta da Comissão de Direitos Humanos da ALRS, e a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS). Rosário iniciou sua fala anunciando a conquista da aprovação do projeto de lei que garante pensão especial para crianças até 18 anos órfãs de mães vítimas de feminicídio. “Que este projeto seja uma homenagem à Débora e à luta de todas nós que sentimos e sofremos com ela. Ela, mãe, ela lutadora, ela do MAB, ela morando em uma região de barragem”, disse, repudiando o feminicídio.

Rosário apontou a necessidade de proposição de um novo marco para o Brasil, em que nenhuma barragem seja construída sem a plena informação e aceitação do povo atingido. Defendeu a responsabilidade das empresas e o respeito às populações já atingidas, avaliando também novas formas de geração e distribuição de energia para atender as necessidades nacionais, sem prejuízo social e ambiental.

Para tanto, propôs a realização de uma auditoria de amplitude nacional da capacidade instalada e do impacto das barragens existentes, para pensar outro modelo energético, com energia acessível para as pessoas, ambientalmente segura e socialmente justa. Apontou a importância da aprovação do relatório fruto da Conferência Estadual para que chegue à instância nacional.

Na segunda mesa, Leonardo Maggi, da Coordenação Nacional do MAB e de atingidas por barragens das regiões Alto Uruguai, Metropolitana e Fronteira Noroeste,  destacou elementos centrais da pauta nacional do MAB. Citou temas como a ampliação do conceito de atingido, a criação da Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens, a Política Nacional de Segurança dos Atingidos por Barragens, a constituição de um Fundo Nacional para viabilizar ações nos territórios, a criação de um organismo de participação do Ministério de Minas e Energia, além da redução da tarifa de energia elétrica e distribuição de cestas básicas e gás de cozinha para famílias atingidas em situação de pobreza.

Na apresentação da pauta estadual, Maggi criticou a privatização da Corsan. Cobrou a restituição da Política de Desenvolvimento de Regiões Afetadas por Empreendimentos Hidrelétricos e da Política Estadual dos Atingidos por Empreendimentos Hidrelétricos no Estado do Rio Grande do Sul, que estavam contidas no Decreto nº 51.595/14, revogado pelo governador Eduardo Leite em 2019. Também abordou temas como mitigação dos impactos da seca no estado que se refletem na vida do povo, retomada do Luz Rural para as famílias da agricultura familiar do estado, revisão das leis de acesso ao lago das grandes barragens, dentre outros.

Mulheres relatam drama de comunidades atingidas

Moradora do bairro Lomba do Pinheiro e atingida pela Barragem Lomba do Sabão, em Porto Alegre, Maria Aparecida Luge trouxe para o debate a dura realidade vivida por quem mora nos entornos da barragem. As famílias cobram os Planos de Ação Emergencial e de Segurança, tendo em vista o risco real de rompimento da estrutura e ausência de medidas por parte do poder público para garantir a segurança da população atingida. Também está na pauta a manutenção da estrutura, limpeza, reassentamento e indenizações para os moradores das áreas de risco e uma agenda de diálogo com o poder público local.

Tereza Pessoa, atingida pelo projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi e Panambi, denunciou a violação de direitos sofrida por um povo que já é atingido pelas outras sete barragens construídas rio acima, na Bacia do Rio Uruguai, sendo as mulheres as mais vitimadas. Dentre as pautas regionais, relatou a garantia do direito de dizer não à Garabi e Panambi, o acesso à informação e livre participação e organização, políticas públicas de desenvolvimento regional e ações de mitigação dos impactos da seca.

Tatiane Paulino apresentou a pauta das regiões Alto Uruguai e Altos da Serra. As regiões tem histórico de luta do povo atingido, principalmente pelas barragens de Itá, Machadinho e Barra Grande, em que as promessas de desenvolvimento regional nunca se concretizaram, deixando um rastro de abandono e adoecimento. Nestes locais, apontou serem urgentes políticas de desenvolvimento regional, de saúde da população atingida, de reparação de perdas, de enfrentamento a seca, entre outras.

Após as apresentações, foi feita a entrega da pauta estadual dos atingidos e atingidas às deputadas e assessores que estavam presentes.

MAB convida para vigília nesta quarta-feira

Encerrando a conferência, Alexania anunciou as articulações do MAB junto aos governo estadual e federal. A coordenadora estadual do movimento também convidou o CEDH para estar presente na vigília em frente ao Fórum Central de Porto Alegre, nesta quarta-feira (15), quando ocorre a 1ª audiência com as testemunhas de acusação do assassino de Débora Moraes.

Como encaminhamentos finais, Alt apontou o envio para a Conferência Estadual do relatório da Conferência Livre, assim como o documento com as pautas dos atingidos. Além da realização de reuniões regionais com prefeituras e estado, em um plano construído de forma conjunta entre MAB e CEDH, para avançar na cobrança do atendimento das pautas.

A conferência contou com a presença de atingidas e atingidos organizados no MAB das regiões Alto Uruguai, Fronteira Noroeste, Metropolitana e Central, além de representantes de diversas organizações e mandatos parlamentares. A realização foi uma parceria entre o MAB e CEDH, juntamente com o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Renap, Fórum Justiça, Acesso, Cáritas Brasileira, Associação de Proteção da Vida e da Natureza do Vale do Rio Uruguai (Adevinvaru), Comissão Pastoral da Terra (CPT).

* Com informações do MAB


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Edição: Marcelo Ferreira