Rio Grande do Sul

Coluna

A universidade e a educação popular: um pé dentro, um pé fora

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Na abertura da reunião da ANPEd, a primeira indígena do Alto Solimões a receber o título de doutora em Educação, Alva Rosa Lana Vieira Tukano, colocou a urgência de se “descaravelizar e reflorestar a universidade” - Divulgação
As universidades têm hoje papel central na luta contra as guerras, a favor da paz e da democracia

É uma viagem longa, tri longa, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Manaus, Amazonas: mais que dez horas no avião e aeroportos. Mas quando a causa é boa e justa, como foi o caso, vale o esforço e o sacrifício.

Aconteceu em Manaus, na UFAM, Universidade Federal do Amazonas, de 23 a 27 de outubro, a 41ª Reunião da ANPEd, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, com o tema Educação e Equidade: Bases para Amar-Zonizar e Reconstruir o País. “Amar-zonizar: Urgência de unir os saberes tradicionais à ciência, enquanto estratégia para a constituição de uma nova ordem social marcada pelo respeito e convivência da diversidade.” A 41ª Reunião da ANPEd contou com mais de 3.000 participantes de todo Brasil.

O GT06, Educação Popular, sob coordenação dos professores Valéria Oliveira de Vasconcelos (Uniplac) e Sandro de Castro Pitano (UFPEL), teve como tema a Educação Popular na atual conjuntura, com reflexões, debates e apresentação de práticas e experiências de professoras-es, estudantes, pesquisadoras-es de todo Brasil.

Fui convidado para uma conversa sobre o Papel da Educação Popular na Conjuntura Política e Social Brasileira. A reflexão começou com trabalho de grupos: 1. A guerra, a paz, a democracia e o papel da educação popular hoje. 2. A crise climática, o cuidado com a Casa Comum e o papel da educação popular hoje. 3. A desigualdade, o combate à fome e o papel da educação popular hoje. 4. As novas formas de comunicação - internet, redes sociais e digitais - e o papel da educação popular hoje. 5. A conjuntura brasileira, o governo Lula, a participação popular – Universidades, movimentos sociais e populares, ONGs, Igrejas e Pastorais -, a (re)construção de políticas públicas e o papel da educação popular hoje. 6. O futuro, o Esperançar freireano, os desafios do próximo período e o papel da educação popular hoje.

O diálogo aconteceu, como deve ser, freireanamente, a partir da realidade, das análises e experiências de cada uma e cada um das-os presentes, de sua vida, angústias, dúvidas e esperança. 

As universidades, tanto públicas quanto privadas, os Institutos Federais têm papel importante na conjuntura, à luz da pedagogia libertadora e conscientizadora de Paulo Freire, cuja primeira experiência alfabetizadora foi com agricultoras e agricultores em Angicos, RN, nos anos 1960. Na feliz expressão e síntese de Saul Leblon, “a proposta era alfabetizar com lápis, papel e consciência social”. Frei Betto, no início do Programa Fome Zero, no primeiro governo Lula, em 2003, dizia para a equipe de educadoras e educadores populares do TALHER, que construiu a RECID, Rede de Educação Cidadã: “É preciso matar a fome de pão, sim, em primeiro lugar. Mas sempre, ao mesmo tempo e junto, saciar a sede de beleza.”

Foi este o sentido e o espírito do debate desenvolvido no GT 6 da 41ª Reunião da ANPEd sobre a Educação Popular hoje: como a Universidade, professoras e professores, educadoras e educadores, pesquisadoras e pesquisadores, como se dizia na RECID e no governo federal, na construção de políticas públicas, podem e devem ter sempre um pé dentro, na instituição, com suas tarefas e responsabilidades, o outro pé fora, na rua, nas escolas, nas comunidades, nos movimentos sociais e populares, nas lutas por direitos, democracia, igualdade e oportunidades iguais para todas e todos.

Os trabalhos apresentados no primeiro dia de debates, 24.10.2023, tiveram esta concepção: ´O Movimento Zapatista: descolonização e indigenização da Educação Popular´, por Ana Paula Morel (UFF); ´Movimentos decoloniais numa pesquisa com crianças: tecendo possibilidades´, por Letícia Martins da Silva (UFF) e Maria Esteban (UFF); ´Diálogos a partir de Paulo Freire: sobre educação, descolonialidades, artes e estéticas´, por Franciele Peloso (UTFP) e João Colares (UEPA); ´Educação Popular e decolonialidade: experiência extensionista na Universidade Federal da Bahia´, por Pedro Abib (UFBA); ´A articulação ensino, pesquisa e extensão na formação de professores de uma periferia urbana: um projeto de Educação Popular por meio da Pedagogia da Margem´, por Elaine Rezende de Oliveira (UERJ); ´Existe cidadania global que não seja popular? Aportes a partir da perspectiva latino-americana´, por Carolina da Rosa (UCS); ´Práticas educativas populares na Paraíba na década de 1990 nos estudos do Programa de Pós-Graduação em educação na UFPB´, por Orlandil de Lima Moreira (UFPB). A apresentação de diferentes trabalhos, estudos e experiências continuou por vários dias, incluindo ´60 anos de Angicos: a atualidade de uma experiência´.

Este esforço histórico de construção de ´um outro mundo possível´, cada vez mais urgente e necessário, precisa ter a participação de mulheres, juventudes, população com deficiência, indígenas, população negra, quilombolas, recicladoras-es, população de rua, os mais pobres entre os pobres, trabalhadoras-es, estudantes, construindo o inédito viável ´de uma nova ordem social marcada pelo respeito e convivência da diversidade´.

As universidades têm hoje papel central na luta contra as guerras, a favor da paz e da democracia, contra a desigualdade e por direitos iguais, contra a fome e por políticas de SSAN, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, retomada da PNEPS-SUS, Política nacional de Educação Popular em Saúde, Agroecologia e Produção Orgânica, Educação, Assistência Social, Direitos Humanos, Feminismo, Antirracismo, contra o ódio, a intolerância e preconceitos reinantes, e por dignidade, diálogo, igualdade, justiça social e soberania.

Universidades, Institutos Federais, escolas em geral têm o papel de ajudar a entender a realidade, sempre em diálogo com os saberes populares, abrindo-se para as comunidades, colocando à disposição o conhecimento, as novas formas de comunicação, a leitura e o estudo. Assim, com um pé dentro, na instituição, outro pé fora, na sociedade, cumprirão a sua vocação de centros de saber, de amorosidade, de cuidado com a Casa Comum e de construção de uma sociedade do Bem Viver.   

O Brasil está renascendo. A 41ª Reunião da ANPEd em Manaus, com seus GTs como o GT06 da Educação Popular, a Conferência Livre Pontos Populares de Alimentação, em preparação para a Conferência de SSAN, com a eleição de Delegadas-os das Cozinhas Solidárias e Comunitárias, acontecida com mais de 600 participantes, o Encontro Sul da Rede Unida esta semana em Santa Maria, RS, com o tema ´Aprendendo na e com a Diversidade: (re)inventando a Esperança, recriando Travessias e gestando Boniteza´, a atualização do Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas, de 2014, e tantas outras iniciativas, e com muito trabalho de base e Formação na Ação, mais as mobilizações e lutas na rua, são prenúncio do novo, são denúncia e anúncio de um tempo onde o Esperançar de Paulo Freire vive, acontece, e dá frutos de um futuro de paz e democracia.  

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko