Rio Grande do Sul

Coluna

Sou judia e sou contra todo tipo de genocídio

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Lembrança de uma vigília em defesa do povo palestino, em 2014 - Arquivo pessoal
O maior conflito é os dois povos reclamarem as mesmas terras, só para si

Desde aquele terrível atentado de Hamas, que no início era um conflito, hoje a guerra não sai das nossas cabeças.

Não sou de falar por outras pessoas, mas vejo como o cruento massacre que o povo palestino está vivendo na Faixa de Gaza aparece o tempo todo nas redes sociais e, agora também, na mídia.

Não cansarei de perguntar como é possível, ainda não faz nem 100 anos que pessoas das nossas famílias eram exterminadas em Auschwitz e outros campos de concentração. E hoje, não só o governo de ultradireita massacra toda uma população, como muita gente do seu país e até do Brasil e do mundo, o apoiam. Essa não é a humanidade com a que eu um dia sonhei.

Não defendo o Hamas. Jamais faria isso. O deles, foi um ataque de proporções inumanas. Mas a maioria da população da Faixa de Gaza não faz parte deles. Menos ainda as crianças.

Por que não libertam as/os reféns?! Que carta, que manga implica ter essas mais de 200 pessoas em cativeiro, enquanto mais de 8.000 já morreram?

Minha cabeça procura entender o conflito, há anos.


O Estado de Israel amplia suas fronteiras ocupando territórios que pertencem ao povo palestino / Reprodução

Antigamente toda essa terra era chamada de Palestina e lá viviam as pessoas do povo árabe. Aos poucos, o povo judeu foi se aproximando, e se assentando e ficando. Quer dizer, é uma mesma terra que dois povos desejam para si.

O problema se acirra quando em 1948 se constitui, ali, o Estado de Israel. Lembremos que durante a II Guerra Mundial, Alemanha tinha assassinado 10 milhões de pessoas, das quais 6 milhões eram judias. Por isso, o povo hebreu estava procurando um refúgio e essa região já estava no Antigo Testamento como a Terra Prometida.

Com o tempo, o Estado de Israel amplia suas fronteiras ocupando territórios que pertencem ao povo palestino, sendo as pessoas empurradas para uma pequena Faixa de Gaza de 41 quilômetros na sua extensão e 12 na largura, chegando a mais de 20.000 habitantes por quilômetro quadrado.

Demorei anos a entender o que acabei de escrever, pois nunca tinha sido me narrado de uma forma simples. Porque não é. Ao contrário, é extremamente complexo e com muitas conotações políticas, o que subjetiva muito a visão.

O maior conflito é os dois povos reclamarem as mesmas terras, só para si.

E se não existissem as fronteiras?

E se os Estados Unidos não produzissem armas?

E se toda a humanidade lutasse contra o capitalismo e a propriedade privada, haveria tal conflito?

Em 1989 participei de um workshop de fotojornalismo, ainda morando em Buenos Aires. Eu era fotógrafa e me preparei durante meses para fazer parte desse curso que tanto prometia. Consegui. Foram 4 dias junto a maiores fotojornalistas do mundo. No ano seguinte eu fui morar em Israel, não por sionista, mas fugindo de mais uma crise econômica da Argentina. Um dia, nas ruas, encontrei por acaso com Abbas, grande fotógrafo iraniano e um dos profissionais que tinha dado o curso junto com Sebastião Salgado, Susan Meiselas e outrxs grandes mestres. Eu estava com outra fotógrafa, ela de Luxemburgo, quando ele olhou para nós e perguntou, “mas vocês não querem a paz?”

Fico até constrangida de ter demorado tantos anos a entender sua pergunta.

Ao início dos anos de 1990 eu não era tão politizada como agora, mas percebia certas coisas que eu não gostava, tanto que não fiquei morando na Terra Prometida e voltei a mi Buenos Aires kerida, cidade na qual nasci pela primeira vez (antes de voltar a nascer, por segunda vez, em Porto Alegre).

Voltando agora ao atentado de 7 de outubro, eu só o vejo como uma consequência quase matemática de quem enxerga seu povo sendo empurrado a uma pequena faixa de terra, a um cárcere a céu aberto. Foi terrível e muito violento, foram raivas escapadas de uma panela de pressão. Vendo assim, surpreende?

Nesses dias conversei com uma (ex?) amiga israelita, da época em que morei lá. Ela insiste em que eu defendo o Hamas e me diz que eu sou uma judia desprezível. Eu não digo nada a ela, mas a comparo com Bush, lembrando quando dizia “estão conosco ou contra nós”.

Acho que sou uma pessoa não binária em todas as dimensões da vida. Não podemos reduzir um conflito tão grande ao estar a favor ou contra, por isso, faz dias que não paro de pensar e estou aqui escrevendo. Tentando me explicar ao tempo que converso com vocês.

Mas podemos olhar para o conflito árabe – israelita sem olhar para nós, aqui, do continente americano, antes chamado de Abya Yala; e Brasil, antes nomeado como Pindorama, em um momento que ainda se discute a demarcação das terras indígenas? Não é acaso o mesmo conflito em diferentes proporções? Chega um grupo de pessoas se impondo a outro grupo que já vivia ali e crava sua bandeira.

E agora, meu povo?

Imagino que, muito provavelmente, todas as pessoas que estejam lendo concordarão com a demarcação das terras, mas os povos originários de Abya Yala têm perdido muitos direitos e terras e têm sofrido muitas matanças nesses 500 anos.

Termino este texto com uma característica judia, a de gerar mais interrogantes do que oferecer respostas.

Ato global pela Palestina, sábado, 4 de novembro, às 15 horas no Largo Glênio Peres – Porto Alegre/RS.

* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de Meu último poema, 2023;  Em breve tudo se desacomodará, 2022; organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre desde 2017 e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta. 

** Este é um artigo de opinião. A visão dx autorx não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko