Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Agapan publica carta aberta em defesa da Fepam

Entidade critica subcomissão de deputados que considera "o órgão ambiental como um obstáculo aos empreendedores"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"É de conhecimento de todos que a Fepam, bem como os demais órgãos ambientais de outros entes da Federação, cumpre a legislação ambiental", destaca entidade - Foto: Fepam/Divulgação

A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) encaminhou, nesta quarta-feira (17), uma carta aos deputados da subcomissão da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, destacando a importância do trabalho da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam).

A entidade critica o ataque que a fundação vem sofrendo "por interesses diversos ao da defesa ambiental". Pontua que nas reuniões da subcomissão "fica evidente que boa parte dos parlamentares considera o órgão ambiental como um obstáculo aos empreendedores".

A subcomissão está debatendo as fiscalizações, prazos e concessões de licenças da Fepam, coordenada pelo deputado Claudio Branchieri (Podemos), também relator.

Na carta, que também é endereçada à sociedade gaúcha e à classe empresarial, a Agapan defende que “o órgão ambiental do Estado do RS atua com propriedade técnica, dentro dos parâmetros da legislação vigente" e que “é de conhecimento de todos que a Fepam, bem como os demais órgãos ambientais de outros entes da Federação, cumpre a legislação ambiental".

"Acreditamos que não se constrói algo bom para a sociedade com base em dados falsos e desviando da realidade", afirma o documento. "Através da tentativa de impor medo e de estabelecer prazos artificiais ao órgão ambiental, não se conseguirá aumentar a eficiência da gestão pública, ao contrário, cria-se procedimentos insustentáveis que podem destruir ecossistemas, causando impactos ambientais com perdas irreparáveis de biodiversidade e da resiliência natural de nossos diferentes biomas”, destaca.

Confira abaixo a integra da carta

Carta aberta da Agapan

À sociedade gaúcha
Aos parlamentares da Assembleia Legislativa
Ao empresariado do Rio Grande do Sul

Em defesa da vida, do ambiente natural e de nosso futuro ecologicamente sustentável, precisamos defender e respeitar a Fepam

Tivemos conhecimento que a Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, instituiu uma subcomissão para tratar das fiscalizações, prazos e concessões de licenças da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), proposição do deputado Claudio Branchieri (Podemos), o qual será o coordenador e relator.

Após conferir as manifestações dos deputados nas reuniões da Comissão, tanto a que aprovou a subcomissão (03/5) quanto a da semana posterior (10/5), fica evidente que boa parte dos parlamentares considera o órgão ambiental como um obstáculo aos empreendedores, não escondendo suas intenções e dando pistas de seus objetivos a partir da sua linha de pensamento e atuação política.

Nas referidas reuniões, um conjunto de deputados deixa explícito que para ser efetivada a marcha para o progresso, na visão deles, os órgãos ambientais, neste caso o órgão estadual, a Fepam, representam um entrave. No ataque ao órgão, alguns proferiram suspeitas graves, como suposta falta de ética por parte dos servidores, que conduziriam seus trabalhos com visões subjetivas e ideológicas, onde eventuais atrasos seriam deliberados, entre outros tantos absurdos.

Um certo deputado, em tom ufanista, declara que um dos maiores êxitos da legislatura anterior foi a aprovação do novo Código Estadual de Meio Ambiente. Isso revela a visão que parece sempre ter o meio ambiente como inimigo a ser destruído. Sabemos bem que a legislação ambiental gaúcha foi construída, inicialmente, pela mobilização popular em conjunto com as entidades ambientalistas e as legislaturas de outrora. As últimas alterações efetuadas no Código Ambiental na Casa do Povo são afrontas à proteção do ambiente natural e, com isso, um ataque ao povo gaúcho, que depende da nossa natureza preservada para continuar sobrevivendo.

É de conhecimento de todos que a Fepam, bem como os demais órgãos ambientais de outros entes da Federação, cumpre a legislação ambiental. Pelas exposições dos deputados, é possível deduzir que, na prática, o trabalho e as próprias existências da Fepam e da legislação que protege o meio ambiente é que irritam e constituem em problema a esse grupo de parlamentares da Assembleia Legislativa. A velha fórmula para impor retrocessos – a reiterada propaganda para convencer que proteção do meio ambiente é um problema ao progresso, e a tática de sucateamento de órgãos e empresas públicas para, posteriormente, discursar sobre suas ineficácias – na prática, representam interesses corporativos e visão retrógrada, que pelo ganho financeiro imediato abrem mão do horizonte estratégico para a sociedade e para as futuras gerações.

As manifestações dos deputados nas já referidas reuniões da Comissão de Economia não deixam dúvidas: há um objetivo em atacar, desconstituir, depreciar o órgão estadual para vender soluções fáceis e duvidosas que atendam à pauta de empresários e de grandes produtores rurais, abrindo caminho para a terceirização e a privatização dos serviços hoje prestados pela Fepam, bem como a flexibilização da legislação que protege o meio ambiente.

Um aspecto agravante, intrigante e preocupante é a total incapacidade da direção da Fepam e da Secretária Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) de fazer uma defesa da atuação de seu órgão ambiental. Coloca-se a seguinte questão: por que o Governo do Estado não defendeu publicamente o trabalho da Fepam? Essa posição do Governo estadual remete a uma postura de cumplicidade com tudo aquilo que foi manifestado pelos deputados na Comissão de Economia. O Governo se coloca clara e frontalmente contra o Estado que governa. Isso é uma postura evidentemente contrária a de um estadista.

Diante de mais essa tentativa explícita de imposição de retrocessos ambientais, viemos manifestar à sociedade gaúcha nossa solidariedade aos servidores da Fepam que atuam desempenhando um trabalho sério e responsável, dentro das limitações das suas condições de trabalho, bem como a nossa preocupação com mais essa investida de quem ainda não entendeu que proteger o meio ambiente e proporcionar qualidade de vida às pessoas significa pensar no futuro da humanidade e do planeta, nossa “Casa Comum”, da qual o Rio Grande do Sul também faz parte. Ajudar a deteriorar o meio ambiente e depois  lucrar com projetos caros de mitigação das mudanças climáticas não é inteligente, nem honesto.

Neste debate, para sermos responsáveis e comprometidos com a verdade, é importante colocar alguns elementos. Primeiramente, que o Plano de Cargos e Salários da Fepam (Lei 14.431/2014) estabelece números de pessoas e funções para a realização das atividades de trabalho, constando 534 analistas (equipe multidisciplinar com formação em curso superior), 77 agentes técnicos e 160 agentes administrativos. Nota-se facilmente que o quadro técnico está muito defasado.

Em termos de quadro profissional, sabe-se que o quadro da Fepam, no início de 2021, era o seguinte: 255 analistas técnicos, 16 agentes técnicos e 50 agentes administrativos. Daquela data até hoje a situação piorou ainda mais.

Recentemente, foi aberto edital e realizado concurso público para preencher 56 vagas, processo ainda não concluído e sem resultados. Antes desse, o último processo seletivo teve edital publicado em 2014 e concurso realizado no início de 2015. Nesse período, o quadro técnico da Fepam diminuiu consideravelmente. A carreira profissional se tornou menos atrativa, pois foram quase oito anos sem correção de salários, período no qual a inflação oficial corroeu mais de 60% do poder de compra do trabalhador.

Para nós, o debate da eficiência dos órgãos de Estado é algo absolutamente tranquilo, desde que não se retire do contexto e das condições de trabalho e de infraestrutura disponíveis. Acreditamos que não se constrói algo bom para a sociedade com base em dados falsos e desviando da realidade.  Através da tentativa de impor medo e de estabelecer prazos artificiais ao órgão ambiental, não se conseguirá aumentar a eficiência da gestão pública, ao contrário, cria-se procedimentos insustentáveis que podem destruir ecossistemas, causando impactos ambientais com perdas irreparáveis de biodiversidade e da resiliência natural de nossos diferentes biomas.

A Agapan está, como sempre esteve, aberta ao diálogo com os parlamentares e empreendedores do nosso Estado para construirmos propostas para qualificar a gestão pública. Porém, de modo algum poderemos concordar retrocessos na legislação e ataques irresponsáveis à Fepam.

As áreas naturais, as águas, o solo, o ar, a fauna e a flora, bem como a paisagem e a qualidade de vida da população, não estão à venda, portanto, é inaceitável a forma como essa Subcomissão foi instalada pela Comissão de Economia.

A história mostra que sempre que se exige agilidade apenas pela visão do empreendedor e do político vinculado a setores corporativos, a tendência é que haja  fragilização da proteção do meio ambiente com todos os riscos que isso representa. A sociedade gaúcha não pode aceitar que interesses particulares e imediatos coloquem em risco nosso patrimônio ambiental, que é nosso maior legado intergeracional.

A Agapan, entidade que há mais de 52 anos defende a preservação do meio ambiente do Rio Grande do Sul e do Brasil, lamenta que, em pleno 2023, deputados ainda não entenderam a situação em que se encontra a humanidade diante da profunda crise ambiental, simbolizada nas mudanças climáticas que desafiam todos as nações do mundo. É lamentável que o debate seja sem qualidade e orientado pelos interesses imediatos de processos econômicos irresponsáveis.

Nossa entidade alerta a sociedade gaúcha para o que pode ser encaminhado dessa Subcomissão, que, pelo visto até aqui, pretende enfraquecer ainda mais a atuação do órgão ambiental.

Quando a proteção do meio ambiente está em risco, não há possibilidade de neutralidade. A Agapan, como sempre fez, se coloca em defesa da proteção ambiental e dos órgãos que são responsáveis por aplicar a legislação e seus instrumentos, como o licenciamento, monitoramento  e  fiscalização.

No sentido de orientação futura, relembramos o artigo 225 da Constituição Federal: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Conclamamos a todas as deputadas e deputados gaúchos, assim como a toda a população do Rio Grande do Sul, empresários, trabalhadoras e trabalhadores dos setores público e privado que têm consciência do avanço da crise climática e da importância da preservação do ambiente natural, tanto pela nossa qualidade de vida, quanto pela continuidade da possibilidade de produção sustentável, que apoiem e encorajem os integrantes da Subcomissão a reverem seus conceitos, enquanto representantes do povo, no sentido de legislar pelo interesse comum, e não advogando apenas em causa própria e de interesses privados de setores aliados, o que não condiz com a atuação homens do povo. 

Porto Alegre, 17 de maio de 2023

Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN.

A VIDA SEMPRE EM PRIMEIRO LUGAR
 


Edição: Marcelo Ferreira