Rio Grande do Sul

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Depois da chegada vem sempre a partida

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"O sublime destas situações não pode ser explicado, mas também não pode ser negado" - Foto: Leonardo Melgarejo, do livro Estações (2005)
Yemanjá haverá de julgar e retribuir

Dia de Yemanjá. Nesta mesma fase lunar em que todos imaginamos as motivações que podem ter levado a família monstro a passear de lancha, e talvez jogar veneno no oceano enquanto dizia estar indo pescar, milhões fazem ofertas de amor à deusa do mar.

Como comparar os dois movimentos e a possível reação a eles, de forças espirituais que não alcançamos compreender, mas que sabemos que mobilizam a fé e a energia de multidões?

Yemanjá haverá de julgar e retribuir, na dimensão do merecimento e do conteúdo, tanto aquelas homenagens carregadas de respeito e expectativas positivas, como o eventual lançamento ao mar de celulares repletos de provas de ações em favor da miséria, injustiças e iniquidades contra milhões de inocentes?

Imagino que sim, e que podemos ter fé em relação a isso. Basta lembrar o retorno, ano após ano, de tantos fiéis, à sucessão de homenagens que somam agradecimentos pelo já ocorrido às esperanças do que virá, para supor que também as ofensas não serão ignoradas pela deusa do mar.

Ok, o maravilhoso, o sublime destas situações não pode ser explicado, mas também não pode ser negado. A complexidade disso envolve a humildade necessária para aceitar as limitações e a evolução gradual de nossa compreensão sobre os mistérios deste mundo. Coisa rara e delicada. Exige aceitar e crer na existência natural daquilo que não podemos enxergar ou racionalizar. E para isso, vale lembrar que, racionalmente, a iluminação de conexões que ainda não nos foram reveladas não as anula. Aliás, esta é uma constante na história do desenvolvimento humano. As bactérias, as viroses, as expressões definidas pela relação entre os códigos genéticos e o ecossistema, as relações entre matéria e energia, tempo e espaço, e a maravilhosa conexão que os físicos atuais estabelecem, entre a fé e a física quântica, se somam para justificar aceitação e crença no poder de Yemanjá.

Em outras palavras, aquilo que não entendemos nem por isso impede a ocorrência do que está além de nossa compreensão. Como algo inicialmente intuído por alguns animais, humanos sensitivos e profetas, grandes verdades de início ridicularizadas simplesmente se sucedem, se acumulam auxiliando a humanidade a qualificar sua visão de mundo. Para os primeiros, a sensação pode ser como aquela observada nas pequenas ondulações de energia, de inicio muito tênues, e que evoluem formando as grandes ondas do mar.

Por isso, imagino que a família monstro já subiu naquele barco sabendo do tsunami que se arma, e de sua inevitabilidade. Aliás, creio mesmo que até seus zumbis mais desmiolados começam a entender o desastre iminente de todos aqueles seus planos, articulações e alianças contra a natureza.

Para quem leu até aqui e esta vendo no texto muita fantasia, vale lembrar que as respostas da deusa do mar podem ser interpretadas como as leis da física e da biologia e até como os anseios de espiritualidade que em todas as religiões apontam para a entropia, a busca de equilíbrio, a necessária superação dos acúmulos ofensivos de abundância, para poucos, em meio a oceanos de carência, e exigem, para tanto, que sejam eliminados os agentes responsáveis pela iniquidade.

Portanto, neste 2 de fevereiro podemos acreditar que a resposta de Yemanjá, para aqueles que patrocinam crimes e sonhos de ocultação de violências ofensivas ao desejo e à necessidade de paz das famílias, não deixará de ocorrer.

Por outro lado, os pedidos de harmonia, os sonhos de ordem, que se somam à superação das injustiças, ao desmascaramento de lideranças cooptadas, serão recompensados pelo estímulo a atitudes coerentes com o que ali se encerra.

E a deusa há de esperar e recompensar nossa incorporação, em agregação à forças ainda desconhecidas. E que não serão contidas por maquinações como aquelas que nos levaram ao golpe de 2016, e que continuam armazenando armas, dizimando yanomanis e alimentando a hipocrisia revelada naquele fuga para o mar. Aquela pescaria sem peixes anuncia que os castelos da família monstro estão ruindo, seus associados serão desmascarados e presos de maneira a alimentar a consciência de todos os que, sob esta lua, na beira das grandes águas, pediram, a seu modo, mais amor e justiça.

Há nisso uma verdade maior, além da nossa compreensão e inexorável como o surgimento, o desenvolvimento e a senescência de tudo que brilha sob o sol. Os rios, montanhas, biomas, bactérias e humanos pequenos como nós ou gigantes como o padre Júlio, o papa Francisco, Davi Kopenawa e outros profetas, assim como aqueles canalhas e suas obras, terão sua expressão resumida ao que valem. Serão esquecidos ou lembrados pelo papel que cumpriram na trajetória de uma vida curta, onde, como bem definiu Vinicius de Moraes: "a gente mal nasce e começa a morrer".

Salve Yemanjá!

Recomendo ainda a edição #26 do podcast De Fato, com o título "A espionagem que ameaça a democracia ", que fala sobre o tema tendo como convidado o articulista Jeferson Miola.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira