Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Justiça defere liminar para suspensão imediata das obras no Parque Harmonia

Decisão atende a uma ação popular que aponta o prejuízo das obras à fauna e flora do local

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Na ação os autores sustentam a ocorrência de diversos danos ambientais, paisagísticos e ao patrimônio cultural - Foto: Gabriel Poester

A 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, deferiu, neste domingo (30), uma liminar para suspensão das obras em andamento no Parque Harmonia, objeto da concessão da Prefeitura de Porto Alegre à empresa GAM3 Parks SPE S.A. Assinado pela  juíza Gabriela Dantas Bobsin, a decisão é resultado de ação popular impetrada por Vera Moema Behs, Montserrat Antônio de Vasconcellos Martins, Marcelo Sgarbossa, Lígia Maria de Faria Miranda, Karin Potter, João Telmo de Oliveira Filho, Jefferson Magueta Trevisan, Helena Barreto dos Santos, Guilherme Valls Darisbo e Alda Terezinha Lopes Miller.

Na ação os autores sustentam a ocorrência de diversos danos ambientais, paisagísticos e ao patrimônio cultural perpetrados pela concessionária ré no Parque Harmonia, bem como a omissão do município de Porto Alegre em fiscalizar. Alegam que as obras realizadas no local extrapolam o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA).

:: Ministério Público de Contas pede ao TCE auditoria urgente das obras no Parque Harmonia ::

Na decisão a magistrada afirma que os fatos noticiados pelos autores são gravíssimos e estão amparados por evidências de que a iniciativa privada, com a permissão do município, promove verdadeira devastação em área do conhecido "Parque da Harmonia", que conservava até então substancial número de espécies arbóreas e fauna que igualmente necessita ser alvo de proteção. 

"De todo o reunido na inicial, verifica-se que as intervenções que deveriam ser mínimas conduzirão praticamente à extinção de 1/3 das árvores do Parque da Harmonia, já que está previsto sejam extirpadas mais de 400 árvores do local, além de obras de arte e do acervo histórico e cultural porto-alegrense, patrimônio imaterial irrecuperável, sem contar que desalojada a fauna ali presente e que se valia da vegetação para a sobrevivência, no rigoroso inverno. Não se tem notícias das providências quanto à fauna, pois das fotos do "canteiro de obras" não se visualiza a existência de pessoas especializadas catalogando ou removendo os espécimes para local seguro e não se tem notícia de que o que resta do parque seja suficiente para os espécimes que sobraram”, expõe o documento. 

O texto ainda cita a declaração feita pela arquiteta autora do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), Eliana Castilhos, em Sessão da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam), no dia 11 de julho. “O projeto em implantação não é o que foi aprovado. Não é uma mudança, são várias. E não foram autorizadas. A legislação pede que sejam autorizadas por escrito pelo autor e isso não foi respeitado.”

:: Entidades protestam contra corte de mais de 400 árvores no Parque Harmonia, em Porto Alegre ::

Assim como reportagem do Sul 21, em que o professor do departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Coordenador-Geral do Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, declarou: “Inicialmente 435 árvores estão sendo cortadas de imediato, os campos quase todos desaparecem, deixando quero-queros, pica-paus-do-campo, sabiás, joão-de-barro, caturritas, outras dezenas de espécies, incluindo gambás, sem habitat e sem alimento”. 

Ao que tudo indica destaca a juíza, o "Parque da Harmonia se encaminha para a extinção, a pretexto de cumprimento de concessão pública para transformação e descaracterização completa da área verde que integra patrimônio da sociedade porto-alegrense, piorando sobremaneira a qualidade do ar, a refrigeração no local pela substituição excessiva do verde natural por materiais artificiais e combinados, degradando a fauna silvestre”.

Por fim a magistrada, aponta que "a única alternativa para o momento, quando já se acumulam danos perpetrados a olhos vistos da população, é o embargo da obra, pelo menos até que aportem esclarecimentos suficientes no sentido de que está ocorrendo o manejo adequado e responsável da área por parte da concessionária, na medida em que há muita probabilidade do direito alegado pelos autores, além do perigo de dano na continuação das intervenções”. 

Neste link a decisão completa. 

Na última quinta-feira (27), o Ministério Público de Contas (MPC) protocolou representação junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) pedindo uma auditoria urgente sobre as obras no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Parque Harmonia, em Porto Alegre. Assinado pelo procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino, o documento cita questionamentos apresentados por vereadores, entidades civis e particulares, denotando o impacto social que tem suscitado o debate em torno do tema.

“A partir dos elementos disponíveis, ainda que não permitam aferir com segurança a extensão das supostas irregularidades na execução do Contrato de Concessão, o relato de que o projeto original fora alterado e que destoa das diretrizes iniciais fixadas pelo Poder Público municipal, parece corroborar, em certa medida, as alegações e indicativos de que estaria havendo a desfiguração da área como parque”, destaca trecho do documento.

Movimento Tradicionalista defende as obras

Conforme matéria do jornal Correio do Povo, entidades tradicionalistas realizaram um ato na manhã deste domingo, na Rótula das Cuias, junto ao Parque Harmonia. Eles defendem a continuidade dos trabalhos de construção do Parque da Orla para a realização do Acampamento Farroupilha. O ato, que terminou com uma caminhada e cavalgada, teve ainda a presença de autoridades como o vice-prefeito Ricardo Gomes, secretários, vereadores, representantes dos piquetes e da GAM3 Parks, concessionária administradora do parque.

Segundo o presidente da Associação dos Piquetes do Parque da Estância da Harmonia (Aspergs), Vanderlei Avila, "o Ministério Público já fez uma vistoria aqui com a bióloga da concessionária GAM3 Parks, e viu que está tudo certo. Acontece que eles [ambientalistas] estão minando muito, e agora a questão está tomando um corpo muito maior. O novo incomoda muita gente”, disse

Na sua opinião, “o parque está ganhando uma outra cara, com drenagem e acessibilidade nunca vistas”. “Nossa mobilização é justa. A parte das obras no Acampamento está pronta, falta só compactar o solo. Estamos bem engajados com advogados renomados de Porto Alegre, tradicionalistas, e um deles se prontificou a entrar com processo contra estes que estão minando a situação de forma ilegal”, disse Avila.

Já a presidente da Comissão Municipal dos Festejos Farroupilhas, Liliana Cardoso, discursou aos presentes dizendo que o Acampamento nunca foi realizado derrubando árvores, mas construindo os galpões em torno delas. “Reconhecemos a luta de cada um destes piquetes. Uma drenagem que não se termina por conta da inundação do parque vai sim afetar nosso Acampamento”, afirmou ela, acrescentando que a paralisação dos trabalhos no Harmonia é “um desrespeito” às 232 famílias que se inscreveram para construir piquetes durante a realização do evento, que ocorre em setembro. 

Movimento Salve o Harmonia lança nota sobre a suspensão das obras

Quanto à liminar concedida pela juíza da 10ª Vara de Justiça, deferida no último domingo, que determinou a suspensão imediata das obras no parque, atendendo à ação popular impetrada por membros da sociedade civil que veem se somando às diversas frentes que estão fazendo o enfrentamento à destruição do Parque Harmonia, consideramos que é importantíssima a decisão. Os danos à natureza e ao patrimônio público já são irreversíveis e ultrapassam de longe a possibilidade de recuperação da área por décadas.

É inédito que a Prefeitura de Porto Alegre tenha concedido licença para cortar cerca de 1/3 da arborização de um parque. Não há qualquer justificativa que embase tal decisão. Não há, também, qualquer argumento que isente um estudo de impacto ambiental, em especial à fauna, onde viviam 85 espécies de aves, incluindo o pássaro símbolo do Rio Grande do Sul, quero-quero, diante de um projeto de tamanha intervenção e tratores.

Constatamos que mais de 70% da vegetação do local virou terra nua, cimento ou barro, indicando que o espaço será utilizado para os mais variados fins, a maioria deles de caráter privado, que fogem da finalidade de nossos parques e áreas verdes públicas.

Por fim, defendemos a realização da Semana Farroupilha no Parque Harmonia. Mas, da forma como estão acontecendo as obras, o próprio evento será descaracterizado. Lembrando que sempre fez parte das tradições gaúchas, em suas manifestações artísticas, o culto do amor à terra e à natureza. Em 1995, por exemplo, a sexagenária Estância da Poesia Crioula (EPC), órgão que reúne poetas e prosadores regionalistas, encaminhou ofício ao Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) opondo-se à construção no parque do chamado “Centro Cultural de Eventos”, temendo pela descaracterização do Harmonia.

Movimento Salve o Harmonia

Porto Alegre, 31 de julho de 2023


Edição: Katia Marko