Rio Grande do Sul

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Ocupação da Fazenda Annoni: um banho de luta, vida e vitória

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"Os 40 anos do MST estão sendo comemorados como festa, como memória, mas principalmente, como compromisso de fazer e exigir a Reforma Agrária" - Foto: Arquivo MST
A ocupação da Fazenda Annoni, no final de 1985, marca um momento histórico de luta no Brasil

Ao sempre pastor, profeta e sonhador Pe. Arnildo Fritzen

7 de setembro de 1979, 1º Encontro de CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, do Rio Grande do Sul, em São Gabriel. De manhã cedo, na hora do café, o Irmão Antonio Cecchin anuncia para todas-os as-os participantes do histórico Encontro, em plena ditadura militar: “Ocupamos as Fazendas Macali e Brilhante em Ronda Alta”. Alegria geral e total. Uma vitória da luta. Uma vitória da vida, no contexto das greves do ABC, dos bancários e construção de Porto, do surgimento das Oposições Sindicais no campo e na cidade e do movimento sindical combativo, do movimento comunitário nas periferias, das Pastorais Sociais e da Teologia da Libertação.

Final de 1980, início de 1981, é organizado o Acampamento da Encruzilhada Natalino com localização geográfica escolhida de modo estratégico, já que a Encruzilhada Natalino está localizada num entroncamento rodoviário onde circulam ônibus e veículos em direção às 4 maiores cidades da região, Passo Fundo, Sarandi, Carazinho e Ronda Alta, ligando o Rio Grande do Sul a Santa Catarina. Foi o primeiro acampamento em que as barracas das famílias acampadas foram instaladas à beira da estrada. O padre Arnildo Fritzen ficou conhecido como o líder espiritual do acampamento (Em `A luta do Acampamento Encruzilhada Natalino`, Página do MST, 18.06.14).

A ocupação da Fazenda Annoni, no final de 1985, marca um momento histórico de luta no Brasil. O ponto era a Encruzilhada da Barca, às duas horas da madrugada, terça-feira, em 29 de outubro de 1985. “Um fusca vermelho estaria parado no local como sinal. A estrada de chão ainda guardava água da chuva do dia anterior.”

Para reunir um contingente com pessoas de 33 municípios e 2 regiões diferentes do Estado, foram necessários quase 2 anos de organização. Uma movimentação que teve guarida no seio da Igreja católica, apoiada pela CPT, Comissão Pastoral da Terra. O movimento sindical combativo também surge como ferramenta importante neste processo. Ao final das missas, o padre convidava quem se interessasse para realizar um debate com um grupo de jovens que o acompanhava. Na pauta, o problema da terra. O mentor dessa organização era um veterano de ocupações: padre Arnildo Fritzen. Anos antes da Annoni, ele já havia ajudado pequenos agricultores expulsos de terras indígenas de Nonoai e Planalto a organizar ocupações, Macali e Brilhante, e negociar com o governo do Estado.

“O berço mesmo de tudo é Macali, Brilhante e Natalino. Porque aquilo é uma escola de formação e é o lugar onde as pessoas começam a firmar a convicção de que é possível os pequenos conquistarem seus direitos”, lembra padre Arnildo. Com experiência de driblar a ditadura militar, as reuniões clandestinas eram organizadas com cuidado. “O medo era grande. Havia a experiência da Encruzilhada Natalino onde a repressão foi muito forte. Era preciso todo cuidado”, lembra um dos ocupantes, Isaías Vedovatto. Os pontos de encontro dos representantes de cada região eram com frequência casas de agricultores ou a igreja de Ronda Alta. Ali, as reuniões dos sem-terra se transformavam em ´formações de catequistas´, ´treinamento de grupos de jovens´. Quando não sentiam segurança nem nestes locais, iam para o meio do mato, durante a madrugada. “Só acendíamos as lanternas. Sempre em grupos pequenos, no máximo 12 ou 13 pessoas, só a comissão diretiva”, lembra padre Arnildo. Era o início de um novo movimento num país engatinhando para fora de uma ditadura. E tudo começou naquela madrugada de outubro, depois da chuva. (Em ´SEM-TERRA CONTAM A HISTÓRIA DA PRIMEIRA OCUPAÇÃO DO MST, RBA, Rede Brasil Atual, 01.11.2015).

Eram tempos, o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980, de muita luta, tempos de muita vida, tempos de vitórias. Os 40 anos do MST estão sendo comemorados como festa, como memória, mas principalmente, como compromisso de fazer e exigir a Reforma Agrária. Os 40 anos da CUT, acontecidos em 2023, exigem a continuidade do movimento sindical combativo, da conquista de mais direitos, de igualdade, justiça para as trabalhadoras e os trabalhadores. Os 40 anos do CAMP, Centro de Assessoria Multiprofissional, foram também celebrados em 2023, uma ONG fundada à luz da educação popular de Paulo Freire, para contribuir em todas as lutas e mobilizações daqueles tempos, sempre com trabalho de base e FORMAÇÃO NA AÇÃO, como o MST faz em toda sua história (a sede do CAMP na rua São Manoel em Porto Alegre também era a sede do MST, até o Movimento mudar-se para São Paulo em 1985).

Realizada com sucesso a ocupação da Fazenda Annoni, chegou a hora da celebração em todos os sentidos. Numa das noites, depois de umas boas comidas e bebidas, João Pedro Stédile, eu e os que estavam por perto atravessamos um matinho e nos atiramos, felizes, na água da barragem ao lado da Fazenda Annoni. E saímos vivos! Por tudo isso e por muito mais, então, e ainda em 2024, continuamos tomando o BANHO DA LUTA, DA VIDA E DA VITÓRIA!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko