Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Comissão da Câmara pede mais uma vez a paralisação das obras no Parque da Harmonia

Arquiteto responsável pelo projeto inicial denuncia que reforma do parque na orla da Capital não segue projeto original

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Arquiteta autora do Estudo de Viabilidade Urbanística, Eliana Castilhos também afirma que o projeto que está em implantação não é o aprovado - Foto Ferrnando Antunes - CMPA

Depois de uma tarde de debates sobre a obra em andamento no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia), na terça-feira (11), o vereador Aldacir Oliboni (PT) propôs à Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Vereadores de Porto Alegre a realização de uma audiência pública para tratar do projeto e continuar o diálogo com o governo municipal e a empresa executora, a Gam3 Parks. As obras no local estão causando indignação em ambientalistas e parlamentares, devido à intensa interveção na natureza, o que pode prejudicar animais da região.

Durante a reunião da Corsam, o vereador José Freitas (Republicanos) destacou que a comissão reforçou o pedido de interrupção das obras junto ao Ministério Publico. Participaram ambientalistas, pesquisadores, representantes da empresa e do governo de capital gaúcha.

Em defesa do projeto falou o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm. Ele afirmou que a obra “é um projeto de qualificação de uma área simbólica da cidade, que infelizmente, era aproveitada apenas em um período”, em setembro, com a realização do Acampamento Farroupilha.

A diretora administrativa da GAM3, Carla Deboni, fez uma apresentação sobre o contrato de concessão e a documentação relativa às obras do parque. Ela afirmou que são demandadas alterações quando se passa do projeto básico para o executivo, e que o projeto executivo teve “adequações que não desrespeitam as diretrizes” do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) aprovado no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).

Carla disse que a empresa teve autorização para a retirada de 435 vegetais, e que 103 árvores foram retiradas. Ela destacou que toda a compensação vegetal será feita dentro do Parque Harmonia, e que o “clarão” em parte do parque não afeta a “reservinha”, área cercada de preservação.

"Habitat dos animais está sendo destruído"

Paulo Brack, professor do departamento de Botânica da Ufrgse diretor do Instituto Gaúcho de Estudos Ambentais (InGá), disse que “pelas imagens aéreas, cerca de 70% da área verde do parque foi devastada”, e que “o habitat dos animais está sendo destruído”. Ele citou estudo que aponta que o parque conta com 85 espécies de aves, e que cinco delas não existem em outros parques. “Não sabemos a situação da fauna, e que destino as espécies terão”, disse. Ele afirmou que “a maior responsabilidade é da Smamus, porque não houve licenciamento ambiental”. 

A arquiteta responsável pelo EVU das obras no Parque Harmonia, Eliana Castilhos, afirmou que “o projeto que está em implantação não é o projeto aprovado”. Eliana disse que as alterações não foram autorizadas por ela, e que isso contraria a legislação. A arquiteta afirmou que as modificações não são apenas de acessibilidade ou de evolução do projeto básico, conforme dito pela empresa. Ela disse que “houve alteração indevida do projeto” e cobrou que a Gam3 Parks exponha o projeto que está sendo executado.

Não segue o projeto original

Aliás, a denúncia de que a reforma em andamento no Parque da Harmonia não segue o projeto original aprovado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor foi feita pelo arquiteto Alan Cristian Furlan, ex-diretor do consórcio Gam3 Parks, e responsável inicial pelo projeto. Conforme ele, o consórcio modificou o projeto sem consultar os autores, realizando aterramento e nivelamento da área onde havia previsão de respeito à topografia e arborização originais do parque. Ele fez uma denuncia formal ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), mas o estrago maior já foi feito: a área já foi terraplanada e 103 árvores foram derrubadas.

O projeto foi aprovado em setembro do ano passado pelo o CMDUA,  tendo por base o EVU elaborado por Furlan e pela arquiteta Eliana Castilhos. A assessoria de imprensa do consórcio afirmou que “Furlan é um ex-diretor, que não representa a companhia, pois está em conflito societário". Disse ainda que "toda a legislação está sendo rigorosamente cumprida".

Já o presidente do CAU, o arquiteto Tiago Holzmann, recorda que foi somente após muita discussão que o projeto foi aprovado pelo CMDUA, que é um ambiente super rigoroso nessa discussão técnica e política e que foi licenciado pelo município. Conforme ele, se estiverem executando algo diferente do projeto original é grave. "O município tem que fiscalizar para que seja executado o que ele licenciou", disse.

Para Holzmann, o caso ganha mais gravidade em função da relevância do projeto e de toda a polêmica que cercou a concessão da área pública. “Além da barbaridade que estão fazendo, cortaram as árvores, vão asfaltar o parque. Vai absolutamente contra qualquer conceito de parque que possamos encontrar em qualquer lugar."

O prefeito Sebastião Melo (MDB), em entrevista à Rádio Guaíba na quinta-feira (6), defendeu a continuidade das intervenções, que, de acordo com ele, já haviam sido previstas no projeto. O vereador Aldacir Oliboni, Cosmam, afirma que a comissão exige respeito à legislação e ao meio ambiente. "Se nem o arquiteto autor do projeto original concorda com as modificações feitas pela empresa sem sua autorização, estamos diante de um fato grave", avalia o vereador.

Ameaça às aves silvestres

Um estudo realizado entre junho de 1988 e junho de 1999 comprova que 85 espécies de aves nativas que vivem no parque terão o seu habitat destruído. Conforme trecho do estudo assinado pelos pesquisadores Adriano Scherer, Scherezino Barboza Scherer, Leandro Bugoni, Leonardo Vianna Mohr, Márcio Amorim Efe e Sandra Maria Hartz, o parque com área total de 400.000 m² "possui uma variada diversidade de ambientes, como um pequeno banhado, mata nativa de restinga, mata de eucalipto, praia e campos, este último com maior predominância".

O estudo fez parte do projeto “Ecologia e Distribuição da Avifauna dos Parques de Porto Alegre”, vinculado à Associação Brasileira para Conservação das Aves (PROAVES), ao Centro Nacional de Pesquisa para Conservação das Aves Silvestres (CEMAVE) e à então Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM), e teve como objetivos caracterizar a avifauna presente nos principais parques da de Porto Alegre.

Elaborado entre junho de 1998 e junho de 1999, o estudo contou com o total de 106 visitas e 644 horas de observação e captura em oito parques da cidade: Farroupilha (Redenção); Moinhos de Vento; Saint’Hilaire; Marechal Mascarenhas de Moraes; Parque Marinha do Brasil; Chico Mendes e Harmonia.

O professor Paulo Brack pontua que com o corte inicial de 435 árvores, "os campos quase todos desaparecem, deixando quero-queros, pica-paus-do-campo, sabiás, joão-de-barro, caturritas, outras dezenas de espécies, incluindo gambás, sem habitat e sem alimento”.

Na semana passada, a preocupação com o futuro do Harmonia levou a Cosmam e o InGá a pedirem ao prefeito Sebastião Melo e ao Ministério Público Estadual (MPE) a paralisação das obras, porém até o momento não foram atendidos.

Com relação às aves, Smamus alega que uma área denominada de “reservinha” não está sendo afetada pelas obras e serviria como refúgio e proteção das aves.

A explicação não é bem aceita pelo professor. Brack diz que o Harmonia tinha espécies de aves espalhadas pelo parque, não só na reservinha, incluindo aves de campo – campo que agora não existe mais. “Não há previsão de nenhum procedimento de proteção à avifauna. Uma gravíssima omissão da Smamus que licenciou a obra”, critica.

* Com infomações da Câmara Municipal e Sul21


Edição: Marcelo Ferreira