Rio Grande do Sul

Coluna

O veranico de maio em 2023

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´Amanhã vai ser outro dia´, cantava Chico Buarque lá atrás, anunciando futuro e esperança - Foto: Diangela Menegazzi e Eduarda Renostro Zachi
A boa luta, com amorosidade, com diálogo, com participação e unidade popular, haverá de triunfar

No Rio Grande do Sul, chega o mês de maio e acontece o que chamamos de ´veranico de maio´. São duas ou três semanas, em meio ao outono, em que costuma predominar o sol, com temperaturas variando entre 15 e 30 graus, agradáveis para o Sul do Brasil nesta época do ano. Amanhece às 7h da matina, o sol baixa a partir das 17h e escurece às 18h.

Em tempos idos, isto é anos 1950/1960, o mês de maio era o momento certo para colher a soja, que estava no ponto. E não se podia perder tempo nem deixar ela pegar qualquer chuva. A família inteira se reunia, em Santa Emília, Venâncio Aires, ia pra roça todo mundo junto o dia inteiro. Facão, foice, as próprias mãos, tudo era usado para encher as carroças e levar a soja para os galpões. Parentes ajudavam parentes, vizinhos ajudavam vizinhos e assim tudo acabava dando certo. Não lembro de se ter perdido nenhum quilo de soja por falta de cuidado ou de trabalhar no tempo e na hora certa, se preciso manhã, tarde, noite, até madrugada. Para agricultores familiares, como papai Léo, mamãe Lúcia, tia Leonida, avó Gertrudes e todos mais da comunidade, era decisivo o mutirão, para sobreviver o resto do ano com a venda da soja, e poder alimentar a família numerosa. Nas semanas seguintes, junho, chega o inverno, trazendo o frio, a chuva, a geada, as ventanias, e até a neve em alguns momentos e lugares mais montanhosos.

Estamos em 2023 e estou em Santa Emília. Hoje, a família não planta mais soja. São tempos de cultivar para a Feira do Produtor todas as semanas: hortifrutigranjeiros de todos os tipos, frutas e os bons e gostosos alimentos, adequados e saudáveis, que a cultura centenária, especialmente a alemã, ensinou aos meus irmãos mais novos, que continuam trabalhando na roça, assim como muitos dos parentes e vizinhos.

Estou por aqui, aproveitando o sol e o calor generoso, e penso no Brasil e no mundo. Quem dera que o veranico de maio estivesse acontecendo em todos os lugares e a gente pudesse ter a certeza de atravessar bem o inverno, que está por chegar!

Lula acabou de voltar da reunião do G7 no Japão. A guerra entre Rússia e Ucrânia, que pode vir a ser nuclear e mundial, como anunciou e denunciou Lula de novo em sua viagem, continua. Não há paz à vista, apesar de todos os seus esforços e diálogo.

Na América Latina, as turbulências políticas continuam presentes em muitos lugares, a ultradireita espalhando ódio e intolerância, sem enfrentar a desigualdade econômica e social, com a violência presente no cotidiano das pessoas, famílias e comunidades, especialmente nas periferias das grandes cidades.

No Brasil não está sendo fácil (re)implantar as boas políticas públicas de décadas anteriores, fazer acontecer o PPA, Plano Plurianual Participativo, na esperança de um OP, Orçamento Participativo logo ali adiante. As Conferências, especialmente as Livres, como a de Saúde, a de DDHH, Direitos Humanos, de Soberania e Segurança alimentar e nutricional, acontecem por iniciativa de movimentos sociais, ONGs, setores de Igrejas e Pastorais, tentando dar um pouco de alimento, adequado e saudável, respeito e dignidade, especialmente para os mais pobres entre os pobres, e assim a esperança possa de novo acontecer.

A Frente contra a Fome e a Sede está organizando os PPSSANs, Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que incorporam no debate e na construção das políticas públicas os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Solidárias e Comunitárias, as Hortas Comunitárias e tantas boas iniciativas surgidas nos últimos anos na base popular, para resistir e organizar o povo. Quem anda nas ruas das cidades é abordado quase em cada esquina por alguém vendendo balas e biscoitos para ganhar um dinheirinho para sua família, ou pessoas que pedem 1 real, porque sua família está passando fome ou o desemprego bateu à porta.

São mais tempos de inverno rigoroso e implacável que de outono e veranico de maio generosos.

Menos mal que, dando um sentido geral e especial de indignação, coragem, solidariedade e luz ao veranico, o Brasil e o mundo, de forma praticamente unânime, condenaram os atos e cantos racistas contra Vini Jr., jogador brasileiro do Real Madrid da Espanha, mostrando os punhos cerrados nos jogos, gesto de Vini Jr. quando faz um gol. Sinal dos tempos!

Não está sendo fácil, nem será fácil este veranico de maio se consolidar, e poder superar o inverno da fome, do frio, dos direitos destruídos, da desigualdade, da violência, da democracia em frangalhos. A boa luta, com amorosidade, com diálogo, com participação e unidade popular, haverá de triunfar. ´Amanhã vai ser outro dia´, cantava Chico Buarque lá atrás, anunciando futuro e esperança. Ou nas palavras e versos de um poema meu, publicado no jornalzinho do Grupo Peregrinos, da Pastoral da Juventude, em fevereiro/março de 1980: “LUTADORAS, LUTADORES./ No entanto,/ minha irmã, meu irmão,/ não dobramos o corpo,/ não apagamos a luta./ A MANHÃ PERTENCE AO POVO.”/

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko