Rio Grande do Sul

EPIDEMIA DO TRABALHO

Assédio, carga excessiva e baixos salários: o adoecimento mental no funcionalismo público gaúcho

Neste 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, o Brasil de Fato RS aborda a situação dos servidores do estado 

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Estamos adoecendo cada vez mais e isso é um grande peso para o serviço público", afirma especialista - Foto: Jorge Leão

Há mais de um ano o Brasil, assim como o mundo, saiu de uma das crises sanitárias mais agudas, reflexo da pandemia causada pelo coronavírus. Passado esse momento, uma nova pandemia surgiu, a da saúde mental. No caso dos servidores públicos não foi diferente. Dificuldade de dormir, variação de humor, traços de tristeza evoluindo para depressão, doenças de pele, dores na coluna são alguns dos sintomas relatados por trabalhadoras e trabalhadores do funcionalismo público gaúcho e que acendem o alera de que a saúde mental não vai bem. Por trás deste quadro está a organização do trabalho, que dependendo de suas características leva ao adoecimento, marcado especialmente pela carga de trabalho e o assédio moral. 

Em 2020, no Brasil, os casos de depressão e ansiedade subiram 25%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o Datasus, o total de óbitos por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil. Em relação à pandemia, dados anteriores já apontavam episódios depressivos como a principal causa de pagamento de auxílio-doença não relacionado a acidentes de trabalho, correspondendo a 30,67% do total, seguida de outros transtornos ansiosos (17,9%).

Ainda de acordo com o a OMS, estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e ansiedade, custando à economia global quase US$ 1 trilhão. Em setembro de 2022, a OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fizeram um chamado à ações concretas para atender às preocupações sobre a saúde mental da população trabalhadora. As instituições apontam como riscos ao bem-estar cargas horárias pesadas, comportamentos negativos e outros fatores que geram sofrimento no trabalho. 

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Conforme o presidente do Conselho Estadual da Saúde (CES), Cláudio Augustin, uma das principais ou a principal causa de aposentadoria em relação ao serviço público está vinculada à questão da saúde mental. “Existe milhares de servidores que deveriam ser aposentados mas não vão fazer laudo, porque se fizer laudo eles vão ser afastados e, com dois anos de afastamento por doença, você é aposentado e recebe conforme o seu tempo de trabalho. O salário de servidores públicos, a sua grande maioria, é muito baixo. Se a pessoa for aposentada por tempo de trabalho, ele não vai conseguir sobreviver. Por isso dá para dizer que há dezenas de milhares de pessoas doentes trabalhando. Boa parte disso é saúde mental.”

Este é um quadro, que conforme destaca Cláudio veio bem antes da pandemia. Em sua experiência com o funcionalismo, aponta que entre os males que contribuem no esgotamento da saúde mental estão baixos salários, falta de reconhecimento do trabalho do setor, assédio moral, estrutura autoritária e falta de reajuste salarial. “Para resolver o problema da saúde mental dos servidores, tem que melhorar o salário, ter planos de carreira com critérios objetivos, não pode ser político. Assim como interesse, respeito e reduzir o autoritarismo”, afirma. 

Reformas de carreira e assédio moral

Uma servidora da área da saúde que pediu para não ser identificada conta que seu problema relacionado à saúde mental começou quando teve que retornar à base, estando licenciada para atuar no sindicato, e que perderia metade do seu salário. O motivo foi a reforma administrativa feita nas carreiras do Executivo gaúcho, aprovada pelo governo Eduardo Leite (PSDB) em 2020. "Isso impactaria a princípio na minha folha de pagamento, mas a longo prazo prejudicaria a minha aposentadoria, porque eu não teria como contribuir por fora. Eu tive que mudar drasticamente o meu trabalho, não que seja um problema voltar para base, mas voltar para base para mim implicou ter que retornar para um local de trabalho onde eu fui fortemente assediada”, revela.

Pedagoga especialista em saúde, com atribuições de cargo onde poderia desenvolver projetos, fazer planejamento, pareceres, ela foi colocada numa sala com um computador sem poder prestar nenhum trabalho. A função dada a ela foi fazer agendamento.

“Com a reforma administrativa do estado e a reforma previdenciária, eu tive que retornar pra base, retornar para esse mesmo local de trabalho, onde não fui acolhida pela diretora. Ela simplesmente me mandou para um local onde eu não tinha o que fazer naquele local. Naquela divisão, ela precisaria de servidores ou servidoras que tivessem o perfil de pesquisadores e pesquisadoras, que não é o meu caso, ou que desenvolvessem fluxos de trabalho administrativo, de responder e-mails, de abrir processos administrativos, que não é o meu caso. Então, novamente, eu fui assediada, sofri assédio moral, e aí eu acabei tendo que me afastar do trabalho, entrei em licença psiquiátrica.”

Ela conta que não procurou o Programa de Saúde do Servidor (Proser), que é voltado à promoção do bem-estar físico e mental dos servidores, porque a experiência que se tem é de que no local só é feita a escuta do problema do servidor e não há encaminhamento, não é resolutivo. “Eu tive apoio da minha família, fiz uso de antidepressivo, uso medicamento para as minhas crises de ansiedade, faço psicoterapia. Inicialmente eram duas vezes por semana, hoje em dia eu faço isso uma vez por semana. Eu tive que batalhar muito para conseguir a minha remoção do meu local de trabalho, esse que me causou tanto estresse e adoecimento, para um outro local de trabalho aonde eu sou mais acolhida, tanto pelos colegas quanto pelas chefias”, conta.

Para a servidora, o que originou esse quadro tem muitas das questões externas, "mas o assédio moral no trabalho é o que mais gerou essa angústia, essa ansiedade, essa crise de não conseguir se enxergar no trabalho". Não são boas as recordações de não conseguir desenvolver as atividades que gostaria de desenvolver ou mostrar o trabalho necessário. "A gente como servidora pública ou como servidor público tem a consciência de que precisa cumprir com as obrigações de prestar um serviço para a sociedade. A gente não tem obrigação de cumprir com um projeto de governo, a gente tem obrigação de cumprir com um projeto de estado. Ainda mais quem trabalha na saúde pública. Sou servidora do quadro da saúde e a gente tem que entregar saúde pública para a população e lidar com saúde pública. A saúde é um bem muito precioso."

Ela pontua que o governo do estado fez a reforma administrativa a reforma previdenciária com a ideia de revolucionar a gestão das pessoas, citando também a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Contudo, em sua avaliação,nada mudou. “A gente está cada vez pior. Na minha secretaria, originalmente, teria vaga para cerca de 7 mil servidores. Hoje, nós não chegamos a 3 mil e o serviço continuou mesmo, a quantidade, a demanda continua a mesma. Como nós vamos dar conta disso tudo?”, questiona. 


"O modo de vida contemporâneo é adoecedor, exigindo padrões de desempenho, dedicação, cuidados, resistências e preparações que não cabem em um dia de 24 horas” / Foto: Jorge Leão

Burocracia e sobrecarga e baixos salários

"O modo de vida contemporâneo é adoecedor, exigindo padrões de desempenho, dedicação, cuidados, resistências e preparações que não cabem em um dia de 24 horas”, afirmou a psicóloga Jéssica Prudente, em entrevista recente ao Brasil de Fato RS

No caso dos servidores públicos, entre as áreas mais afetadas estão, além da saúde, a educação e a segurança. Diretora do Departamento de Saúde do Trabalhador do Cpers e representante do sindicato no Conselho de Administração do IPE Saúde, Vera Lessês afirma que a saúde mental dos trabalhadores da educação não está nada saudável. De acordo com ela, vários motivos contribuem com esse quadro. 

O primeiro apontado pela dirigente são as mudanças abruptas impostas pela Secretaria da Educação (Seduc) com a burocratização. “Educadores devem preencher planilhas e mais planilhas que a Seduc pede. Os pareceres descritivos que exigem mais tempo de trabalho, porque escrever um parecer, abordando todos os parâmetros de aprendizagem, demanda muito tempo. Assim como no que se refere ao Novo Ensino Médio, onde foram criadas disciplinas para as quais os educadores não tiveram formação e precisam dedicar horas de estudo para a elaboração das aulas ou projetos para desenvolver com os alunos”, expõe.

Outro fator, aponta a dirigente sindical, é a sobrecarga. Segundo ela, a cada ano os trabalhadores da educação estão com uma carga de trabalho mais exaustiva, cumprida não somente em uma escola, mas em duas ou três. Assim como os educandos, que em sua maioria, segundo ela, chegam nas escolas sem saber cumprir regras e sem escutar os professores.

“Temos também como o fator principal a questão do baixo salário, da falta de valorização ou da precarização salarial que os professores e funcionários da escola são forçados a conviver. Foi um período de mais de nove anos sem reposição salarial. Tudo isso contribui porque a gente precisa optar entre manter a subsistência da gente, alimentar a família, e não consegue ter lazer, nem consegue cuidar da saúde mental em si, fazer uma terapia, um tratamento preventivo.”

Afastamento e suicídios atingem policiais "de forma drástica"

Em junho deste ano, a escrivã mineira escrivã Rafaela Drumond tirou a própria vida. Ela faz parte de uma triste realidade que afeta a policia civil do país. De acordo com o  Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o suicídio de policiais no Brasil cresceu 55% entre 2020 e 2021, passando de 65 mortes para 101.

Conforme relata Neiva Carla Back, vice-presidenta da Ugeirm, sindicato dos agentes de polícia do RS, a situação da saúde mental dos e das policiais civis atualmente é uma das piores da história da instituição. “Os casos de afastamento por motivo de saúde e, também, de suicídios, tem atingido nossa categoria de forma drástica. O índice de suicídios que, historicamente, já é maior entre os policiais em relação ao restante da população, aumentou de forma trágica entre os Policiais Civis e Militares nos últimos anos”, afirma.

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Ao falar sobre as causas desse sofrimento, a dirigente pontua que a atividade policial já é, na sua essência, de muita exigência para a saúde mental dos seus profissionais. “Lidar com o stress inerente à nossa atividade e com situações de violência cotidiana exige muito do emocional dos(as) policiais civis. Se agregarmos a isso a sobrecarga de trabalho, devido ao maior déficit do efetivo da história, as péssimas condições de trabalho, o arrocho salarial promovido pelo governo Eduardo Leite e o assedio moral que ainda acontece na instituição, temos um terreno fértil para o adoecimento mental da categoria.”

Além disso, aponta Neiva, é importante ressaltar uma cultura que se instaurou na sociedade brasileira e que, de certa forma, também chega nas forças de segurança, onde o policial passa a ser encarado como o “herói” responsável pelo fim da violência na sociedade. “Essa visão distorcida, que encara o policial como 'herói' e não um trabalhador da segurança pública, adiciona um peso ainda maior à atividade policial, levando esses profissionais a um nível de cobrança e stress que beira o absurdo”, relata.

Além do suporte cotidiano aos policiais civis, a Ugeirm tem promovido debates com a categoria, com a finalidade de elaborar um programa de combate ao adoecimento mental dos policiais civis. No mês de agosto, foi realzado em Pelotas a “Roda de Conversa sobre adoecimento mental dos(as) Policiais Civis”, em conjunto com profissionais da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), que teve como finalidade dar o primeiro passo na elaboração desse programa. Nesse evento, foi formada uma comissão reunindo policiais civis e integrantes da UCPEL, para preparar uma pesquisa que servirá de base para elaboração do projeto.


“O acolhimento é feito, mas a gente não tem política de gestão de pessoas adequadas no estado" / Foto: Jorge Leão

Terapia ou medicamentos para suportar os dias

A servidora da área da saúde que conversou com o Brasil de Fato RS lamenta ser necessário estar preparada para o assédio moral e a desvalorização do trabalho. “Tu desenvolve as tuas atividades e não é reconhecido por ela, nem com algum elogio em relação a ele e nem financeiramente. Estamos agora há nove anos com os salários congelados, perdemos todos os direitos que a gente tinha conquistado. A gente vive uma situação muito complicada, tipo de contar moedinhas para poder pagar as contas. Muitos colegas nossos não conseguem sustentar as suas famílias, não têm suporte de ninguém para poder se sustentar”, conta.

Conforme ressalta a servidora, essa situação, aliada ao assédio moral que as chefias fazem sobre os servidores é desesperador. São questões que a levara a buscar ajuda de psiquiatra e de medicamentos "para poder suportar o dia a dia, suportar ter que chegar no local de trabalho, se deparar com aquele chefe que assedia, com aquele montante de trabalho que tu tem que entregar todos os dias, com as metas”.

Conforme aponta Vera, a ampla maioria dos servidores da área da educação lida com a questão da saúde mental por conta própria, seja através de terapias ou com medicamentos. “Alguns dos nossos colegas têm procurado atendimento no Sistema Único de Saúde, através dos centros de referência que alguns municípios têm, mas a ampla maioria precisa fazer terapia por conta quando precisam, o que faz com que a maioria das pessoas vá direto para o processo medicamentoso. Procuram um psiquiatra, um especialista, enfim, que prescreva medicamentos, por não ter recurso para fazer o tratamento anterior, que é a terapia, que é para preparar o psicológico e o emocional.”

Dados do Conselho Federal de Farmácia apontam que a comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021. De acordo com um levantamento divulgado em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países mais depressivos e ansiosos do mundo. Cerca de 5,8% da população sofre com a depressão e 9,3% possui problemas com ansiedade.

“Estamos adoecendo cada vez mais”

Com mais de 20 anos atuando e estudando a saúde mental no trabalho, a psicóloga Cláudia Magnus, que já foi coordenadora do Proser, destaca que a organização do trabalho é a responsável pela saúde, ou pela perda da saúde mental de trabalhadores e servidores públicos. Ela chama de "mundo invisível" as relações de poder que se manifestam na divisão de tarefas. "Se estamos no mesmo setor, eu faço duas e tu faz quinze, tu tem regalias, eu não. Existem normas diferenciadas no real do trabalho, existe uma diferença abissal entre o prescrito e o real”, explica. 

Conforme a psicóloga, um trabalho saudável é caracterizado pela realização de atividades que tenham sentido para quem executa. Também quando existe um coletivo de trabalho solidário que se apoia mutuamente quando é preciso. E quando existe reconhecimento, tanto hierárquico quanto dos pares.

Com experiência também no ramo privado, Cláudia pontua que muitas vezes o serviço público acaba importando práticas adoecedoras de quantificação da iniciativa privada. “Quando a gente coloca a quantificação, a gente coloca também a competição. O que a competição faz? Arrasa a solidariedade entre as pessoas.”

De acordo com ela, às vezes os sintomas são coletivos. “Estamos adoecendo cada vez mais e isso é um grande peso para o serviço público, para o serviço privado. Há um aumento de adoecimento, depressão, angústia, doença mental. Transtornos psíquicos são o mal do século”, afirma. 


"A gente tem uma série de questões que precisam ser discutidas com os gestores políticos que entram muitas vezes desconhecendo a realidade do serviço público e até da instituição" / Foto: Jorge Leão

Além do paliativo: falta prevenção

Questionada pela redação, a Subsecretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do RS afirmou, em nota, que o afastamento do trabalho tem na saúde mental um dos principais motivos.

“Sabe-se que em outros Estados os índices e causas não diferem, não sendo algo particular ao Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul. Não podemos deixar de citar que a pandemia do Covid-19 impactou a saúde mental de modo geral e que o Estado tem trabalhado em ações a fim de minimizar esses impactos e melhorar a qualidade de vida dos servidores, visando prestar melhores serviços à sociedade”, diz a nota.

Complementando, Cláudia pontua que os transtornos psíquicos, geralmente, são os que levam mais dias com a pessoa afastada e, geralmente, são as mulheres que afastam mais. Contudo, quando os homens se afastam ficam mais dias.

Assim como apontado por Cláudio e Vera, a psicóloga pontua que parcelamento, atraso dos salários, a reforma e a pandemia foram marcos contemporâneos que empurraram ainda mais a saúde mental para o precipício. “Temos que discutir urgentemente regras de ofício. Esse trabalho faz sentido? Ele pode ser reconhecido? Como é que ele pode ser reconhecido? Temos que mapear isso para poder pensar realmente em políticas preventivas e não apenas questões paliativas.”

Para Claudia, na questão da organização trabalho e saúde mental, é necessário coletividade e cooperação, além de reconhecimento hierárquico pela utilidade do trabalho àquela instituição. “Se o servidor deixa de ver sentido naquilo que ele faz, se esse servidor se sente sozinho, sem rede, sem coletivo, se não é reconhecido hierarquicamente nem pelos pares, ele está sendo empurrado para o abismo”, diz.

Muito o que fazer

Na avaliação da dirigente do Cpers, o estado não tem feito nada para atender a demanda da saúde mental na educação. “A gente já tem debatido há muito tempo que seria necessário que a mantenedora oferecesse esse tipo de tratamento para os educadores, para que eles façam uma terapia, para que eles tenham com quem conversar, com quem expor ou socializar suas angustias, as suas dores, os seus sofrimentos. A gente sabe que isso tudo vai impedir o adoecimento", afirma Vera.

Ela critica a falta de responsabiliade do estado. "Nós temos o sistema de assistência à saúde, que é dos servidores do Estado do Rio Grande do Sul, mas que neste momento não oferece esse tipo de tratamento psicológico. Não tem psicólogos para fazer o atendimento das pessoas quando necessário. Em algumas regiões do estado há diretamente o médico psiquiátrico para tratar, já quando os casos estão mais avançados", conta.

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Para Neiva, o estado faz muito pouco a respeito dessa realidade. De acordo com ela, o primeiro passo seria reconhecer a gravidade do problema. A dirigente do sindicato dos policiais civis ressalta que existem ações cotidianas e funcionais, mas o governo não tem tratado a questão com a gravidade que o momento exige.

Um exemplo, segundo ela, é o Projeto de Lei 40/2019, do ex-deputado Pedro Ruas (PSOL) e que foi reapresentado pela deputada Luciana Genro (PSOL), estabelecendo uma política de saúde, inclusive mental, para os profissionais da segurança pública, que está parado na Assembleia Legislativa. “Sem nenhuma atitude do governo para que seja, pelo menos, colocado em votação. Se o governo Eduardo Leite cumprisse, pelo menos, com as suas funções, dando condições adequadas para o trabalho policial, garantindo um efetivo adequado e pagando a reposição salarial, já estaria contribuindo bastante para saúde mental dos policiais civis”, avalia.

Políticas do governo

De acordo com a Subsecretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do RS, o governo do estado traz em seu Mapa Estratégico de Governo o objetivo de valorizar e desenvolver os servidores. Para seu cumprimento, foi instituída a Política de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, que elenca a promoção à saúde e a qualidade de vida no trabalho para os servidores como uma de suas diretrizes.

Dentre as iniciativas que visam a promoção da saúde mental, estão, por exemplo, a ginástica laboral e a academia oferecida a todos os servidores do Centro Administrativo. Além do Programa de Saúde do Servidor - Proser, que tem como principal serviço o acolhimento do servidor e a escuta ativa. O programa conta com a adesão de mais de oito secretarias do Poder Executivo Estadual e já realizou mais de 54,4 mil acolhimentos ao longo dos seus 11 anos de existência.

Repensar a política pública para "ir adiante"

Para a servidora da área da saúde, por mais que os trabalhadores do Proser sejam extremamente profissionais, acolhedores, eles não têm autonomia para dar os devidos encaminhamentos. “O acolhimento é feito, mas a gente não tem política de gestão de pessoas adequadas no estado. Não há punição para o assédio moral, não há o devido encaminhamento para que mude a realidade do assédio moral e para que mude a realidade dos processos de trabalho para que se evite o adoecimento mental dos servidores e das servidoras.”

Em sua avaliação é preciso pensar imediatamente uma política para mudar essa realidade. “Não adianta só fazer roda de conversa, ter mais profissionais no Proser para fazer acolhimento. Acolhimento é importante, mas tu tem que ir adiante, tem que mudar essa realidade. Tem que ir lá na origem do problema, senão tu não consegue evitar que outros colegas passem pela mesma situação. Tem que ser efetivo o acompanhamento do servidor e da servidora”, avalia.

Na mesma linha, a psicóloga Cláudia afirma que é urgente que os gestores tenham a questão da saúde mental como política de estado. “A gente tem uma série de questões que precisam ser discutidas com os gestores políticos que entram muitas vezes desconhecendo a realidade do serviço público e até da instituição. As questões ficaram muito mais complexas. Os gestores precisam ser capacitados com urgência. Precisamos fomentar lacunas que são constituidoras da saúde mental”, sugere.

A servidora ouvida pelo Brasil de Fato RS entende ser urgente que o governo do estado repense a sua política com relação à gestão de recursos humanos. “Não é só de como tratar o servidor, como acolher, como ter um ambiente adequado de trabalho. Isso envolve plano de carreira e valorização de salário", afirma. Usando a expressão "inadmissível", ela lembra que, em pleno 2023, ainda existem servidores públicos que recebem salários inferiores ao salário mínimo.


Edição: Marcelo Ferreira