Rio Grande do Sul

Periferia em foco

'A desigualdade faz mal à saúde', afirma a ministra da Saúde, Nísia Trindade 

Primeira mulher a dirigir a pasta, ministra participou de atividade do 1º Fórum das Periferias de Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Durante a atividade, ministra da Saúde anunciou investimentos do governo federal para o estado - Foto: Rodrigo Jankoski

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, primeira mulher a ocupar a pasta, esteve na capital gaúcha, manhã desta sexta-feira (5). Ela participou de atividade do 1º Fórum Social de Periferias de Porto Alegre na sede da Associação de Moradores e Amigos da Vila Tronco, Neves e Arredores (Amavtron), no bairro Santa Tereza. Durante sua fala, anunciou que o Rio Grande do Sul será contemplado com cerca R$ 33 milhões para investir no custeio de cirurgias eletivas, isto é, aquelas menos urgentes, mas que se acumularam durante a pandemia. Além de cerca de 500 vagas no Mais Médicos.

Com salão repleto de representantes de movimentos sociais, parlamentares gaúchos, do ministro Paulo Pimenta e moradores da comunidade da Vila Cruzeiro, Nísia Trindade disse que ao mesmo tempo em que fica animada com as reivindicações entregues por diversos segmentos, fica triste pela atual situação de saúde no país, principalmente nas periferias.  

“É uma realidade que a gente tem que mudar, e essa mudança tem que ser um processo junto com vocês. A participação social, o controle social como a gente diz, no SUS, é algo fundamental. Vamos avançar nessa discussão na 17ª Conferência Nacional de Saúde.”

Conforme destacou a ministra, quando o atual governo assumiu, a situação na área da Saúde era de total desmantelamento de vários programas e principalmente de dificuldade de diálogo. “Quando nós chegamos ao Ministério, vimos isso na equipe de transição, tínhamos cortes de 60% das verbas nos principais programas”, expôs a ministra enfatizando que a saúde não resolve sozinha as questões. 

“Enquanto nós tivermos 33 milhões de brasileiros passando fome, não tem saúde. Desigualdade faz mal à saúde. Não podemos ter a ilusão que o Ministério da Saúde vai resolver a desigualdade, a própria desigualdade do acesso à saúde. Nós vamos trabalhar, juntos, mas isso tem que ser uma política forte do governo e da sociedade. O Brasil não pode continuar a ser o país desigual de mais de 500 anos, uma desigualdade que se agravou nos últimos quatros anos, com o desprezo, o descaso pela população. O presidente Lula nos deu a atribuição de cuidar da periferia”, afirmou. 

Mais médicos e outros programas

Uma das principais pautas levantadas durante o evento foi a questão do programa Mais Médicos, em especial a participação dos médicos cubanos. Respondendo a essa demanda de várias lideranças presentes, a ministra pontuou que o edital já foi lançado. Do total de 15 mil vagas iniciais, 500 vagas serão reservadas para o Rio Grande do Sul.

As vagas serão oferecidas primeiro aos profissionais brasileiros, conforme diretrizes do programa. Os postos não preenchidos deverão ser ofertados a médicos estrangeiros. A intenção do governo é ter, até o final do ano, 28 mil profissionais em todo o país, principalmente nas áreas mais vulneráveis. “Estamos discutindo a retomada de uma cooperação com Cuba”, informou. 

Durante o ato a ministra assinou um termo de compromisso para o retorno dos médicos cubanos, documento também firmado pelo representante do município, o secretário da Saúde Mário Sparta, e pela secretária adjunta da Saúde do governo do estado, Ana Costa.

A ministra também anunciou que o presidente Lula transformará, através de lei, o programa Brasil Sorridente em política pública de Estado, e que vai aumentar o número de agentes comunitários e equipes de saúde bucal nas periferias. “A população tem que ter acesso a uma parte da saúde que é fundamental para o nosso bem-estar, mas que além disso é fundamental pra nossa autoestima, porque todos queremos sorrir”, afirmou. 

Frisou ainda que está avançando o trabalho em relação à vacinação. “Amanhã vai ter o dia D da vacinação de gripe. Vocês, lideranças comunitárias, são fundamentais para que nossa população que pode ser vacinada se vacine. Vamos começar um movimento da vacinação infantil, vamos trabalhar junto com as escolas”, comentou. 

Nísia também destacou o programa para redução de filas para cirurgias eletivas, que se acumularam na pandemia. “A pandemia também teve um impacto muito forte na demora dos exames, dos diagnósticos. Vamos trabalhar juntos para superar isso. O Ministério da Saúde já cotou, no caso do Rio Grande do Sul o plano já foi aprovado, serão cerca de R$ 33 milhões destinados a esse programa, que vão se somar agora a outras iniciativas.”

A dirigente da pasta também ressaltou o trabalho desenvolvido pelos profissionais da enfermagem, lembrando que a categoria é formada por 76% de mulheres. “Quero dizer a vocês que o Ministério da Saúde nesse momento está trabalhando para a efetivação do piso da enfermagem, nesse momento a responsabilidade está com a gente, não vamos de jeito nenhum deixar de cumprir com essa responsabilidade”, frisou. 


