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Os 50 anos da RMPA. O que comemorar?

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"As regiões metropolitanas retornaram ao debate nacional, com a criação do Ministério das Cidades (2003) e com a aprovação do Estatuto da Metrópole" - Foto: Paulo Soares
A história da RMPA condensa grande parte dos desafios e problemas econômicos, sociais e ambientais

O processo de metropolização no Brasil partilha significados contraditórios, que marcam sua história e sua espacialidade. Símbolos do projeto desenvolvimentista e da modernização autoritária, em 2023 as regiões metropolitanas brasileiras completam 50 anos de existência.

Criadas no bojo da Ditadura Civil-Militar, as primeiras nove regiões metropolitanas do país, entre elas a de Porto Alegre, foram institucionalizadas em 1973 e 1974. Naquele momento, foi organizado um aparato técnico, jurídico e geográfico para conceituar e classificar um léxico de termos que passou a vigorar nas redes de planejamento urbano, tal como metropolização, regionalização e plano de desenvolvimento. 

Neste cenário a “Grande Porto Alegre”, institucionalizou-se como Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Esta foi oficializada contando com uma população de 1,5 milhões de habitantes, que correspondia a 23% da população do estado, distribuída em 14 municípios.

Fizeram parte da sua configuração original, além da Capital, os municípios de Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia do Sul, Viamão, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom, Estância Velha e Sapiranga.

A Constituição Estadual, promulgada em 1989, adicionou oito municípios à RMPA, entre eles Triunfo, sede do Polo Petroquímico. Posteriormente, sucessivas leis complementares anexaram doze municípios, chegando à configuração atual de 34 municípios, mais de 10 mil km² e cerca de 4 milhões de habitantes. 

Enquanto fenômeno geográfico e urbano, o processo de metropolização encontra suas origens, todavia, algumas décadas antes, por volta da década de 1940, sendo correlacionado à industrialização do RS e ao êxodo rural que marcou as dinâmicas sócio-territoriais na segunda metade do século XX.

Em alinhamento com um modelo de sociedade fordista, importantes parques industriais de setores dinâmicos (metalúrgico, metal-mecânico, químico) foram lançados na RMPA no decorrer das décadas de 1960, 1970 e 1980, especialmente nos municípios mais próximos a Porto Alegre, cidade que foi se especializando em serviços. Ao norte, a tradicional indústria coureiro-calçadista deu coesão a um conjunto de municípios do Vale do Rio dos Sinos polarizados por Novo Hamburgo e São Leopoldo.

Esta configuração - que ainda define muitas das características da RMPA - vem sofrendo, porém, algumas alterações desde os anos de 1990. No século XXI, mais acentuadamente, a RMPA apresenta-se mais complexa, com aumento da predominância dos serviços além da Capital e com novas polarizações e centralidades, que apontam tendências à geração de uma metrópole multipolar. À dispersão urbana, que esgarça o tecido urbano por antigos setores rurais, soma-se a este processo.

Desta forma, a história da RMPA condensa grande parte dos desafios e problemas econômicos, sociais e ambientais que se apresentam no tempo presente no que diz respeito às contradições e clivagens entre o planejar e o executar, na solução de históricos problemas de infraestrutura e habitação, a desindustrialização e a construção de uma “identidade metropolitana”. De fato, Porto Alegre e sua região metropolitana espelham muitas das características da urbanização seletiva brasileira e transparecem uma cartografia geossocial das desigualdades.

Por outro lado, o insistente imaginário de que não houve um planejamento tanto desacredita muitos estudos e projetos realizados à época, quanto retira totalmente a responsabilidade do Estado na condução de um projeto desigual de distribuição do território, suas naturezas e serviços.

Dentre as instituições vinculadas à RMPA, merece especial atenção a Metroplan, uma entidade pública de direito privado, criada em 1975. O órgão trata, essencialmente, de tarefas de planejamento e não de execução. Ao lado da Fundação de Economia e Estatística/FEE, a Metroplan promoveu uma série de publicações oficiais sobre a RMPA, além de planos em setores importantes para o planejamento metropolitano (Plano Diretor de Transportes Urbanos da RMPA – PLAMET, 1976 e Plano Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana – PITmurb, 2006). 

As regiões metropolitanas retornaram ao debate nacional, com a criação do Ministério das Cidades (2003) e com a aprovação do Estatuto da Metrópole (Lei Federal 13.089/2015). Por meio desta Lei foram estabelecidas diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos estados, definindo ainda os princípios para a realização de Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI).

Dentre as regiões metropolitanas mais antigas do país, a RMPA é uma das que ainda não tem seu PDUI. De fato, o RS tem adotado uma política de descarte institucional na contramão de qualquer possibilidade de planejamento e gestão pública. Em 2016 o governo do estado extinguiu a FEE e deu início à extinção da Metroplan, aprovada através da Lei 14.982/2017, tendo sido decretado também o fim de outras fundações estaduais. Desde então, o asfixiamento e sucateamento institucional tem se acentuado.


Livro resgata a história e a trajetória da Região Metropolitana de Porto Alegre / Divulgação

Assim, com o objetivo de resgatar e registrar a história e a trajetória da Região Metropolitana de Porto Alegre, é que organizamos e apresentamos o livro Região Metropolitana de Porto Alegre (1973-2023) – RMPA 50 Anos: História, Território e Gestão (Editora Oikos, 2023), disponível para download no seguinte link: https://oikoseditora.com.br/new/obra/index/id/1339.

No livro, um conjunto de pesquisadoras e pesquisadores de renome se debruçam sobre as cinco décadas da existência da RMPA. Até o presente momento, os estudos contemplaram tanto o planejamento técnico e a institucionalização da RMPA, quanto algumas das problemáticas sociais espaciais listadas. Porém, não são poucos os temas inéditos, além daqueles que merecem ser revisitados. Com essa expectativa, apresentamos a obra, que objetiva fazer uma avaliação teórico-crítica da evolução da RMPA entre 1973 e 2023.

A obra está dividida em quatro partes, iniciando com a reconstrução da “História e gestão metropolitana: os 50 anos da RMPA”, passando por uma avaliação sobre os “Espaços, meio ambiente e morfologias” e sobre “Atores, habitação e movimentos sociais”. A sessão “Casos exemplares e temas emergentes” dá a ver a presença de assuntos correlatos à atualidade do cotidiano metropolitano.

O livro é finalizado, enfim, com um instigante posfácio sobre o futuro da região metropolitana e os principais desafios que se colocam para o seu estudo e sua vivência na contemporaneidade. Almejamos, assim, singularizar as complexidades da Região Metropolitana de Porto Alegre em perspectiva comparada com outras realidades em nível nacional e global, além de potencializar projetos que proporcionem melhores condições de vida para todas as suas populações.

* Danielle Heberle Viegas, doutora em História, pesquisadora do Max Planck Institute (Alemanha) e do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre; Heleniza Campos Ávila, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Propur da Ufrgs e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre; Paulo Roberto R. Soares, professor do Departamento de Geografia e do Posgea da Ufrgs e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre.

** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras e do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko