Rio Grande do Sul

Coluna

Agosto, mês da Visibilidade lésbica

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O 29 é o Dia nacional da Visibilidade Lésbica. A data faz referência à realização do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) realizado no Rio de Janeiro, em 1996 - Foto: mariam pessah
Ainda ser lésbica, estar com lésbicas, assumir-se lésbica mexe com a moralidade e com as fantasias

Faz uns anos que o movimento lésbico paulista reivindicou o 19, como dia do Orgulho lésbico. A data nasce em memória à primeira grande manifestação de lésbicas no Brasil, ocorrida em 1983, em São Paulo, no que ficou conhecido como o "Stonewall brasileiro". Naquela noite, ativistas do Grupo Ação Lésbica Feminista (Galf) ocuparam o Ferro's Bar para protestar contra os abusos e preconceitos que vivenciavam no local. Elas vendiam o jornal Chana com Chana e, o dono bem capitalista e lesbofóbico, proibiu a distribuição. Isso gerou uma grande revolta que é lembrada a cada ano.

O 29 é o Dia nacional da Visibilidade Lésbica. A data faz referência à realização do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) realizado no Rio de Janeiro, em 1996. Era a primeira vez que mais de cem lésbicas se reuniam para conversar sobre suas sexualidades, suas vivências e, por que não? fazer festa também. Nem tudo é opressão nas nossas vidas.

Embora tenha muita gente achando que hoje ser lésbica está quase equiparado a ser hétero, no sentido de estar “tudo bem”, eu quero dizer que não. Desde as nossas vivências, ainda falta muito. Penso que estamos em 2023, que há 20 anos fazíamos uma primeira mesa pela visibilidade lésbica no contexto do Planeta Arco-íris, no Fórum Social mundial, e nem tantas coisas mudaram.

Hoje é mais fácil andar de mãos dadas na rua, ver sapas namorando na Redenção, contudo, cada vez que eu organizo um Sarau das minas edição lésbica, a ausência das heterossexuais é gritante. Como se perguntava Lara, na coluna da semana passada, “Por que nossas amigas hétero nunca vão aos eventos conosco? Por que fogem? Do que tem medo? ”

Anos atrás, num SENALE, havia uma oficina sobre negritude e racismo, não lembro exatamente o nome. Fiquei interessada e uma companheira me convidou a ir. Surpresa perguntei se, sendo branca, podia participar. Ela me explicou que para acabar com o racismo, precisamos de todas nós. Queria tanto poder transmitir essa ideia agora, queria tanto ver às mulheres héteras se manifestando no mês da Visibilidade lésbica sem ter medo de que alguém imagine que ela possa ser, sem ter medo de se contagiar. Sem ter medo de gostar?

Ainda ser lésbica, estar com lésbicas, assumir-se lésbica mexe com a moralidade e, provavelmente também, com as fantasias. Essa é uma grande diferença com outras causas como são a negritude e a dos povos originários, pois o lesbianismo mexe com a estrutura hetero-patriarcal, os valores, e família convencional de nossa sociedade.

Para mim, ser lésbica não é uma orientação sexual. Ou, a heterossexualidade se orienta e a lésbica desorienta? Brincadeiras a parte, entendo o lesbianismo como um movimento social e político. Muitas vezes escrevi que o fato de sermos lésbikas polítikas nos dá a possibilidade de escolher outros caminhos. Lidamos tempo todo com a rebeldia. Optamos por não ter o símbolo do patriarcado como desejo, não dormimos com um possível feminicida. Não somo normativas, sobretudo, as lésbikas rebeldes. Todavia, isso não implica que não existam violências entre nós, como muito bem mencionava Lara na coluna da semana passada.

Como escrevi uma década atrás, no meu texto Ser lésbica ou lésbika polítika, ainda sonho com um grande dia, uma enorme manifestação na qual muitas mulheres levem cartazes dizendo Eu sou lésbika política. Assim como na década de 1990 eu ia às ruas de Buenos Aires com cartazes dizendo Eu abortei e ninguém, nunca, me perguntou se tinha abortado, sonho com uma manifestAção massiva, cheia de cartazes na que a ninguém lhe importe a sexualidade praticante dessa multidão.

Acho que assim estaríamos dando um passo muito à frente contra tanta lesbofobia que nós, lésbicas, ainda sofremos no cotidiano.

Estava fechando a coluna quando vi as denúncias de ameaças de morte e estupro corretivo sofridas pela deputada federal Daiana Santos e a vereadora Monica Benicio. Deixo aqui minha total solidariedade, também meu grito : Não existe correção para o que não tem erro, nem cura para o prazer. Entenda sociedade, não somos pauta identitária, somos luta, somos existência e somos dissidência a toda norma estabelecida.

Também somos sementes espalhadas pelo mundo todo.

* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de Meu último poema, 2023;  Em breve tudo se desacomodará, 2022; organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre desde 2017 e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta. 

** Este é um artigo de opinião. A visão dx autorx não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko