Rio Grande do Sul

REGULAMENTAÇÃO

Representantes dos trabalhadores por aplicativo rejeitam proposta das empresas e indicam greve

Paralisação nacional pode ocorrer caso negociações não avancem até 12 de setembro, data limite dos trabalhos do GT

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Entregadores de apps têm denunciado a precariedade trazida pela falta de regulamentação do trabalho - Rovena Rosa/ Agência Brasil

Após nova reunião sobre o Grupo de Trabalho criado pelo governo federal que busca a regulamentação do trabalho por aplicativo, realizada nesta terça-feira (29), os representantes dos trabalhadores rejeitaram as propostas apresentadas pelas empresas. Um documento assinado por representações de centrais sindicais e sindicatos afirma que se até o dia 12 de setembro as negociações não avançarem, será convocada uma paralisação nacional de motociclistas, motoristas, mototaxistas e ciclistas.

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A data apresentada pelos trabalhadores é o prazo limite das negociações estipulado pelo governo para concluir os trabalhos do GT. O conteúdo dos dos acordos firmados servirá de subsídio para a criação de legislação de regulamentação desse tipo de trabalho, conforme prometeu o governo Lula.

“Nós fixamos agora o dia 12 como o dia final para o acordo entre trabalhadores, patrões e governo, dos pontos essenciais, que são os ganhos, a questão da previdência, segurança e saúde do trabalhador, aquilo que a gente chama de transparência algorítmica e jornada de trabalho”, disse o secretário Nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Gilberto Carvalho, em vídeo publicado nas redes sociais.


Nota de alerta lançada pelas entidades sindicais após reunião desta terça-feira (29) / Reprodução

As entidades que representam as empresas de aplicativo no GT são a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como Uber, Amazon, Ifood, Flixbus, Zé Delivery, 99, dentre outras; e o Movimento Inovação Digital (MID), que reúne empresas como o Mercado Livre, GetNinjas, Paypal, Loggi, Movile, Americanas, C6 Bank, Facily, Rappi, OLX e euEntrego.

Propostas das empresas

O principal ponto das mesas de negociação no GT diz respeito ao valor mínimo por hora trabalhada. Estão em debate ainda propostas de melhora na transparência algorítmica dos dados e ganhos dos trabalhadores e regras impostas unilateralmente pelas empresas, como exlusão das plataformas sem aviso. No dia 14 de agosto foi realizada uma primeira proposta pelas entidades, que foi considerada muito abaixo do que reivindicam os trabalhadores.

Na reunião dessa terça foram feitas novas propostas. Aos motoristas de transporte por aplicativo, a Amobitec sugeriu um mínimo de R$ 21,22 por hora trabalhada, acima dos R$ 15,60 por hora apresentado na reunião de 14 de agosto. Já a MID fez sua primeira proposta, de um ganho mínimo de R$ 17,00 por hora trabalhada.

Aos trabalhadores de entrega (delivery), a proposta Amobitec ficou em R$ 10,20 para motos e R$ 6,54 para bicicletas por hora trabalhada. A MID, por sua vez, ofereceu R$ 11 para motos e R$ 7 para bicicleta por hora trabalhada.

Valor abaixo do que já é pago

Presente na reunião, a presidenta do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), Carina Trindade destaca que os valores oferecidos para a hora mínima seguem abaixo do que pedem os trabalhadores de transporte. “A gente pretende chegar em um valor bom para o motorista, longe desses R$ 21 propostos pela Amobitec e dos R$ 17 propostos pela MID. Hoje, na prática, as plataformas já pagam em torno de R$ 25 a R$ 30 a hora”, comenta.

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Carina está na expectativa da próxima rodada de negociações, na próxima semana. “As empresas apresentaram valores que não nos contemplam, mas deixaram claro que vão negociar”, diz. Ainda segundo ela, o governo também se comprometeu de trabalhar a questão da previdência, “porque as empresas precisam dessa informação para saber o que vai aumentar nos custos do trabalhador e o que aumentar no valor líquido pro motorista”.

O tesoureiro da Associação de Ciclo-entregadores do Rio Grande do Sul (Acergs), Leonardo Rodrigues afirma que os valores apresentados ao setor de entregas “está muito abaixo daquele proposto pelos trabalhadores que gira entorno de R$ 29,00 e inclui ali despesas básicas como manutenção do veículo, além de gastos com planos de internet móvel e equipamentos de trabalho”.

Para ele, isso demonstra que “as empresas não têm interesse real de negociar melhores condições de trabalho e remuneração justa para os trabalhadores de aplicativo, e que sua preocupação não passa de campanhas de publicidade vazias”.

Hora trabalhada X hora logada

Leonardo critica ainda o entendimento das empresas de contar o valor da “hora efetivamente trabalhada", ou seja, que o pagamento conte apenas quando o trabalhador está efetuando uma entrega, deixando de fora, por exemplo, o tempo de espera do entregador pela refeição em frente ao estabelecimento. Segundo ele, os trabalhadores defendem pagamento por hora logada. “É preciso acabar com o tempo grátis que o trabalhador fica a disposição da plataforma: tempo logado é tempo de trabalho e precisa ser pago”, diz.

Para a deputada federal Denise Pessôa (PT-RS), que propôs audiência pública com trabalhadores de aplicativo na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, em junho deste ano, “a proposta do valor mínimo por hora é um avanço, mas é necessário buscar um valor que seja justo e se adeque à realidade da categoria”.

:: Trabalhadores em aplicativos reivindicam direitos e melhores condições de trabalho em audiência ::

Ela lembra que metade do valor é gasto na manutenção do veículo, no caso dos motoristas de carro. “Considerando que o valor líquido recebido pelos motoristas é muito baixo, uma remuneração justa deve incluir não só o tempo de trabalho despendido, mas também a distância percorrida”, avalia.

No caso dos cicloentregadores e cicloentregadoras, a deputada levanta outra ponto. “Quem irá providenciar o acesso deles a banheiro, tomadas para carregar os celulares que são indispensáveis ao trabalho, pontos de descanso quando estão longe de casa?”, questiona. Para ela, “é responsabilidade das empresas garantir dignidade aos trabalhadores que chamam de 'parceiros'".

Outros pontos

Com relação a outros pontos que também estão em debate, houve avanço nas reivindicações em saúde e segurança na proposta da MID. A entidade diz defender "que todas as empresas contratem seguro para todas as rotas e viagens dos entregadores e motoristas cadastrados, que possam resultar em morte, invalidez total ou parcial, bem como a oferta de cursos e campanhas on-line voltados à segurança do exercício das atividades de entregador e motorista, bem como boas práticas no trânsito".

Já no quesito transparência na relação com entregadores e motoristas, as duas entidades trouxeram propostas. A MID sugere mudanças no método nos casos de bloqueios e suspensão de profissionais cadastrados, com previsão de um aviso prévio. A Amobitec propõe que as empresas disponibilizem um relatório mensal para que "os motoristas possam verificar exatamente quanto estão recebendo pelo tempo efetivamente trabalhado, assim como se tais valores respeitam os ganhos mínimos estipulados."


Edição: Katia Marko