Rio Grande do Sul

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Especialistas debatem sobre a importância da Assistência Social no contexto do desastre

A quinta live da série 'Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Estamos preparados?' foi ao ar nesta quarta-feira

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Programa vai ao ar pelos canais do Brasil de Fato RS e do Brasil de Fato no Youtube, quinzenalmente, às quartas-feiras, às 19h - Foto: reprodução

No final da tarde desta quarta-feira (8), às 19h, foi ao ar o quinto episódio do programa ‘Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Estamos preparados?’, uma produção da rede Brasil de Fato. Com apresentação da jornalista e editora do Brasil de Fato RS Katia Marko e a advogada especialista em desastres e meio ambiente Fernanda Damacena, o programa abordou sobre a atuação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em calamidades.

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O programa contou com a participação da socióloga Alice Dianezi Gambardella, mestre e doutora em Serviço Social, professora colaboradora no programa de pós-graduação em Serviço Social da Federal da Paraíba. Alice, também foi integrante do Projeto Elos de aprimoramento da implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden - 2020-2021), e consultora em emergências e calamidade públicas (quebra de barragens, inundações, incêndios e deslizamentos de terra), incluindo os casos Samarco e Vale em Minas Gerais/BR (2018-2019).

Outro convidado para a conversa foi o psicólogo social Joari Carvalho que é técnico na gestão do SUAS em Suzano/SP. O especialista compõe o Grupo Temático de Educomunicação e Assistência Social da ABPEducom. Também assessorou a publicação de orientação técnica sobre o SUAS em calamidades públicas e emergências, além de compor e coordenar grupos temáticos sobre assistência social e emergências e desastres do Conselho Regional de Psicologia SP (CRP-SP) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Os especialistas debateram sobre a importância da Assistência Social no contexto do desastre, ainda mais diante da frequência desses eventos que aumenta exponencialmente no Brasil e no mundo. “Durante muito tempo, por incrível que pareça, a legislação brasileira que apresenta a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que é a Lei 12.608 de 2012, não mencionava assistência social entre as políticas públicas que devem agir de forma transversal com a proteção e defesa civil e tantas outras, como mudanças climáticas, meio ambiente, enfim”, aponta Fernanda Damacena que iniciou o debate.

“Em 2020, essa situação muda, porque nós temos um decreto que regulamenta parcialmente esta lei de 2012 e inclui, então, a atuação da assistência social ali entre as políticas públicas expressamente, o que é um ganho normativo muito grande, a partir do qual, então, se desenrola uma série de questões”, afirma Fernanda. Segundo ela, quando falamos de políticas públicas estamos falando de garantia de direitos. “Destaco que estamos falando de uma política pública, mas, também, de atuação paritária à proteção e defesa civil, e que exatamente por estar muito próxima vai nos trazer aí uma série de lacunas, desafios e questionamentos”, ressalta.

A assistência social como um direito e não como um favor

Já o psicólogo social Joari Carvalho ressaltou que em 15 anos atuando enquanto trabalhador da assistência social, não teve um ano em que não tenha acabado, direto ou indiretamente, lidando com alguma demanda emergencial ou até de calamidade. “Pensando a emergência aqui, em alguma demanda para a qual a gente tenha alguma resposta rápida, mesmo que a gente consiga trabalhar de maneira contingente, ou uma calamidade. Quando rompe o cotidiano, nós precisamos nos rever e, às vezes, até receber apoio de outras políticas públicas, de corpos voluntários da sociedade organizada, de outras esferas de governo, que tem sido cada vez mais comum”, comenta. 

Para o especialista, o efeito das mudanças climáticas, que há décadas vem sendo anunciado, está mais do que previsto, está dando os seus sinais e mostrando já as suas consequências. “Então, dois pontos. Primeiro, esse assunto, eu diria que ele não é tão novo na assistência social quanto se imagina. E ele, na verdade, está no motivo da existência da própria política de assistência social, porque uma das razões para a política como direito de existir tem a ver com a seca, tem a ver com a carestia que o Brasil enfrentou no final da década de 1970, e isso foi motivo para a própria sociedade organizada se revoltar contra a ditadura que ainda existia no país, o regime militar, e por uma Constituição Democrática”, avalia Joari.

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Ainda avalia que a Constituição Democrática previu pela primeira vez uma ação chamada de assistência social como um direito e não como um favor, não como uma caridade, como era visto até então. “O que foi previsto inicialmente tem a tarefa geral da política, que é promover a dignidade e a proteção social, e deixou também explícito alguma ação emergencial em termos de recursos, em termos de compensações, previstos em lei, ou seja, que o Estado deveria se preparar, porque é uma dívida com a sociedade para quando isso acontecesse. Como serviço descrito detalhadamente, isso aconteceu, como a própria política, só em 2009”, comenta. Também ressalta que como todos os outros serviços da assistência social, esse documento importantíssimo para a política já previu o serviço de proteção em calamidades públicas e emergências.

“O debate vencido para 2009 foi o debate, e a meu ver, correto, pensar como uma proteção integral também, que é pensar não só o benefício, que para algumas pessoas será necessário, mas para outras não é só o benefício, é um conjunto de ações de fortalecimento dos vínculos, de construção de relações, de reconstrução, pessoas que às vezes perdem entes, pessoas que perdem a sua história, sua memória, e esse papel do trabalho da assistência social nas comunidades, nos territórios, é valioso nesse sentido”, ressalta.

Desafios da política de assistência social

Outro aspecto discutido durante o programa foi a forma de operação, uma forma de demonstrar fluxos e relações entre os entes federados, entre financiamentos, que regulam a política pública de assistência social e a forma dela ser prestada para a população. “Temos aprendido muito sobre o aprimoramento dos serviços, porque todos os serviços vêm ganhando fôlego, vêm ganhando aprimoramento e a gente teve a oportunidade, com a pandemia e com esses episódios que aconteceram, de aprimorar também um sistema, um serviço que está dentro desse sistema protetivo da assistência social”, afirma Alice.

A especialista reforçou que a partir desse aprendizado, começou a se dar visibilidade para as interrelações e as interconexões que a política de assistência social tem com as demais políticas. “Quando a gente vê um caso de desastre, por exemplo, com rejeitos tóxicos de minérios, a gente percebe que o SUS, Política de Assistência de Saúde, ela tem um protocolo, ela tem uma regulação, ela tem uma organização, quer dizer, ela tem um avanço organizado em relação a protocolos que a assistência social ainda não tinha. E quando a assistência social começa a se deparar com essa avalanche de desastres, onde não é mais um caso aqui, outro caso ali, quer dizer, a gente está tendo uma explosão de desastres em várias regiões do país, de ordem diferente, com magnitudes diferentes, de origens diferentes, a gente vai sendo convocado, nós trabalhadores sociais, nós vamos sendo convocados a estudar e nos apropriar de novos recursos para os nossos trabalhos”, comenta.

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Segundo Alice, uma das coisas que é muito difícil de se trabalhar hoje é em relação aos direitos das pessoas afetadas por desastres. “Embora seja uma prerrogativa em defesa de direitos que seja uma das seguranças que nós devemos afiançar dentro do escopo da política de assistência social, o trabalhador não teve ainda esta formação e não consegue verbalizar e vocalizar o que é afiançar esta segurança. Então muitas vezes ele vai lançar mão de um técnico de Direito, de um advogado para aproximar das equipes de resposta, vemos isso quando um desastre acontece”, pontua. Para ela estes saberes de cada área de conhecimento precisam estar interconectados.

A série de lives "Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Estamos preparados?" vai ao ar pelos canais do Brasil de Fato RS e Brasil de Fato no Youtube, quinzenalmente, debatendo a cada quarta-feira, às 19h, um novo assunto.

Assista o programa na íntegra:


Edição: Katia Marko