Rio Grande do Sul

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Iansã, o raio e o vento para quem vive e canta no mau tempo

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As margaridas mostraram ao mundo sua disposição de enfrentamento coletivo aos predadores deste país - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
As margaridas seguem sempre em marcha contra a desigualdade, a violência e o fascismo

A Sâmia chamou os covardes de covardes. E eles, incomodados, querem cassar, abafar, emudecer, não apenas a ela como também a várias outras mulheres corajosas que erguem seus corpos e suas vozes em defesa dos direitos humanos, da democracia e da verdade.

O que os golpistas, covardes, querem mesmo é impedir que aquelas mulheres admiráveis nos animem e convoquem todos, à razão e à luta. Eles sabem que o que elas afirmam, o motivo das ameaças que estão sendo sobre elas jogadas, é apenas o óbvio, o comum, o que está claro e plenamente acessível ao conhecimento geral.

Todos sabem, mas são elas que denunciam: covardes, racistas, homofóbicos, carreiristas, puxa sacos e fascistas, pessoas menores que passaram a ocupar espaços de representação social, sob a proteção das circunstâncias e de articulações mafiosas, continuam estimulando, patrocinando e ajudando a ocultar maldades vergonhosas praticadas contra grupos sociais historicamente abandonados e seus defensores.

Não vê quem não quer. Mas só age, e fala, quem tem coragem. E ali, entre as pessoas expostas a maiores riscos estão Sâmia Bonfim (PSOL-SP), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Érika Kokay (PT-DF), Juliana Cardoso (PT-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ). Como elas, os trabalhadores e trabalhadoras do MST, do MTST, da CPT e muitos outros cidadãos e cidadãs comprometidos/as com a democracia, estão empenhados em nos ajudar a acordar, a nos tirar da apatia com suas palavras, exemplos e sacolejões. Elas e eles nos desafiam a agir como gente que se preza, a mostrar que também não temos medo de parlamentares golpistas, de endinheirados ecocidas, de pessoas que rosnam ou generais de pijama.

Me parece que há enorme semelhança entre as atitudes daquelas nossas guerreiras, em sua luta para nos abrir os olhos e a mente, e o heroico papel executado pelas mulheres vietnamitas que se ergueram contra as mentiras, o marketing, os dólares, as bombas e os agroquímicos despejados em seu país, pelo poderoso exército colonialista norte-americano. No relato de Wilfred Burchett sobre a tal de “guerra especial[1]” (Vietnã: A guerrilha Vista por Dentro) é possível ler que, dentre as táticas ali desenvolvidas pelos chamados “batalhões de coque”, mulheres que levaram à vitória final daquele povo, o amor e a verdade destacaram-se como as mais efetivas armas de conscientização popular.

E isso dá o que pensar. O amor e a verdade como instrumentos de luta e de suporte à construção de valores, de símbolos e, infelizmente, de mártires, estiveram e estarão presentes em todas as lutas pela emancipação humana. Nesta semana (e os golpistas que enviaram a mãe Bernadete para junto de Dorothy Stang, Margarida Alves e Marielle Franco não sabem disso) as convicções de milhares de outras heroínas sob ameaça permanente, margaridas expostas, mas sempre em marcha contra a desigualdade, a violência e o fascismo, mostraram ao mundo sua disposição de enfrentamento coletivo aos predadores deste país.

Do outro lado, madames abandonadas como carniça pelos covardes que além de fugir garantiram a proteção aos seus, de volta ao convívio dos golpistas ao alcance de suas unhas, assistem pela televisão a Dilma brilhando nos Brics, o Lula recomendando alteração no Conselho de Segurança da ONU, a criação de uma moeda comercial independente do padrão dólar, o fim do teto de gastos e, para breve, prisão de boa parte da alta mitologia bolsonarista.

Como não pensar, nestes momentos de transformação, que enquanto Stédile dispensou o Habeas Corpus para dar aula de seriedade, ética e moral, numa CPI, em outra o Coronel Cid, para ficar quieto como guri mijado, vestiu farda completa daquele mesmo exército que está ajudando a desmoralizar.

Neste quadro de contrastes onde teremos que ajudar o Brasil a escolher os exemplos a serem valorizados em verdadeira cruzada civilizatória, vale relembrar os alertas de Brizola contra os vendilhões da pátria e encerrar citando outra passagem daquele mesmo livro.

“Se um país é amplamente democrático, o povo pode chegar ao topo. Caso contrário, pode degenerar para um fascismo. E se os colonialistas ou neocolonialistas intervierem, será sempre em favor do fascismo”[2].

Recomendação de música – Iansã, a dona do raio e do vento – para quem vive, luta e canta, no mau tempo.


[1] Usando discursos de defesa democrática e armando tropas contratadas entre populações locais cooptadas, as guerras especiais deveriam ser travadas evitando derramar sangue de soldados norte-americanos (no caso, foram envolvidos meio milhão de sul vietnamitas e 20 mil assessores, todos americanos fortemente armados, ao final derrotados pelo que lhes parecia ser algo tão assustador como as “sombras da floresta”). Segundo Bucher (citando um “Manual para agentes da guerra especial” elaborado por um general do estado maior do Exército norte-americano (Op.cit.,p.20-21), o Vietnã seria o primeiro teste das guerras especiais, que também deveriam ocorrer na América Latina, no Congo Belga e por último, na Europa.

[2] BURCHETT, Wilfred., 1911-1983. Vietnã: a guerrilha vista por dentro. Tradução: Maria Cláudia Andreoti. São Paulo, Expressão popular, 2018., p.264

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko