Paraná

REPORTAGEM ESPECIAL

REPORTAGEM. Crise do leite: Agricultores familiares do Sudoeste defendem compras públicas e redução de importações

Produção a base de pasto e diversificação de atividades produtivas viabilizam a agricultura familiar

Francisco Beltrão (PR) |
Em outubro de 2023, o Brasil importou 200 milhões de litros/mês, leite em pó adquirido por grandes empresas - Eder Borba

Na comunidade da Abundância, zona rural do município de Coronel Vivida, região sudoeste do Paraná, vive a família Oliveira.

A primeira geração, o senhor Altair e a dona Helena, já usufruem do direito da previdência social, mas continuam na labuta diária, contribuindo com as atividades desenvolvidas neste sítio de 23,5 alqueires, juntamente com seu casal de filhos, Adriano e Eliane, e suas respectivas famílias.

O sítio é diversificado, com produções de grãos (soja e milho), carne (caprinos, ovinos, bovinos), hortaliças, produções para o auto consumo e leite; e está em processo inicial de uma experiência de turismo rural.

Na produção de leite a família tem ampla experiência. Adriano Oliveira conta que começou cedo, com 15 anos, ajudando seus pais, “lá se vão 35 anos”, comenta. Hoje, estão com um plantel de 21 vacas (raça holandesa e Jersey), sendo 18 em lactação.

O sistema de produção optado é a base de pasto. No verão, 1 alqueire da área é destinado para pastagens anuais e 2 alqueires possuem pastagem perene. Já no inverno, utilizam 6 alqueires da área de grãos, para cultivo de aveia e azevém.

Como complemento da alimentação é fornecido silagem de milho e feno, essenciais para suprir os períodos de entressafra ou até mesmo garantir a alimentação em períodos de estiagens. Quanto a ração, como forma de diminuir custos, são distribuídas pequenas quantidades ao rebanho, apenas para suprir alguns minerais.

Sobre o momento atual de crise, Oliveira afirma que está difícil:

“Esse mês não teve queda no preço de leite, recebemos o mesmo valor do mês passado, R$ 1.73/litro, mas a margem de lucro é pequena, entendo que um preço justo deveria ser de no mínimo R$ 2,50/litro. Se continuar assim, a tendência dos agricultores com produção de pequena escala, é de pararem com a atividade”, afirma.

Apesar disso, não está nos planos da família encerrar a produção de leite, pelo contrário, como perspectiva pretende-se ampliar as áreas de pastagem e melhorar a genética do plantel. “Não queremos aumentar a quantidade, apenas melhorar a qualidade. Não queremos ser escravos das vacas, queremos trabalhar, mas também ter qualidade de vida”, comenta Adriano.

Divisão de tarefas

O trabalho desenvolvido em parceria entre as famílias, permite uma divisão das tarefas e escala para fins de semana e feriados, possibilitando alternância de descanso. A família de Eliane voltou recentemente, há aproximadamente um ano, e tem contribuído para aliviar a carga de trabalho.

Como principais desafios, Oliveira aponta a falta de controle do preço e a ausência de um acompanhamento técnico público e gratuito. “O leite é o único produto que você entrega sem saber quanto irá receber, isso gera dificuldade até para fazer um planejamento. Nossa dinâmica não é de fazer grandes investimentos. Não temos dívidas, a estrutura é simples, mas funcional e está tudo quitada. Temos uma sala de ordenha, com ordenhadeira, transferidor e resfriador; apenas o resfriador foi financiado pelo Pronaf, os demais foram pagos com recursos do próprio leite,” conta.

Quanto ao acompanhamento técnico, por serem cooperados da Coamo, recebem orientações de um veterinário da cooperativa. “A assistência tem que ter, por mais que a gente tenha noção, sempre tem o que aprender e a orientação técnica é fundamental,” afirma.

Opinião técnica

Para o técnico em agroecologia, Cleverson Vezentin, que presta assessoria a agricultores familiares na região sudoeste do Paraná, a principal preocupação atualmente que ele identifica é a eficiência produtiva e alimentar dos animais.

“Estamos vivendo uma retração no preço do leite, mas é preciso fazer contas, porque, se comparado a 2021, não está tão ruim, devido à baixa nos insumos. Nós precisamos sentar na propriedade e fazer um planejamento. Por exemplo: o tamanho do rebanho em lactação, qual variedade de milho irá plantar para fazer silagem, definir quanto de volumoso necessitará durante o ano, saber quanto está investindo e quanto está obtendo de retorno”, afirma.

Sobre o cenário atual, Vezentin comenta que há uma grande desistência de produtores. Segundo ele, isso se deve a valorização do preço das commodities de grãos (soja e milho) e pela falta de mão de obra, em que há dificuldade das famílias realizarem a sucessão familiar.

No que se refere ao preço pago ao produtor, ele faz um comparativo com outros períodos de crise. “Se nós compararmos com outubro de 2021, o leite teve uma baixa, era um momento muito difícil e o pessoal sobreviveu. Depois, em 2022, teve uma alavancagem, chegando próximo a R$ 4,0/litro, alguns produtores fizeram altos investimentos, se endividando e não fizeram um fundo de reserva. Agora, em outubro de 2023, o preço se mantém próximo a R$ 2,0/litro, realmente não é um valor justo, mas por outro lado, observo uma baixa no preço do concentrado, dos medicamentos e do diesel.”

Quanto às importações de leite do Uruguai e da Argentina, Vezentin comenta que “Não chega a 10% da produção nacional. Em outubro de 2023, o Brasil importou 200 milhões de litros/mês, esse leite em pó foi adquirido por grandes empresas, que trouxeram ele desidrato, reidratam e colocaram nas gondolas dos supermercados para obterem mais lucro. Apesar de ser um percentual pequeno, provocou um desequilíbrio no mercado nacional.”

Referente aos modelos produtivos adotados na região sudoeste, Vezentin declara que atende agricultores que produzem a base de pasto (pastagens perenes, anuais e silagem), com produção média de 18/litros/vaca/dia, com um custo entre 35% a 40% e conseguem obter renda. Por outro lado, acrescenta, “Quem trabalha com os animais fechados, em compost ou fristal, tem um custo muito alto, com estrutura, juros do investimento, dieta animal, acarretando na inviabilidade da atividade”.

Pauta de reivindicação da agricultura familiar

Desde o fim de 2022, as Federações dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf´s) dos três estados do Sul, têm realizado um permanente diálogo com o governo federal, debatendo a crise que afeta os agricultores que estão nessa atividade.

Como resultado dessa articulação, o governo anunciou três medidas importantes para os produtores de leite, sendo a suspensão da Resolução GECEX n° 353 para 29 produtos lácteos, ampliação do imposto de importação para queijos e manteiga e a destinação de R$ 100 milhões para compra de leite das cooperativas da agricultura familiar.

Entretanto, de acordo com o coordenador da Fetraf Pr, Elizandro Krajczyk, “é necessário avançar ainda mais na redução das importações, ampliando o valor destinado às compras públicas e atender as demais pautas das federações, especialmente a subvenção direta para os agricultores familiares produtores de leite no valor de R$ 0,30 (trinta centavos de real) por litro produzido por um período de 90 dias, garantia de preço mínimo do leite e criação de programas específicos que estimule um modelo de produção que vise a redução de custos, além de ampliar a fiscalização afim de garantir que as empresas cumpram as regras de importação e processamento do leite”.


Agricultores familiares do Sudoeste defendem compras públicas / Eder Borba

Dados da produção de leite

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de leite, com mais de 34 bilhões de litros por ano, empregando perto de 4 milhões de pessoas.

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária a produção de leite está presente em 98% dos municípios brasileiros, tendo a predominância de pequenas e médias propriedades e gerando renda para mais de 1 milhão de famílias.

O estado do Paraná é segundo maior produtor de leite do Brasil com 12,9% da produção nacional. Esta produção é obtida por 110 mil produtores, dos quais 86% são pequenos produtores com até 250 litros/dia. O sistema é baseado na produção a pasto, sendo que a maioria das propriedades tem até 50 hectares. Entre 2008 a 2018, a produção aumentou 98%.

A maior bacia leiteira do estado paranaense se localiza na região sudoeste, com uma produção de 1,8 bilhão de litros de leite por ano, sendo responsável por aproximadamente 25% da produção estadual.

Das 15 cidades de abrangência do Núcleo Regional do Departamento de Economia Rural (Deral) de Pato Branco, o município de Coronel Vivida ocupa a quarta colocação, alcançando, em 2022, uma produção de 28,8 milhões de litros de leite.

Edição: Pedro Carrano