Rio Grande do Sul

SAÚDE PÚBLICA

CES/RS convida entidades e movimentos sociais de representação estadual para compor o órgão

O Conselho Estadual de Saúde do RS pela primeira vez em sua trajetória terá uma eleição para recompor o colegiado

Brasil de Fato | Porto Alegre |
 O CES/RS realiza um chamamento público para credenciamento das entidades ou movimentos sociais representativos dos respectivos segmentos para preenchimento das vagas - Foto: divulgação

O Conselho Estadual de Saúde do RS completa 30 anos em 2024 e, pela primeira vez em sua trajetória, terá uma eleição para recompor o colegiado. Desde a sua criação, o conselho de saúde gaúcho tinha um rol taxativo de entidades que permaneceram inalteradas ao longo do tempo. Historicamente, há uma luta por parte dos conselheiros para que este cenário fosse o mais democrático possível e realmente trouxesse uma representação da sociedade civil com seus vários segmentos.

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Com a aprovação da Lei 15.971, de 7 de julho de 2023, que redefiniu a forma de composição do colegiado, o órgão está em processo eleitoral, possibilitando a renovação das entidades e a ampliação da representatividade. Serão eleitos 44 conselheiros, 22 representantes de entidades de usuários, 11 de entidades de trabalhadores de saúde e 11 vagas para o segmento gestor/prestador de serviços.

O CES/RS realiza um chamamento público para credenciamento das entidades ou movimentos sociais representativos dos respectivos segmentos, os quais indicarão seus representantes para cada uma das vagas e respectivo suplente, observadas as normas eleitorais definidas em regulamento aprovado pelo Plenário do CES/RS e homologado pela Secretária de Estado da Saúde.

As inscrições já estão abertas e os requisitos podem ser consultados no site do órgão. O prazo final do credenciamento das entidades é dia 23 de fevereiro e a eleição irá ocorrer no dia 21 de março.

O atual presidente Claudio Augustin (CUT-RS) e a vice-presidente Inara Ruas (SERGS) da mesa diretora do CES/RS conversaram com o Brasil de Fato sobre o processo eleitoral. Confira como foi:

Brasil de Fato RS - Poderiam nos dizer como está sendo a construção do processo eleitoral que irá escolher a nova composição do CES/RS?

Claudio Augustin - Após um acordo com o Ministério Público, Secretaria da Saúde e nós, o Projeto de Lei foi encaminhado para a Assembleia Legislativa do Estado, e acabou sendo aprovado em julho de 2023, com um prazo de 180 dias para ocorrer a eleição, e mais um mês para tomar posse. Nós mudamos o regimento para se adequar a nova lei, e fazer os procedimentos necessários, porém o governo estadual não publicou no prazo estipulado que era entre setembro até novembro, com isso tivemos que interromper o processo.

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Após muita negociação, pois o atual mandato termina agora em 7 de fevereiro, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) orientou que se fizesse o edital mesmo passando o período, porque isso facilitaria a negociação com o governo, no sentido de mandar um novo projeto de lei estendendo o prazo, que nós queríamos que fosse mandado lá em dezembro e eles não mandaram. Então é isso que está em andamento, nós fizemos o edital abrindo o prazo para inscrições das entidades e movimentos sociais.

O período é horrível, véspera de Carnaval, férias... Por isso precisamos mobilizar as entidades e movimentos para se inscrevendo. O prazo final do credenciamento das entidades é dia 23 de fevereiro, depois a eleição vai ser lá no dia 21 de março, e a posse em abril.

Um dos princípios básicos do SUS é a participação da sociedade na definição das suas políticas

A 8ª Conferência Nacional de Saúde que aconteceu em 1986, serviu de base política para o Sistema Único de Saúde, que foi aprovado na Constituição de 1988, um dos princípios básicos do SUS é a participação da sociedade na definição das suas políticas. A Lei nº 8.142/90 define que cabe às conferências de saúde discutir e entender a situação de saúde de cada território, e definir as suas diretrizes que serão transformadas em políticas públicas aprovadas pelos conselhos nacional, estadual e municipal de saúde.

Nós estamos falando de uma alteração que ocorreu na lei do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul após 30 anos de luta do controle social, para democratizar a participação da sociedade. Atualmente está composto por 52 entidades, movimentos e governos, mas a participação não chega a 30 membros que participam efetivamente do dia a dia do conselho, com isso enfraquece muito a discussão e o enfrentamento político da questão da saúde.

Depois dessa luta de 30 anos, nós conseguimos aprovar em julho do ano passado uma nova lei que abre para um processo de escolha pela sociedade, de entidades e movimentos que vão fazer parte do plenário do Conselho Estadual de Saúde. Houve uma redução de 52 para 44, em que ficou definido da seguinte forma: 22 membros são do segmento usuário, 11 membros do segmento trabalhador em saúde, e 11 membros de representantes dos governos e de prestadores de serviços para o SUS.

Nós definimos através do regimento do Conselho Estadual de Saúde, que foi publicado em novembro, e no dia 22 de janeiro, foi publicado o edital convocando as eleições, e abrindo prazo para a inscrição de entidades e movimentos. No edital, que pode ser encontrado no site do conselho, estão definidas todas as regras do processo, mas em linhas gerais a gente pode passar algumas informações importantes.

Primeiro, as 22 vagas do segmento usuário está dividido em 12 subsegmentos usuário, sendo estes: aposentados, juventude, mulheres, negros, indígenas, patologias, deficiências, movimento sindical, movimentos sociais, cada um desses subsegmentos tem um número definido de vagas.

Já, o segmento trabalhador de saúde, que são 11 vagas, tem uma vaga para instituições científicas, uma vaga para os trabalhadores de nível médio da área da saúde, e 9 vagas serão distribuídas entre as 14 profissões consideradas profissionais de saúde, que são: Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.

E nas vagas do governo, tem duas vagas para os municípios, uma vaga para o Ministério da Saúde, e 7 vagas para o Governo do Estado, e duas vagas para prestadores de serviços ao SUS, ou seja, hospitais, clínicas, ou para o setor industrial para a saúde.

É essa composição, as entidades para se inscreverem, elas podem se inscrever como eleitores, ou eleitores e candidatos por subsegmento, e será desenvolvido pelo setor eleitoral da seguinte forma: havendo acordo no subsegmento, aquela entidade ou movimento estará eleita, não havendo acordo, haverá uma eleição dentro do segmento, aí os usuários se reúnem e decidem quem vai ocupar as vagas, e o segmento trabalhadores de saúde se reúne, define quem vai ficar com as vagas, e a mesma coisa prestador de serviço ao SUS. 

Inara Ruas - Esta nova lei foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa, algo inédito, todos os deputados votaram favoráveis à lei do Conselho Estadual de Saúde, para fazer realmente um retrato da sociedade civil gaúcha. E, também, como o Cláudio falou antes, tem muitas entidades que estão no rol taxativo, e que hoje não tem participação efetiva, ou até entidades que já foram extintas, ou estão em segmentos errados.

Então, esse edital com o novo regimento não vai mais permitir isso, porque a entidade faltante 3 vezes consecutivas ou 6 vezes alternadas, deve ser substituída, não vai existir mais vaga cativa, que era um conforto para essas entidades que não participavam e tinham um assento ali.

Temos vários casos no Conselho de entidades que têm assento e que seus conselheiros não comparecem aos plenários, isso prejudica muito o trabalho do Conselho. Então desta forma, nós vamos conseguir democratizar o conselho, e fazer o controle social efetivamente. 

BdFRS - Quais são as atribuições do Conselho de Saúde?

Augustin - Cabe ao Conselho, como eu falei antes, definir as políticas de saúde. Então, cabe ao Conselho Estadual, como o Conselho Municipal e o Conselho Nacional, aprovar a programação anual de saúde, que é a base para a LDO, que é a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que é a base para a lei orçamentária, então cabe ao conselho definir as verbas para a saúde.

Efetivamente, no estado do Rio Grande do Sul não está acontecendo isso ainda, mas essa é uma briga nossa, e que toda a discussão orçamentária seja previamente aprovada pelo Conselho, para ir para a Assembleia Legislativa. Com isso nós podemos colocar recursos onde a sociedade acha que é o correto.

Nós temos que colocar mais recursos na prevenção, seja na atenção básica, seja na vigilância sanitária, no sentido de garantir que as pessoas não adoeçam

Nós entendemos que nós temos que colocar mais recursos na prevenção, seja na atenção básica, seja na vigilância sanitária, no sentido de garantir que as pessoas não adoeçam. E ao adoecer, que tenham um pronto atendimento e seja recuperada a sua saúde, para evitar que a saúde das pessoas se agrave, e com isso exija custos muito maiores, custos financeiros, custos de equipamentos de saúde caros, exames caros, e tratamentos dolorosos muitas vezes que levam à morte, não podendo mais recuperar as pessoas.

Então nós temos que evitar que as pessoas adoeçam, evitar que as doenças que as pessoas adquirirem se agravem, pra isso tem que botar recursos, não pros hospitais, mas na atenção básica para evitar que as pessoas adoeçam. Isso além de melhorar a qualidade de vida da população, evita gastos maiores. 

BdFRS - O Conselho de Saúde, mesmo com todos os seus problemas, é uma referência ainda de um conselho com participação social, que mantém um sistema ainda de controle social, que mantém os conselhos, as conferências. Como se conseguiu isso?

Augustin - Essa foi uma luta do povo brasileiro. Eu comecei a falar lá da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que foi a primeira Conferência de Saúde em que teve a participação popular. E lá se definiram as diretrizes gerais do Sistema Único de Saúde (SUS), que depois foram incorporadas no processo Constituinte. O que garantiu isso, e acho bom chamar a atenção para esse detalhe, que não é um detalhe, o Brasil é o único país do mundo que tem na sua Constituição a participação da sociedade na definição das políticas públicas de saúde, nisso nós somos pioneiros.

E não é de graça que o SUS foi considerado monumento imaterial da humanidade, inúmeros países do mundo vêm ao Brasil conhecer o sistema, é uma referência internacional, e se nós fizermos uma análise séria do sistema, nós vamos chegar a conclusão que com os recursos que nós temos, e com a gestão que se tem até hoje, se construiu o maior sistema público universal de saúde do mundo. Isso é um milagre, o milagre brasileiro, com as condições que nós temos, fazer o que o SUS faz, é uma prestação de serviço de primeira qualidade e com poucos recursos, e nós podemos melhorar ainda mais, melhorar a gestão, se democratizarmos mais a gestão com maior participação da sociedade.

O Brasil é o único país do mundo que tem na sua Constituição a participação da sociedade na definição das políticas públicas de saúde, nisso nós somos pioneiros

E essa nova lei do Conselho busca ampliar a participação da sociedade na discussão da Saúde, na solução dos problemas que nós temos na Saúde, que hoje são bastante graves. Após o golpe que foi dado contra o Brasil, logo no início do governo Temer, foi mudada a política nacional de Atenção Básica, com redução das equipes, e logo em seguida foi mudada a forma a partir da Emenda 95 do Teto de Gastos, se mudou o financiamento da Atenção Básica, que antes era por população e pelo trabalho efetivo, e agora passou a ser por cadastro, e com isso amplia de forma assustadora a privatização dos serviços básicos de saúde.

Nós chegamos em Porto Alegre ao absurdo de ter 96% da Atenção Básica privatizada, terceirizada, com trabalhos precários para os hospitais, que é uma contradição, porque se a Atenção Básica funciona não fornece doentes para os hospitais. Em Porto Alegre são os hospitais que gerenciam a Atenção Básica para garantir o fornecimento de doentes aos mesmos hospitais, isso é um absurdo, mas é isso que nós estamos vivendo.

Com isso aumentou o adoecimento da população de todo o estado do Rio Grande do Sul, somado a isso nós tivemos a pandemia, que evitou uma série de atendimentos, hoje nós temos filas absurdas para consultas na Atenção Básica, nós temos filas absurdas para exames, nós temos filas absurdas para consultas especializadas, e filas absurdas para cirurgias de todas as áreas.

Nós estamos vivendo um verdadeiro caos sanitário no Rio Grande do Sul, e isso só vai ser superado no nosso entendimento quando a sociedade gaúcha resolver assumir pra si o rumo da saúde pública, e isso é a forma concreta como cada entidade, cada movimento social pode participar da reconstrução do Sistema Único de Saúde daqui do nosso estado. 

Inara - O estado precisa do Conselho, assim como os municípios precisam do Conselho, porque a lei nos garante elaborar e fiscalizar as políticas públicas, que a gente faça avaliações e coloque hoje num sistema de Avaliação de Desempenho (AD), no Ministério da Saúde, se a gente não coloca as avaliações no controle social lá, não vem dinheiro nem pro estado, nem pros municípios.

Nós estamos vivendo um verdadeiro caos sanitário no Rio Grande do Sul, e isso só vai ser superado no nosso entendimento quando a sociedade gaúcha resolver assumir pra si o rumo da saúde pública

Então eles precisam do Conselho, precisam do controle social também pra se manter, é uma necessidade. As Conferências que dão origem aos planos de saúde municipais e estaduais, também devem ser bancadas pelos poderes do governo, os governos têm que bancar e proporcionar que os usuários, que os trabalhadores possam se reunir e decidir os rumos da Saúde do governo brasileiro. 

Augustin - A existência dos Conselhos e das Conferências estão em lei, a Lei nº 8.142/90, é importante dizer que no governo Bolsonaro, ele extinguiu por decreto todos os conselhos de participação social, o Conselho de Saúde não foi extinto porque nós ganhamos no Supremo Tribunal Federal por existir essa lei.

Mesmo assim, os Conselhos estão sendo atacados de toda a forma, podemos pegar o exemplo aqui de Porto Alegre, em que o Melo aprovou uma lei que acabava o Conselho Municipal, e nós conseguimos derrubar na Justiça. O governador Eduardo Leite, através de um parecer da PGE, diz que o Conselho Estadual não tem poder deliberativo, só que ele tem, pela Constituição Federal, pela Constituição Estadual, pela lei federal e pela lei estadual.

Ao mesmo tempo que os Conselhos se mantêm, eles são sempre questionados politicamente por todos os governos autoritários. Então a participação da sociedade é fundamental para garantir o controle social efetivo para a Saúde, ou seja, mesmo tendo leis, os governos atacam os Conselhos. Nós só vamos continuar podendo fazer essa representação, se tiver base social e ação política da sociedade.

Eu vou dar alguns exemplos bem importantes. Durante a pandemia nós fizemos inúmeras resoluções, recomendações, manifestações, contra as ações genocidas do governo federal. Nenhuma delas foi homologada, mas nós colocamos as inscrições na rua, isso ajudou a reduzir o grau de mortalidade. Mesmo assim o Brasil foi o país em que mais morreram pessoas por habitantes na pandemia.

No Rio Grande do Sul morreu mais gente que no Brasil em relação à população, mas a letalidade do Brasil e a letalidade do Rio Grande do Sul estão entre as melhores do mundo. A letalidade refere-se as pessoas que morreram que foram contaminadas, isso mostra a importância indiscutível do SUS, quem salvou essas pessoas foi o SUS.

Então nós temos uma alta taxa de mortalidade e uma baixa taxa de letalidade, isso pra mim é um dado muito importante que a sociedade não conhece, e a imprensa não divulga, a gente fala sobre isso, mas tem pouca repercussão nas mídias em geral, a não ser as mídias alternativas como o Brasil de Fato que coloca essas coisas, mas são questões estratégicas que a sociedade tem que saber. 

BdFRS - Vocês poderiam explicar um pouquinho melhor quais os movimentos que podem participar, é qualquer movimento social? Tem que estar mais ligado à Saúde?

Inara - Tem que comprovar que a existência é de no mínimo 2 anos, ou ter que comprovar abrangência estadual, esses são os fatores primordiais. Na documentação que consta no regulamento eleitoral, diz como fazer para comprovar isso, por exemplo, no caso de movimentos sociais que não têm CNPJ. 

Augustin - É isso, a entidade tem que ter ata da eleição, registro no cartório, as questões básicas. Para movimentos sociais, nós fizemos algo bastante amplo. Não precisa ter registro no cartório, isso é a primeira questão importante, mas tem que comprovar que existe com boletins, com atas de reuniões, com manifestações na imprensa, com atestado do ente público, aquela entidade lutou por algumas questões, participou de grupos de trabalho, a gente ampliou o máximo que pudesse a comprovação da existência do movimento.

Tem movimentos sociais que comprovam de forma muito simples. Por exemplo, o MST tem uma ampla inserção social e todo mundo conhece, ninguém vai questionar se ele existe ou não existe, assim como tem a Via Campesina, assim como tem o MPA, como tem o MTST, assim como tem outros movimentos. Tem os movimentos de mulheres, e são inúmeros, tem a Marcha Mundial das Mulheres, tem o Movimento Negro Unificado.

O que esperamos é que venha muita gente, que as pessoas desejem um Conselho Estadual e que as entidades participem do que é seu por direito

Então esses movimentos todos que existem, eles podem comprovar. Quanto ao caráter estadual é estar presente em três macrorregiões de Saúde do estado, que são sete, ou estar presente em municípios que somados atinjam 1/3 da população gaúcha. Estes dois critérios existem, pois tem entidades que estão em movimentos mais centrados na região metropolitana, mas a região metropolitana tem 50% da população do estado, por outro lado existem macrorregiões que têm uma pequena população.

Nós usamos dois critérios no sentido de aumentar a possibilidade de entidades e movimentos participarem do processo, mas também não deixar a porta aberta, para que uma entidade municipal, ou um movimento municipal, que existem muitos, não fossem aprovados, por isso que é um Conselho Estadual, poderiam participar de um conselho municipal sem problema nenhum. Então fizemos uma coisa assim bem ponderada, dando amplitude, mas também não fechando as portas. 

Inara - O que esperamos é que venha muita gente, que as pessoas desejem um Conselho Estadual e que as entidades participem do que é seu por direito.


Edição: Ayrton Centeno