Rio Grande do Sul

DIREITO À MORADIA

Há dois meses ocupação Sepé Tiaraju resiste em Porto Alegre

Ocupação nasceu em um momento que o déficit habitacional no Rio Grande do Sul atinge a mais de 220 mil famílias

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Cerca de 80 famílias de bairros periféricos da Capital que sofrem com a falta de moradia digna ocuparam um prédio federal abandonado há mais de cinco anos - Foto: Jorge Leão

“Eu morava no Interior e vim para Porto Alegre. Eu não conhecia esse movimento, o MLB. Cheguei em Porto Alegre, conheci eles, me acolheram. Fui conhecendo mais e se tornou uma família, bem dizer, se apoiando um ao outro e sempre me apoiaram também”, afirma a indígena da etnia Kaingang Noemi de Oliveira, ao falar sobre os dois meses da ocupação Sepé Tiaraju, nas proximidades do centro de Porto Alegre. 

:: Ocupação Sepé Tiaraju em Porto Alegre completa um mês sob ameaça de despejo ::

A história da ocupação teve início na madrugada do dia 27 de junho, quando cerca de 80 famílias de bairros periféricos da Capital que sofrem com a falta de moradia digna, ocuparam um prédio federal abandonado há mais de cinco anos. Organizados pelo Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), os novos moradores batizaram o local de Ocupação Sepé Tiaraju.


"Está sendo muito útil, eles também pensam em todos, não só neles. Pensam em nós indígenas, negros, sobre a questão da moradia, quem não tem casas”, afirma Noemi / Foto: Jorge Leão

O prédio, que levava o nome de Edifício Alles, tem 2,3 mil metros quadrados e era usado pela Emater, ligada ao Ministério da Agricultura. Em 2022, chegou a entrar em um feirão de imóveis lançados pela União, em que o governo não dava valor de venda, mas aguardava por propostas de possíveis interessados.

Vinda de Nonoai, Noemi conta que a volta dela para a Capital se deu pelas dificuldades no Interior. “Lá no Interior, quando a gente sai para vender os artesanatos, a gente fica posando nas rodoviárias, embaixo de uma ponte, dormindo mal. Às vezes não tem com quem deixar as crianças, os filhos. Como eu criei meus filhos sozinha, não tinha lugar, não tinha espaço. Mas aqui tem, o MLB me acolheu, deram espaço pra eu ficar com a minha família e vender meu artesanato”, relata a indígena. Segundo ela, o movimento está fazendo um projeto para os indígenas que vêm do Interior vender seus artesanatos ter um lugar para ficar. 

“Às vezes o pessoal não consegue vender tudo aquele dia, e eles têm que voltar meio logo, porque tem os filhos que ficam no colégio, estudando. Esse aqui é um espaço que eles estão abrindo para nós também colocar nossas coisas. Está sendo muito útil, eles também pensam em todos, não só neles. Pensam em nós indígenas, negros, sobre a questão da moradia, quem não tem casas”, conclui. 

Conforme aponta o coordenador Nacional do MLB, e também coordenador da ocupação e morador da mesma, Luciano Schafer, a reivindicação do movimento é sempre pela melhoria de vida do povo brasileiro, a luta pela reforma urbana e pelo socialismo. “Acreditamos que espaços como esses, que estejam abandonados, devem ser destinados à moradia popular, que é justamente o contrário de que os governos aqui do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre estão fazendo, leiloando alguns espaços, entregando para a iniciativa privada, para a burguesia. Então a gente faz essa reivindicação de destinar todos esses prédios para a moradia popular”, afirma

De acordo com o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Porto Alegre teve um aumento expressivo no número de domicílios. Em 2010, a cidade tinha 574.831 domicílios particulares permanentes. Já em 2022, foi de 686.414, dos quais 558.151 estão ocupados, 101.013 estão vagos e 27.250 são de uso ocasional. Em 2010 o número de domicílios vagos era de 48.934. 

:: Por direito à moradia, famílias ocupam prédio abandonado há cinco anos ::

Conforme ressalta o MLB, a ocupação nasceu em um momento que o déficit habitacional no Rio Grande do Sul atinge a mais de 220 mil famílias. O estudo ‘Déficit Habitacional e Inadequação de Moradias no Brasil’, publicado em 2021 pela Fundação João Pinheiro (FJP), mostra que o déficit é de 220.927 domicílios no estado. Destas, 65.275 vivem em habitação precárias, 34.073 em coabitação e 121.579 em ônus excessivo com aluguel.


"Hoje nós podemos dizer que mantemos uma alimentação pra quem mora aqui, dignidade para as famílias que estão vivendo aqui", afirma Carlos Vieira / Foto: Jorge Leão

“Há um pouco mais de dois meses nós estamos nesse prédio que estava sem cumprir sua função social, abandonado, e foi dado vida a ele, limpeza, estruturação, funcionamento. Hoje nós podemos dizer que mantemos uma alimentação pra quem mora aqui, dignidade para as famílias que estão vivendo aqui. A gente faz assembleia semanal, tem capoeira, brinquedoteca, tem espaço para as crianças, tem condições de manter as pessoas com os direitos básicos. E fundamentalmente agora a gente tem contado com os apoios que vão chegando com os que são parceiro da luta social”, afirma o integrante do movimento e da ocupação Carlos Vieira. 

“Não é só conquistar direitos ou ter o direito à moradia. Mas é também possibilitar que as pessoas tenham uma vida com dignidade e conquistem aquilo que está no Estatuto das Cidades, na Constituição Brasileira, que é o direito de viver e ter acesso à aquilo que muitos dizem que é benefício, mas que na verdade significa só ter dignidade”, conclui.

Sepé Tiaraju

O nome escolhido para a ocupação resgata o legado do líder indígena e revolucionário Sepé Tiaraju, que conforme destaca o movimento, lutou contra os reinos de Portugal e Espanha, resistindo à invasão das terras brasileiras pertencentes aos povos originários.


O nome escolhido para a ocupação resgata o legado do líder indígena e revolucionário Sepé Tiaraju / Foto: Jorge Leão


Edição: Katia Marko