Efervescência cultural, símbolo de luta e resistência nas periferias do país, o movimento hip-hop completa 50 anos nesta sexta-feira (11). Nascido no bairro do Bronx, nos Estados Unidos, num contexto de desemprego, miséria e profunda transformação do espaço urbano de Nova York, o hip-hop tornou-se uma incisiva arma social que traduziu, a partir das expressões artísticas, os problemas estruturais das populações negras e periféricas dos EUA.

No Brasil, o movimento ganhou força em São Paulo, principalmente com Os Racionais MC´s, fundado em 1988. As músicas do grupo de rap denunciavam a destruição da vida de jovens negros e pobres, o racismo e a violência do estado. Os Racionais inauguram a primeira onda do hip-hop no país.

Cinco décadas depois, iniciativas no campo das políticas públicas estão surgindo para fortalecer o hip-hop. No Rio de Janeiro, a deputada estadual Dani Monteiro (Psol) criou a Frente Parlamentar em Defesa da Cultura Hip-Hop, um dos objetivos da ação é promover editais voltados para as rodas culturais e revitalização das praças. Segundo a parlamentar, o Estado sempre foi ausente no fomento ao movimento e isso precisa mudar.   

"O Estado nunca gastou o que gasta em uma única bala para apoiar a Roda da CDD, por exemplo, e lá se vão mais de 200 edições. Esse evento, é importante que a gente reforce, é o que leva alguma alegria, alguma paz e entretenimento para a galera da região", comenta a deputada. 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Dani, o hip-hop está completando 50 anos hoje. Muito ligado à cultura negra e periférica, o movimento  abrange o rap, o grafite, o break e o DJ. Na sua avaliação, cinco décadas depois, qual o papel do hip-hop para a juventude?

Dani: São 50 anos desde a primeira festa que fez com que o hip-hop ganhasse os subúrbios de Nova York e, de lá, se espalhasse pelas periferias  de cidades do mundo inteiro, inclusive no Brasil. Há muito o que celebrar, mas ainda há muito pelo que lutar.
 
A história do hip-hop é uma história de resistência, de criação, de arte, de expressão, fundamentalmente. Tinha de ser coisa de preto, é "nóis, né"? Nós, que ainda precisamos gritar que somos gente para garantir o nosso lugar. E por mais que esse lugar seja a favela, o nosso direito é à cidade, ao estado, ao país. O que o hip-hop faz é nos deixar mais felizes e mais fortes para encarar esse bagulho todo que nos arrumaram, de uma escravidão que não se encerra.  

As batalhas de rima e as rodas culturais são importantes espaços de formação da juventude carioca periférica, mantendo viva a efervescência do movimento hip-hop. A senhora preside a Frente Parlamentar em Defesa do Hip-Hop na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), o que tem sido feito em prol do fortalecimento deste movimento cultural no estado do Rio?

O hip-hop segue sendo uma ferramenta para conscientizar a periferia e despertar as lutas por mudanças, seja pela música, pinturas nos muros, ou nas danças. 

Sobre a Frente Parlamentar em Defesa da Cultura Hip-Hop, já é um ganho pela sua instalação, por isso, o trabalho que temos que fazer é muito importante. Conseguimos convencer muitos colegas parlamentares de que o hip-hop é, hoje talvez ainda mais, uma questão de sobrevivência para as juventudes periféricas, principalmente. São nas batalhas, nas rodas, nas festas, nas ruas que essa galera se expressa e se remunera. E, olha que bacana, eles podem, a partir da sua produção artística, garantir seu ganha-pão. Há uma disputa evidente por esses jovens, que, se não tiver um estado responsável, fica à mercê de uma realidade que envolve drogas, polícias, traficantes, milicianos. 

A Frente Parlamentar tem servido como um local de articulação do movimento hip-hop para pensar em políticas públicas para o setor. Há um plano de ação do Movimento com editais voltados para as rodas culturais e elementos da cultura, para a revitalização das praças. 

O Rio de Janeiro extermina vidas pretas com um descaso desmedido, nós estamos mais do que cansados dessa realidade absurdamente racista que vivemos. Só não vê quem não quer e só aceita quem é indiferente à vida do outro se esse outro é preto. Quem ganha com essas regras? Que sociedade é essa? Que deixa a polícia matar um menino de 13 anos e ainda chamá-lo de criminoso? Thiago Menezes morreu durante uma operação policial, na Cidade de Deus. 

O fato é que para cada bala que o estado dispara na favela, para cada criança ou jovem morto, há um outro jovem ou criança escrevendo  versos ou dançando, um MC rimando e sonhando com um futuro possível. E para que esse futuro não passe de um rascunho, o estado têm de assumir a sua responsabilidade e isso se faz com política. 

O estado nunca gastou o que gasta em uma única bala para apoiar a Roda da CDD, por exemplo, e lá se vão mais de 200 edições. Esse evento, é importante que a gente reforce, é o que leva alguma alegria, alguma paz e entretenimento para a galera da região. 

Para cada Thiago Menezes, para cada vida perdida, talvez tenhamos perdido MC. Isso é um estrago muito grande para quem já nasce na precariedade e na incerteza.

Se pensarmos em cada Emicida que não chegou lá, seja porque uma bala atravessou o seu caminho, seja pela falta de uma escola, seja porque o posto de saúde da comunidade sequer existia, fica evidente que o estado é capaz de salvar e resguardar vidas, mas precisa enxergar pretos também como parte da sua população. 

Por isso tudo e por todos nós, o que eu desejo é vida longa ao hip-hop. Desejo que o presidente Lula assine o decreto e que o governo se comprometa com a cultura hip-hop e atue para fomentar o movimento no país. Isso pode trazer políticas robustas e efetivas para o setor.

Para já, protocolamos um pedido de medalha Tiradentes para a primeira batalha de rima do Rio, que faz 20 anos em 2023, a Batalha do Real, essa que revelou tanta gente boa que a gente ouve por aí. É um lugar de potência.

Quais as principais diferenças na cena cultural do hip-hop no estado do Rio de Janeiro para São Paulo, um dos principais polos do movimento no país? A política pública precisa ser pensada de uma forma diferenciada para o Rio? Caso afirmativo, por quê?

Eu tomo a música como um elemento de construção, de afirmação, de entrosamento, de afetividade, como algo que nos toca de forma muito subjetiva. Mas o hip-hop tem algo que nos conecta, talvez o desejo de que fiquemos todos bem. É o que se faz em comunidade: um dá suporte e ombro e feijão ao outro, se precisar. 

O hip-hop entrou no Brasil por São Paulo, é natural que o que se produz lá tenha mais reconhecimento, e há um esforço muito grande do movimento para que a cultura se mantenha e se espalhe. No Rio, o cenário é outro, não há, até hoje, um espaço voltado especialmente para esse movimento. 

Mas sem querer entrar em disputa, porque o que a gente prega é conciliação, acho que Os Racionais MC’s entenderam e cantaram muito bem as questões carcerárias, o combate ao racismo e tantas outras questões sociais que afetam as juventudes das favelas e periferias brasileiras.

Uma frase que reflete bem essa pegada do grupo é “muita coletividade na quebrada…” na introdução de Vida Loka Parte 2. O bom e sempre potente “tamo junto”.

Edição: Eduardo Miranda