Rio Grande do Sul

ACESSO AO ENSINO

Pré-vestibular no Quilombo Flores busca recursos para garantir transporte de estudantes

Iniciativa inédita organizada em conjunto com a Ufrgs, curso preparatório gratuito está com inscrições abertas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
As aulas ocorrem na própria sede do quilombo, no bairro Glória, em Porto Alegre - Foto: Divulgação

Com o propósito de garantir o acesso ao Ensino Superior para quilombolas e não-quilombolas de Porto Alegre e da região Metropolitana, a comunidade do Quilombo Flores, no bairro Glória, em Porto Alegre, organizou uma iniciativa inédita em conjunto com a Ufrgs.  O Curso Pré-Vestibular Popular Quilombo Flores está em atividade desde 21 de junho e segue até o final do ano, com uma sistemática voltada tanto para aqueles que pretendem ingressar na universidade quanto para as pessoas que desejam retomar os estudos.

Como as aulas ocorrem na própria sede do quilombo, a comunidade está arrecadando recursos para garantir transporte de ida e volta dos estudantes. A ação também visa melhorar a infraestrutura do espaço no qual são realizadas as aulas, como construção de biblioteca, livros didáticos e equipamentos para a sala de aula. Até o dia 16 de agosto ainda são aceitas novas inscrições.

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As aulas ocorrem às quartas-feiras, das 17h30 às 21h, e são divididas em 13 módulos abordados em provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do vestibular da Ufrgs.  O curso conta com dez professores e quatro monitores – que atuam de forma totalmente voluntária. Atualmente, somente cinco das 25 vagas disponíveis estão preenchidas com alunos regulares.

A inspiração para colocar o projeto em prática partiu da líder quilombola Geneci de Lourdes Flores da Silva, que nasceu e cresceu no local. Ao observar que muitos da comunidade também não tiveram a oportunidade de concluir o Ensino Médio e ingressar na universidade, ela levou a ideia ao Núcleo de Estudo em Geografia e Meio Ambiente (Nega) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

“Faz 21 anos que terminei o Ensino Médio e não fui para frente devido a diversas dificuldades, como horário e tempo, e acabei não indo para a universidade.  Como eu sou muito comunicativa e vivo na periferia, vejo alguma dificuldade em pessoas mais velhas de retornar aos estudos. Como o quilombo é um acolhimento, eu tive a ideia: porque não acolher também o público em geral? Como nós já temos um vínculo com o Nega, eu passei essa ideia e se reuniram e resolveram adotar”, relata.

Ela conta que o ambiente do quilombo facilita o diálogo e o esclarecimento de dúvidas, principalmente para as pessoas mais velhas – que eventualmente se sentem desconfortáveis nas salas de cursos de pré-vestibular normalmente repletas de jovens. “Fizemos uma lista de chamada para os professores que queriam participar de uma maneira social e uma seleção dos alunos que estavam dispostos e que têm alguma dificuldade. As pessoas mais velhas geralmente têm vergonha de frequentar um curso particular por ter mais jovens”, conta Geneci. 

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Conforme relata a educadora popular, mestre em Educação e doutoranda no Nega Catarina Machado, o projeto partiu de pesquisas realizadas junto aos territórios quilombolas na área urbana de Porto Alegre e no território gaúcho.

“No início do ano a Geneci trouxe esse pedido, que identificamos como uma demanda, seja pela conclusão do Ensino Médio como para o vestibular da Ufrgs. Fizemos essa escuta e vemos muitos jovens e pessoas mais velhas não conseguem frequentar o pré-vestibular, tanto pelo horário como pelo custo”, destaca.


Curso conta com dez professores e quatro monitores, que atuam de forma totalmente voluntária / Foto: Divulgação

Dificuldade de deslocamento de estudantes

A dificuldade de deslocamento é a principal dificuldade de manter a regularidade dos alunos, conforme relata Geneci. Muitos inscritos que demonstraram interesse e participaram das primeiras aulas são de regiões distantes da Capital e até de outras cidades da região Metropolitana.

“Muitos desistiram porque não conseguiam chegar a tempo das aulas. Por esse motivo resolvemos abrir novas inscrições para essas 20 vagas e fazer uma campanha para melhorar o espaço e deixar os alunos mais confortáveis”, afirma a líder quilombola.

Catarina Machado ressalta que o Nega realiza um acompanhamento da localização e da contexto social de cada realidade em que o aluno vive. Essa amostragem auxilia na identificação das principais necessidades a serem contempladas.

“Estamos acompanhando e monitorando e temos todo o levantamento dos alunos e da realidade de onde eles vêm. Nos primeiros dias de aula, tinha alunos que vieram de muito longe e eles começaram a desistir. Fizemos uma entrevista com eles para entender o porquê e descobrimos que foi a falta de recurso para se deslocar”, destaca Catarina.

O Quilombo Flores é uma das 11 comunidades quilombolas existentes em Porto Alegre. O local existe há mais de seis décadas como um símbolo da reafirmação da ancestralidade e reivindicação por pertencimento territorial no bairro Glória.

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Edição: Marcelo Ferreira