Assinatura do termo de compromisso para o retorno dos médicos cubanos / Foto: Rodrigo Jankoski

Por fim a ministra salientou que a meta principal da pasta é fortalecer o SUS. “Para isso nós vamos precisar de um pacto nacional pela saúde, pelo SUS, pelo seu fortalecimento, e isso envolve financiamento", afirmou, destacando a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, prevista para julho

Demandas das comunidades e terceirização da saúde 

Em muitas falas das lideranças comunitárias presentes foi destacado o prejuízo da terceirização da saúde na capital gaúcha. Como apontado pelo presidente do Instituto Cultural Arraial da Glória, Renan da Silva. “Os postos de saúde de Porto Alegre estão uma bagunça, abandonados, mudam médicos, estão atirados às traças com a terceirização. São postos de papel”, lamentou. 

Conselheira Tutelar do Bairro Bom Jesus, Cris Medeiros destacou a questão do atendimento a crianças e adolescentes, principalmente no que se refere à saúde mental. Algumas, apontou, "esperam anos por consultas médicas e muitas vezes não recebem sequer previsão de atendimento por especialistas, especialmente na área da saúde mental”. Disse que a falta de atenção à saúde desses jovens prejudica o bem-estar das famílias, em especial de suas mães que, na maioria dos casos, são encarregadas da tarefa do cuidado.

Ela também criticou o que chama de "comercialização da saúde em Porto Alegre", com "a cidade fatiada em grandes instituições que estão lucrando com esse processo”. Afirmou que as comunidades precisam de profissionais comprometidos com o atendimento à população e que o melhor médico que passou pelo seu posto de referência foi um médico venezuelano, oriundo do Mais Médicos.

"Hoje quando vamos em um posto de saúde temos médicos que ficam esperando a gente falar. Se a gente não provoca, eles não fazem essa conversa, parece que estamos em um balcão de comércio. Temos gerações de pessoas que estão excluídas do acesso à saúde", criticou.

Na mesma linha, Douglas Cordeiro, integrante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia e morador do Assentamento urbano 20 de Novembro, afirmou que no governo passado havia um "Ministério da Morte" e a pandemia deixou muitos resquícios, especialmente na saúde mental. “Nossas crianças adoeceram, estão com dificuldade de aprender e socializar. As escolas não estão preparadas. É preciso atenção especial para isso”, afirmou. 

O presidente da Amavtron, Luciano Soares Cardoso, ressaltou que a comunidade sente profundamente a ausência dos profissionais cubanos, em especial pelo atendimento humanizado. "Foi dado um gostinho para nós do que seria uma saúde comunitária e humanizada, onde se olha nos olhos das pessoas", disse. Também relatou que os médicos cubanos se identificam com a população pelo fato da ilha ser também "um país de negros". 

A enfermeira Rosane Pires, uma das coordenadoras do Fórum, também destacou a atuação dos médicos cubanos. “A gente não está desfazendo dos nossos médicos brasileiros, mas a característica dos médios cubanos é humanitária. Eu que trabalho na base sei como funciona. Estamos com vários problemas, como o Gapa (Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS) que está esquecido, tem os adolescentes e crianças esquecidos.”

Ela destacou que a pauta principal do Fórum é fazer um movimento com a participação de todos. “O nosso pedido é que se cuide da nossa saúde periférica, é necessário, é urgente!” Ela também frisou a luta da categoria da enfermagem, que merece o piso salarial. "A enfermagem foi guerreira, ela segurou esse país. Eu pedi companheiros e companheiras lutando na pandemia", contou.

Ceniriani Vargas, integrante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), destacou a ameaça de despejo que diversas comunidade estão sofrendo, o que impacta na questão da saúde. Principalmente das mulheres "que não têm acesso à saúde porque não têm endereço, que não têm acesso à educação, assistência social e que nos próximos dias podem nem ter suas casas".

A militante destacou também a importância dos Mais Médicos nas periferias. “Esse programa traz muita esperança para nós. Finalmente as periferias vão ter acesso à saúde, vão ter acesso a um médico, uma médica, especialidades que muitas vezes a gente não tem. A gente vive sim uma terceirização do serviço da saúdem em Porto Alegre.”


Ministra recebeu camiseta do 1º Fórum das Periferias de Porto Alegre / Foto: Rodrigo Jankoski

Ainda durante a atividade o assessor especial de Território do Ministério da Saúde, Vacler Rangel, anunciou a realização da primeira Conferência de Saúde das Periferias, que ocorrerá dia 30 de maio, das 17h às 21h, de modo virtual. 

Antes das falas houve a apresentação da orquestra formada por jovens da comunidade.

Entre as entidades que entregaram documentos à ministra está a Frente dos Servidores Públicos do RS, referente à situação do IPE saúde e seus impactos no SUS, e do GAPA /RS, sobre a situação da Aids no estado.  

Após a atividade na Cruzeiro, a ministra se dirigiu ao Grupo Hospitalar Conceição para dar posse ao novo diretor-superintendente, Gilberto Barichello. A ministra veio acompanhada do ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, que preside a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), ligada ao  Ministério da Educação e do presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto.


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

Edição: Marcelo Ferreira