Rio Grande do Sul

Coluna

Alegrias e tristezas de cada dia e suas-seus anjas-os da guarda

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"É urgente respirar, continuar respirando. É preciso resistir, ainda vivos e com esperança" - Imagem: Arte do pintor palestino Sliman Mansour
É hora de manter acesa a chama da solidariedade, e mais que nunca, a chama do diálogo e da paz

A vida e os tempos estão muito difíceis. Dá vontade de não entrar na internet, ler notícias, textos e informações, abrir jornais, ligar o rádio, ver tv. Muita tristeza, muita morte, muita dor, clima maluco, as guerras por todos os lados, seja as de Rússia-Ucrânia, seja Hamas-Israel, com as mortes-assassinatos de milhares de crianças, seja a violência e guerras nas periferias das grandes cidades e mesmo em pequenas comunidades do interior.

Se hoje está difícil viver e sobreviver, imagina, digo sempre para as e os mais jovens nos eventos dos quais participo: como será daqui a 30, 40 anos? “Não estarei mais aí enchendo o saco de ninguém, mas vocês estarão muito vivos! Como vai ser? Que mundo vamos ter, quem sabe quase sem água, temperaturas insuportáveis, loucuras climáticas mais ferozes que as de hoje, etc., etc.”

Por isso e muitas coisas mais, de vez em quando é preciso dar-se um tempo, ficar mais com a família, ter, ou tentar ter, alguns dias de ´vida normal´, aproveitando os feriadões, vários neste final de 2023. No meu caso, ir para Santa Emília, minha comunidade de origem, Venâncio Aires, Capital Nacional do Chimarrão, interior do interior do Rio Grande do Sul:  ficar com a família e comunidade, como fiz nos últimos dias. E aproveitar para refletir sobre o mundo e a vida, ver o amor felizmente ainda vivo e presente nas famílias e comunidades, o respeito e cuidado umas pelas outras, uns pelos outros e com a Casa Comum.

E poder comer frutas colhidas no próprio pé: laranjas, pitangas, jaboticabas, pêssegos, moranguinhos. Saborear frutas, verduras e legumes, plantadas e colhidas pelas mãos dos próprios manos, que o fazem há décadas, herança dos avós José e Gertrudes, e aprofundadas pelos pais Léo e Lúcia. E levar de volta para a cidade grande, como presentes generosos, guloseimas, sobras de comida que, estando distante de Santa Emília, são ainda mais gostosas. E que vou comendo muito aos poucos, como se não terminassem nunca.

E olha só! Sentar na cadeira de balanço da vovó de mais de 100 anos! E, olhando para a direita, ver um matinho a 100 metros, preservado, onde, crianças, fazíamos o que chamávamos de piquenique, debaixo das árvores dos pinheiros e das taquareiras. Olhando para a esquerda, sentado na cadeira de balanço, ver tudo verde, muitas árvores serpenteando as casas de vizinhos e o asfalto, que chegou há algum tempo em Santa Emília. Tendo sol, como nos últimos dias, pode-se ir do arroio no início da propriedade familiar, onde nos banhávamos quando crianças, até o arroio no final da propriedade, cerca de 2 quilômetros de caminhada regeneradora, estrada de chão, plantações por todos os lados, vários matinhos. E lá no final uma pequena floresta, jamais tocada, com árvores centenárias enormes.

Aos domingos, momento de rezar com a comunidade, depois de visitar os cemitérios onde estão os familiares queridos. E, claro, rezar, também e muito, pelos vivos, para que continuem vivendo em paz, não cedam ao ódio, à intolerância e violência dos tempos atuais, que, infelizmente, já estão chegando em lugares e comunidades onde nunca antes tiveram nem vez e voz.

Mais ainda, caras leitoras, caras leitores: ir no campo do Esporte Clube São Luiz de Santa Emília, onde joguei a partida de inauguração, há mais de 50 anos, e torcer hoje pelo mesmo São Luiz no Campeonato dos Veteranos, e ser de novo vitorioso. Depois da vitória no jogo, no Ginásio Luizão, encontrar as pessoas ao redor do balcão, conversar sobre o mundo, o passado e a vida ao lado de um bom copo de cerveja, antes do churras tri bem servido.

Durante os dias por lá, degustar com a família boas caipas, feitas com cachaças da terra, e saborear churras com carnes de produções da própria família. Receber a ajuda da cunhada Rejane na hora de tirar os aparelhos colocados há poucos dias pelo dentista Márcio, e que ainda não aprendi a manejar. E conversar, conversar, conversar!

As anjas e os anjos da guarda estão presentes, prestativos, solidários com minhas solidões e angústias. Momento de rir, de receber, como sempre, ´broncas´ dos manos e manas, alguns bem-vindos, outros nem tanto, sobre o que faço ou deixo de fazer, sobre minhas loucuras, sobre eu, segundo eles, mais pensar nos outros que em mim, não aproveitando bem a vida, ainda mais na minha idade, etc., etc. E, sobretudo, pensar sobre o futuro, sobre o que ainda é possível e necessário, sobre o que virá.

O tempo e os anos são irrecuperáveis. É hora de celebrar a vida, a natureza, a Casa Comum, quando possível. E assim manter acesa a chama da solidariedade, da ternura e, nos tempos atuais, mais que nunca, a chama do diálogo e da paz.

É urgente respirar, continuar respirando. É preciso resistir, ainda vivos e com esperança. Dar/entrelaçar as mãos, deixar os corações se envolverem na fraternidade, abraçar-se com fé, força e coragem: ninguém solta a mão de ninguém. TAMO VIVO!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko