Rio Grande do Sul

RACISMO

Negro, jovem e tatuado: os principais fatores de suspeita policial na Região Metropolitana

Pesquisa realizada por escritório da ONU analisou a abordagem policial em territórios de Porto Alegre, Alvorada e Viamão

Sul 21 |
Pesquisa faz parte do trabalho de assistência técnica internacional que o escritório da UNODC no Brasil realizou junto com o governo do Estado, entre novembro de 2015 e fevereiro de 2023 - Foto: BM

Uma pesquisa realizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sobre a abordagem policial em seis territórios da Região Metropolitana de Porto Alegre aponta que ser negro, jovem e ter tatuagem são as três principais características que levam uma pessoa a ser considerada suspeita.

A pesquisa faz parte do trabalho de assistência técnica internacional que o escritório da UNODC no Brasil realizou junto com o governo do Estado, entre novembro de 2015 e fevereiro de 2023, para acompanhar o que se denomina como “integridade do uso da força”.

Pelo convênio firmado ainda no governo Tarso Genro, mas mantido por seus sucessores, a UNODC acompanhou a atividade policial em seis regiões que integram o Programa de Oportunidades e Direitos (POD), executado pela Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH). As regiões pesquisadas foram a Lomba do Pinheiro, Restinga, Cruzeiro e Rubem Berta, na Capital; Umbu-Salomé, em Alvorada; e Santa Cecília, em Viamão.

“Através desse processo de assessoramento, a gente criou o índice de compliance da atividade policial (ICAP), que é formado por 27 indicadores, entre eles os indicadores de morte civis decorrentes de intervenção policial e também mortes de policiais em confronto. Além desses dois indicadores, nós agregamos outros indicadores que se relacionam em boa parte com a temática da abordagem policial. Porque aqui no Rio Grande do Sul, a gente felizmente tem um nível de controle muito relevante da letalidade policial. A situação gaúcha é muito diferente, por exemplo, do Rio de Janeiro, de São Paulo ou mesmo do Paraná, para usar um estado aqui da região Sul em termos de letalidade. A nossa maior dificuldade em termos de integridade do uso da força é justamente a abordagem policial”, diz Eduardo Pazinatom, coordenador da área anticorrupção e integridade do UNODC no Brasil e especialista em segurança cidadã e compliance.

Realizada de forma virtual em 2020, em meio à pandemia, a pesquisa consistiu em um questionário com 30 perguntas enviado para os 400 policiais que atuam nesses territórios, sendo 320 militares e 80 civis. Respondendo de forma anônima, 113 policiais preencheram o questionário.

Ao serem questionados sobre quais características são compreendidas como suspeitas ao ponto de gerar uma abordagem, as características mais elencadas foram: ser negro (2,95%), ter tatuagens (2,69%), ser jovem (2,65%), ser homem (2,52%), estar com vestimenta suspeita (2,31%) e estar de mochila (2,07%).


Tabela aponta características listadas como motivo de abordagem policial / Foto: Reprodução


Além da pesquisa com os policias, a UNODC fez um trabalho com grupos focais com lideranças comunitárias e jovens de 15 a 24 anos assistidos pelos Centros da Juventude. Nos grupos focais, realizados em duas oportunidades — 2016 e 2020 –, jovens das comunidades relataram o medo de serem confundidos com criminosos por questões relacionadas à aparência.


Depoimentos de jovens que participaram de grupo focal / Foto: Reprodução


Pazinato pontua que, durante esse período de 8 anos que a UNODC acompanhou a atividade policial nas regiões, foram feitas recomendações técnicas baseadas em evidências e análise de dados e que o Estado adotou uma série de medidas que impactaram a atuação policial, como a capacitação de mais de 1,2 mil policiais que atuaram no território, um trabalho que buscou aproximar os profissionais de segurança com moradores dos bairros por meio dos Centros da Juventude.

Contudo, pontua que, apesar de avanços, ainda permanecem “desafios consistentes com o nosso racismo estrutural, com a própria fundação sócio-histórica brasileira e que também aparece na reprodução da atuação do chamado sistema de segurança pública e justiça criminal no Brasil”.

O relatório final da cooperação técnica entre a UNODC e o Estado do RS (ver ao final), no qual consta a pesquisa sobre as abordagens policiais, foi concluído no final de 2022 e os seus dados foram apresentados entre janeiro e fevereiro deste ano aos gestores dos Centros da Juventude e da SCJDH, com participação de policiais militares e civis.

A respeito das abordagens policiais, o documento apontou duas principais recomendações testadas e compartilhadas internacionalmente para mitigar os efeitos do racismo. “Um primeiro aspecto é o fortalecimento de uma estratégia estadual e integrada de policiamento de proximidade. Com isso, eu quero dizer que é importante que a Brigada Militar possa estar mais próxima das comunidades, estabelecendo uma interação relacionada a um conceito mais amplo de policiamento orientado à resolução de problemas, que é na verdade o policial atuando como um cuidador daquele território em que atua. Um cuidador no sentido mais amplo da palavra, que acaba conectando outros serviços públicos muitas vezes distantes daquela comunidade, inclusive pelas situações de violência e crime”, diz Pazinato.

A segunda recomendação diz respeito à manutenção da elaboração dos dados relacionados à integridade do uso da força e para que sejam publicizados com a mesma periodicidade dos demais indicadores criminais. “Isso é uma uma evolução que eu diria muito acelerada nos últimos seis anos no Estado do Rio Grande do Sul, que é o emprego de evidências para o monitoramento da política de segurança e a necessária transparência e publicidade desses indicadores criminais de uma forma periódica, inclusive como um mecanismo pedagógico de cumprimento ao princípio constitucional da publicidade, porque a gente está falando de política pública de Estado que deve ser fortalecida justamente pela característica de atingir a toda coletividade”, afirma.

A respeito da transparência dos dados, Pazinato saúda o fato do Estado, por múltiplos governos, ter participado do trabalho e concordado com a divulgação dos dados encontrados.

Ele explica que todo o trabalho e as recomendações da UNODC estão baseados no Marco Internacional do Uso da Força, documento que compila uma série de normas e diretrizes internacionais sobre a integridade do uso da força.

Redução de crimes letais

O relatório apontou ainda que, durante o período de 2015 a 2022, o município de Porto Alegre apresentou uma redução de 79,3% nos índices dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Levando em conta apenas os territórios acompanhados pela UNODC, foi registrada a redução de 62,5% desses crimes no bairro Lomba do Pinheiro, 74% na Restinga, 70,8% no Rubem Berta e 53,8% no Santa Tereza, onde está localizada a Vila Cruzeiro.

Em Alvorada, a redução foi de 60,9% entre os anos de 2015 e 2022. Já no bairro Umbu-Salomé, houve aumento de 62,5% entre 2015 e 2021. Em Viamão, foi registrada queda de 47,2% no Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) entre 2015 e 2021, com o bairro Santa Cecília apresentando uma questão 62,5%.

Em geral, os indicadores de Porto Alegre e das regiões analisadas tiveram um pico em 2016 (774 homicídios em Porto Alegre), caindo gradativamente desde então.

Já os indicadores de mortes de civis decorrentes da intervenção policial permaneceram relativamente baixos nas seis regiões analisadas durante o período. O maior número de mortes pela polícia foi de 3, registrados na Vila Cruzeiro (em 2021) e na Lombra do Pinheiro (2022). O bairro Santa Cecília não registrou mortes de civis pela polícia durante todo o período e Umbu-Salomé registrou duas, todas em 2022.

“São bairros com maior conflagração, com maior concentração de homicídios de civis, de crimes violentos letais intencionais. São áreas de complexa intervenção. Mesmo nessas áreas, nós temos uma redução da letalidade”, diz Pazinato.

Veja a pesquisa completa neste link.

Edição: Sul 21