Rio Grande do Sul

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Ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer

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"Encontros, poesia, arte, afeto e cuidado formam uma rede que sustenta nossa existência" - Reprodução obra de Leonid Afremov
A alegria do dia a dia é o respiro que nos impulsiona a seguir caminhando

Um dia uma mancha surgiu nas costas da minha mãe. Era uma ferida irregular que levou o médico a suspeitar de um possível melanoma, um tipo de câncer de pele. A notícia foi assustadora. Ao ler artigos em revistas de dermatologia, descobri que um melanoma com aquele diâmetro indicava um estágio metastático da doença. O caos se instalou. Toda a minha família ficou apreensiva, aguardando ansiosamente pelos resultados da biópsia, que pareciam cada dia demorar mais para chegar.

Num momento de extrema angústia, meu avô de 87 anos sorriu e me disse: "O que seria da vida se não houvesse esperança?". Essa frase trouxe consigo uma interrogação que desafiava uma falsa certeza, a certeza do pior. Fiquei intrigado com a pergunta, pois percebi que, quando estamos com medo e assustados, tendemos a pensar no cenário mais assustador possível. No entanto, o resultado negativo da situação trouxe alívio para todos nós. Foi nesse momento que o jargão popular "viver não é para amadores" surgiu em minha mente.

Viver não é algo fácil. Ao longo da vida, somos constantemente confrontados com a realidade. Ah, se fosse possível respirar apenas sonhos! Mas não, enfrentamos diariamente situações frustrantes, dores e perdas. A vida é desafiadora. É o pagamento de contas, a resolução de problemas, é lidar com erros de comunicação, incertezas e tudo mais que nos tira da ilusão mítica de paz.

Ao ler o fascinante livro “Tudo é Rio” da talentosa jornalista e publicitária Carla Madeira, me deparei com um trecho que me chamou atenção: “(Aurora) aprendeu que a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho. Tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece”.

Ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer! A vida, por si só, já se ocupa de mostrar que a realidade chega quando quer e acaba com essa ficção que construímos em nossa mente para conseguirmos sobreviver. Nossa tentativa de criar uma bolha protetora é constantemente desafiada. Alojamos o real na palavra e tentamos lidar com ele. 

As más notícias chegam, arrebentam a porta e nos empurram para debaixo do sofá. Viver é estar em constante reconstrução. E é no encontro com o outro que reunimos os cacos que restam. O colo de um amigo, o abraço de um familiar, o conselho de um avô.

No livro, também há o trecho: “o que a gente tem que buscar é a alegria, essa se esconde delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada”.

A alegria do dia a dia é o respiro que nos impulsiona a seguir caminhando. Encontros, poesia, arte, afeto e cuidado formam uma rede que sustenta nossa existência. É essencial nos cercarmos de pessoas que compreendam que ninguém tem que ajudar ninguém a sofrer. Pelo contrário, que o encontro conosco seja um conforto para aqueles que caminham ao nosso lado.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko